• Presidente deve estar preparado para não se intimidar com a oposição
- O Estado de S. Paulo
Para um político cuja carreira foi feita muito mais em conchavos no Congresso Nacional e articulações de bastidores do que em palanques e praças públicas, a missão de conduzir a sociedade brasileira para um novo grande ciclo de reformas estruturais parece, à primeira vista, demasiadamente difícil para Michel Temer.
O PT, Lula e Dilma, reanimados pela surpreendente manutenção dos direitos políticos da ex-presidente, deixaram claro que agora vão partir para as ruas para organizar a resistência de sindicatos e movimentos sociais aos planos de ajuste fiscal do novo governo. Temer não dispõe, nem deve dispor tão cedo (talvez nunca), da popularidade com a qual poderia se contrapor ao discurso populista de oposição às reformas.
O Brasil já assistiu a esse filme. Fernando Henrique Cardoso, mesmo com o enorme capital político proporcionado pelo plano Real, penou para aprovar reformas, como a Previdenciária e a Administrativa, cujo conteúdo final acabou sendo bastante diluído em relação às propostas originais.
As desfigurações dos projetos vinham não só de concessões feitas pelo próprio governo no início do processo, acossado pelos grupos de pressão e seus representantes no Congresso, mas também das armadilhas da tramitação. Não era preciso apenas garantir maioria de três quintos nas votações em dois turnos na Câmara e no Senado. Era necessário também amealhar três quintos numa sucessão de votações adicionais para derrubar os temíveis destaques para votação em separado (DVS), pelos quais a oposição pode eliminar artigos ou parágrafos da emenda previamente aprovada.
As dificuldades prosseguiram no início reformista do governo Lula, quando o ministro da Fazenda era Antônio Palocci. Lula conseguiu passar uma nova e importante rodada de reforma da Previdência, mas para isso sua articulação política teve que apelar para os caminhos ilegais do Mensalão, com um custo altíssimo para o PT, que viu toda uma geração de lideranças políticas sucumbir ao escândalo.
Como poderia Temer ter sucesso numa tarefa em que os dois maiores líderes políticos desde a redemocratização, FHC e Lula, conseguiram se sair com resultados apenas medianos, para ser generoso na avaliação? É, de fato, muito difícil, mas talvez algumas ideias simples possam ajudar.
Em primeiro lugar, assim como no caso de Itamar e do plano Real, Temer deve se compenetrar profundamente de que fazer a primeira grande “reforma fiscal” – para usar a expressão de Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda e ligado ao PT – desde a redemocratização é a missão do seu governo e vai definir seu lugar na história.
É bom que o presidente dê ouvido aos tecnocratas de alto nível que reuniu no seu governo quando esses dizem que, sem romper com a tendência histórica de os gastos públicos crescerem acima do PIB, o Brasil não sairá nem da crise conjuntural nem da estrutural. Toda a energia política de Temer deve ser canalizada para essa missão.
Em segundo lugar, o presidente deve estar preparado para não se intimidar com o alarido da oposição populista. O PT, outros partidos de esquerda e os movimentos sociais e sindicais sabem resistir a reformas, mas não têm o poder de impedi-las. O atual momento histórico, que testemunha os escombros de experimentos populistas malsucedidos em países como Brasil, Venezuela e Argentina, é propício a vender a ideia de que é preciso algum sacrifício para pôr a casa em ordem, o que trará ganhos substanciais um pouco adiante.
Finalmente, na falta de popularidade, Temer terá de usar a arma que tem, o poder e a habilidade de articular uma base coesa e homogênea no Congresso. Terá que exercitar o toma-lá-dá-cá, mas estritamente dentro do campo da legalidade, sem se importar muito com os pruridos da intelligentsia que cobra resultados, mas não bota as mãos na massa. E deverá ser paciente, porque os resultados demorarão a chegar.
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