Sem direito de ir e vir
• Duzentos trabalhadores do Comperj ocupam a ponte e prejudicam milhares de pessoas
Luiz Ernesto Magalhães, Marco Grillo – O Globo
Debaixo de sol forte, milhares de pessoas ficaram presas ontem em carros, motos, ônibus e até ambulâncias na Ponte Rio-Niterói, quando cerca de 200 operários das obras do Complexo Petroquímico do Rio (Comperj), em Itaboraí, ocuparam as pistas num protesto contra atrasos em seus salários. A cena, inédita na Ponte, causou reflexos no trânsito em vias importantes das duas cidades e motivou novas discussões entre especialistas sobre mais um caso extremo, no qual o direito de se manifestar - previsto na Constituição - acabou prevalecendo sobre o direito coletivo de ir e vir. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) alega que seu plano de contingência funcionou, porque o objetivo maior seria garantir a segurança tanto de usuários quanto de manifestantes. Mas não faltaram críticas.
- Se os manifestantes bloquearam o trânsito, criando dificuldades para a coletividade, os líderes deveriam ter sido identificados e presos. O direito de se manifestar deve ser respeitado, mas não quando interfere no direito coletivo: milhares de pessoas que nada tinham a ver com isso foram prejudicadas - critica Armando de Souza, presidente da Comissão de Trânsito da OAB-RJ.
Atrasos para compromissos
No sentido Rio, a Ponte ficou fechada por duas horas para a passagem dos manifestantes, que, segundo informações do sindicato que representa a categoria, desembarcaram de cinco ônibus no vão central por volta das 11h50m. No sentido Niterói, a interdição durou uma hora, por motivo de segurança, de acordo com a PRF. Impacientes, passageiros de coletivos que seguiam para o Rio desistiram e voltaram a pé para Niterói. Muitos motoristas se atrasaram para compromissos.
- Não vi nenhum aviso em Niterói de que a Ponte estava fechada. Foram duas horas parado, com sol a pino. Três pacientes desistiram de me esperar e foram embora - contou o médico Fábio Nucci, que atende no Hospital Universitário Antônio Pedro, em Niterói, e em Copacabana.
Para se ter uma ideia do impacto do protesto, num período de três horas (das 11h às 14h), 11,6 mil veículos atravessaram a Ponte nos dois sentidos - 57% a menos que na terça-feira anterior. Para complicar a situação, 34 carros apresentaram pane mecânica no horário em que a via esteve fechada.
Durante parte da manifestação, agentes da PRF tentaram negociar com os operários. Pouco antes de deixarem a Ponte, os manifestantes liberaram uma faixa, mas as retenções prosseguiram. No Rio, seguiram a pé até a Petrobras, causando mais transtornos ao tráfego. As pistas centrais das avenidas Francisco Bicalho e Presidente Vargas chegaram a ficar bloqueadas.
- A ação foi errada. O bloqueio completo de uma via pública é ilegal. Se as negociações não foram bem-sucedidas, a PRF deveria ter recorrido à força. Até para garantir a segurança de quem queria protestar. Sem contar que uma ponte não é um dos locais mais apropriados para isso. Vale lembrar que nas manifestações de 2013 houve casos de pessoas que morreram ao cair de viadutos - disse o coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança e professor do Centro de Altos Estudos da PM paulista.
Segundo ele, a polícia deveria ter sido notificada sobre o protesto com pelo menos 24 horas de antecedência:
- Em seu artigo 5º, a Constituição garante a liberdade de manifestação. Mas o parágrafo 16 exige o aviso prévio à autoridade.
Para o professor da Coppe/UFRJ Moacyr Duarte, especialista em análise de risco, houve falhas da concessionária CCR Ponte e da PRF:
- A grande questão é: havia um plano de contingência? E, se havia, como explicar que tanta gente começou a caminhar na Ponte sem ser abordada?
A CCR, por sua vez, afirmou que o plano de contingência foi acionado assim que o Centro de Controle Operacional viu pessoas andando na Ponte. Simultaneamente, informou, equipes da concessionária interditaram a pista sentido Rio próximo aos acessos, para que mais motoristas não se aproximassem do local da manifestação e pudessem retornar ou buscar uma rota alternativa.
A assessora de Comunicação da PRF, Marisa Dreys, nega que tenham ocorrido falhas. Ela admitiu que a corporação foi surpreendida pela manifestação, mas disse que o plano de contingência foi executado:
- Havia uma situação de tensão. Recorrer à força não era recomendado. Se houvesse um tumulto, os manifestantes não teriam como se dispersar.
Polícia se reúne com o MP
A assessora acrescentou que, ontem mesmo, representantes da PRF e do Ministério Público se reuniram para discutir medidas a fim de evitar que a situação se repita. Ainda não há nada decidido. Mas uma das hipóteses é recorrer à Justiça através de um mecanismo jurídico conhecido como "interdito proibitório", para evitar que manifestações voltem a ocorrer na via. Há cerca de dois anos, o recurso foi adotado em ação movida pela Advocacia Geral da União (AGU) para impedir que caminhoneiros bloqueassem rodovias federais durante um protesto.
O secretário estadual de Transportes, Carlos Roberto Osorio, classificou o episódio como um "problema gravíssimo de mobilidade" e informou que pretende se reunir com a PRF para estudar formas de evitar que a Ponte seja novamente fechada:
- É um local inadequado para isso. Foi uma ação completamente inusitada e inesperada. Temos que ter bom senso.
No caso do jornalista Guilherme Coreixas, a reclamação foi dupla: além de ter se atrasado, ele não conseguiu avisar que não chegaria ao trabalho na hora.
- Fiquei parado num ponto em que não havia sinal de celular e nem de internet. As mensagens que eu mandei só chegaram bem mais tarde. Quando saí da Ponte, vi ainda que minha mulher e minha mãe tinham me ligado várias vezes - disse Coreixas, que levou 3h10m de Icaraí até Botafogo, percurso que costuma fazer em 35 minutos. - O pior nem foi para mim: vi uma ambulância com dificuldade de passar, uma mulher grávida esperando no sol forte& Eles (os manifestantes) não poderiam nunca ter fechado a Ponte.
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