sexta-feira, 2 de setembro de 2016

O PSDB e a gerência de Michel Temer - César Felício

• O PSDB quer ser o controlador do Planalto

- Valor Econômico

Foi sob a égide de dois presidentes ocasionais, José Sarney e Itamar Franco, que os tucanos prepararam seus grandes saltos para a frente. Em 1988, no marco da oposição ao sarneyzismo e ao "centrão" que controlava o pulso da Assembleia Nacional Constituinte, nasceu o PSDB. Seis anos depois, o partido assumiu o Ministério da Fazenda de Itamar com a missão tácita de levar um governo claudicante até o final.

Em um e em outro caso, o partido carregava consigo a promessa de uma agenda de compromisso com o mercado, que traduziu-se no discurso de Mário Covas em prol do "choque do capitalismo", em 1989; e na própria figura de Fernando Henrique Cardoso, em 1994.


Em tese, o fenômeno pode se repetir agora, com Michel Temer. O novo presidente seria, ele mesmo, a ponte para o PSDB voltar a seu Eldorado.

Temer possui diversas deficiências em comum com Sarney e Itamar, como a falta de legitimidade popular, o limitado horizonte eleitoral para o futuro e a situação de crise econômica e administrativa profunda que circunstanciou a ascensão de cada um.

O PSDB jogou na ascensão de Temer este ano um papel mais relevante do que teve na de Itamar em 1992, malgrado sua eterna divisão. José Serra foi o pioneiro na aliança com o pemedebista e, segundo a interpretação de quem combateu o impeachment, um de seus operadores.

Aécio Neves procurou estabelecer uma série de condicionantes, como o comando da Câmara em 2017 e o compromisso de Temer não se candidatar à reeleição, mas terminou por entrar na frente do impeachment sem obter o que reivindicava. Geraldo Alckmin, entre os tucanos o mais relutante, foi o último a entrar na conjura. Era o que mais poderia colher frutos em 2018 se Dilma permanecesse até o fim, sangrando.

Na visão do líder do governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira Filho, um antigo defensor do sangramento, o partido não teve escolha: "fomos empurrados pelas ruas para o impeachment", disse. Neste empurrão, em sua leitura, só restaria ao PSDB trabalhar pelo sucesso de Temer, ainda que isso credencie o presidente a tentar a reeleição. Um quadro de retomada do crescimento econômico, em sua visão, criará condições para a vitória do partido em 2018, ainda que tenha o PMDB como oponente. "É natural que se participe do governo e que se trabalhe para seu sucesso", afirmou.

Condenado a dividir o destino de Temer, o partido não teria se sentido atingido quando o presidente afirmou ontem que "quem não quer que o novo governo dê certo, deve deixá-lo". "Ele estava reagindo a um episódio em que foi a grande vítima", disse o senador José Aníbal, para quem o alerta foi para o próprio PMDB.

Ao estabelecer na sessão do impeachment no Senado um fio condutor dos interesses do PT e os de Ricardo Lewandowski, Renan Calheiros deu uma demonstração de força, que é interpretada por tucanos como uma afronta a Temer. Ficou evidente uma aliança que pode levar ao reajuste do teto do Judiciário e à eleição de seu aliado Eunício Oliveira para sucedê-lo na presidência da Casa. Caso de fato se aprofunde a divisão entre Renan e Temer, há dentro do PSDB quem enxergue uma oportunidade para ampliar o esforço de estabelecer uma gerência sobre o presidente.

Nessa visão, Temer se tornaria uma espécie de sócio menor do ajuste fiscal que propôs, cobrado e pautado pelo PSDB. Cada articulação dos outros aliados do governo para que se transija em um ponto ou outro sofreria o peso do freio de arrumação tucano, em uma defesa do presidente que tem aspecto de cobrança.

Desse modo, o PSDB seria o balizador, a viga-mestra do ajuste, o mestre rigoroso e inflexível que se encarregaria de colocar o PMDB na linha a cada momento de frouxidão, a cada concessão às corporações.

No cenário mais otimista para o partido, em que Temer seria ajudado dessa maneira a governar, o presidente teria plenas condições de fazer o que precisa ser feito e imolar no altar do sacrifício qualquer iniciativa eleitoreira.

Se os deuses conspirarem a favor dos tucanos, o presidente faria a semeadura para a colheita do PSDB. Caso caiba a Temer colher os frutos, teria nos tucanos um parceiro indissociável na empreitada e em Renan um aliado incômodo e inconfiável.

É uma aposta arriscada dos tucanos. No seus 15 anos como presidente do PMDB, encerrados ontem, Temer assistiu o fastígio e a queda de diversos caciques pemedebistas, sem bater de frente com nenhum deles.

O presidente pode entender que há outros caminhos para implementar o ajuste que não a aceitação da tutela tucana. E conseguir segui-los fortalecendo uma candidatura presidenciável própria ou do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que jamais renegou a pretensão de um voo maior. É um segundo cenário, com claras perdas para o PSDB: o de Temer ser extremamente bem sucedido.

O presidente pode também perder-se em descaminhos, enredar-se de crise em crise, de fase em fase da Lava-Jato e cair no descrédito do mercado financeiro para sempre. Nessa hipótese, o de fracasso da política econômica de Temer em função de sua debilidade política, os tucanos manteriam as credenciais de compromisso com a economia de mercado, mas ficariam marcados no eleitorado como patronos de um desastre institucional.

O quarto e pior cenário para o PSDB é aquele em que o presidente consegue avançar de forma decidida na reforma da Previdência, revê a legislação trabalhista, realiza privatizações, aprova quase sem mudanças a emenda constitucional que limita a despesa pública e a inflação não cede, a taxa de desemprego não muda de trajetória e o PIB não reage de modo efetivo.

É um quadro em que a ortodoxia econômica não traria nenhum benefício ao eleitorado que está pagando na carne a fatura. Ficaria evidente assim o fracasso da terapêutica adotada.

Para algum conforto do PSDB, esse parece o mais improvável dos quatro quadros. Sem entrar no mérito da consistência das medidas de ajuste, tema que foge ao alcance da análise desta coluna, poucos creem na capacidade de Temer de conseguir aprovar um ajuste fiscal dessa intensidade sem concessões.

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