O jogo político, especialmente na ambiência em que objetivos e regras não são ditados pelo interesse coletivo e por valores morais, mas por conveniências pessoais e corporativas, oferece aos militantes ampla margem de manobra para a consecução de seus desígnios. Mas em contrapartida alarga também o espaço para o imponderável, expondo ao risco de serem pegos com a boca na botija aqueles que ousam se arriscar além do “tolerável” na transgressão de limites legais ou recomendados pelo senso comum. É exatamente o que está acontecendo com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ): a Justiça suíça informou às autoridades brasileiras que ele e familiares controlam pelo menos quatro contas secretas naquele país, num valor total de US$ 5 milhões já devidamente congelados.
Interpelado na CPI da Petrobrás, em março, Eduardo Cunha foi categórico: “Não tenho qualquer tipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta declarada no meu Imposto de Renda. E não recebi qualquer vantagem ilícita ou qualquer vantagem com relação a qualquer natureza nesse processo”. Mentiu, portanto, o que configura, para começar, quebra de decoro parlamentar.
A denúncia é incontestável, porque procede da Justiça suíça, a partir de suspeitas levantadas pela auditoria do banco em que as contas são mantidas, cujo nome não foi revelado. O encaminhamento dessas suspeitas à Justiça provocou a abertura de ação criminal naquele país para apurar crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Foi o resultado da política de complience do sistema bancário suíço, agora atento a movimentações financeiras suspeitas. No caso de Cunha, descobriram que a titularidade das quatro contas era de empresas de fachada por ele abertas em paraísos fiscais, o que configura o padrão da operação de lavagem de dinheiro.
Cunha recusou-se, na quinta-feira, a responder às interpelações que lhe foram dirigidas por seus pares na Câmara. Limitou-se a argumentar com alguns interlocutores que seguia a orientação de seu advogado para se manter calado sobre o assunto. E cancelou viagem que faria à Itália para participar do Fórum Parlamentar Itália-América Latina e Caribe, alegando que pretendia comparecer à cerimônia de casamento do senador Romero Jucá, no sábado.
Por causa de denúncias muitas vezes menos graves do que aquelas que atingem hoje Eduardo Cunha, muitos líderes parlamentares foram cassados ou forçados a renunciar a seus mandatos. Em 2007, Renan Calheiros, que como hoje ocupava a presidência do Senado, renunciou ao cargo por causa de denúncias envolvendo seus negócios pessoais em Alagoas, mas conseguiu salvar o mandato. O falecido Antônio Carlos Magalhães renunciou ao mandato de senador em 2001, acusado de violação do placar eletrônico de votação da Casa. Também à presidência do Senado renunciou Jader Barbalho (PMDB-PA) em 2001, acusado de desvios no Banco do Estado do Pará. Em 2014, o então deputado petista João Paulo Cunha, réu do mensalão e condenado por irregularidades cometidas na presidência da Câmara entre 2003 e 2005, renunciou ao mandato para escapar da cassação. Casos similares ocorreram ainda com o deputado Severino Cavalcanti, que presidiu a Câmara em 2006, e, mais remotamente, em 1994, com o deputado Ibsen Pinheiro.
Eduardo Cunha tem-se destacado pela determinação e ousadia com que se dedica à sua carreira política. No início deste ano enfrentou e derrotou o lulopetismo na disputa pela presidência da Câmara. A partir de então adotou uma atuação independente que evoluiu para a postura oficial de oposicionista quando acusou o governo de envolvê-lo na Operação Lava Jato. Com esse perfil, é altamente improvável que comece a pensar em renúncia antes que esta se torne inapelavelmente a derradeira opção para salvar a carreira política que tanto preza. Mas essa é uma daquelas questões que, quanto mais cedo for resolvida, maior contribuição dará para amenizar a crise política.
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