- O Estado de S. Paulo
Os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal estão sendo empurrados para a fogueira do impeachment tanto pelos defensores quanto pelos acusadores de Dilma Rousseff e vão arder em praça pública durante o julgamento do julgamento final da agora ex-presidente no Senado. Pode não dar em nada, mas pode acontecer o impensável: o Supremo anular a votação de quarta-feira e determinar uma nova. Michel Temer voltaria a ser interino nesse ínterim?
Até ontem já eram nove mandados de segurança mirando na votação do Senado. Para os aliados de Dilma, não houve caracterização de crimes de responsabilidade. Para os adversários, é uma aberração jurídica votar, primeiro, metade de um parágrafo do artigo 52 da Constituição e, depois, a outra metade.
Esse parágrafo refere-se à “perda do cargo, COM inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública”. Porém, o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, permitiu e o plenário do Senado votou a “perda do cargo” e, em seguida, a “inabilitação”. Assim, criou-se uma excrescência e, pior, um precedente perigoso: a presidente foi cassada, mas SEM inabilitação para ocupar qualquer cargo público.
Para o decano do Supremo, Celso de Mello, uma coisa (inabilitação) é “efeito natural” da outra (perda de mandato), e não haveria possibilidade de votação autônoma. Para o ministro Gilmar Mendes, a solução “foi bizarra e não passa nem no jardim de infância do Direito”. Se não passa nem no jardim de infância, passará no Supremo?
Há duas opções, basicamente, para a alta Corte: ou julga politicamente, lava as mãos e decide que o Senado era o juiz e poderia fazer o fatiamento; ou julga tecnicamente, segue a “letra fria da lei” e conclui que um mero destaque em plenário não pode se contrapor ao que diz a Constituição. Neste último caso, o julgamento final teria de ser refeito e ficaria uma dúvida: Temer voltaria a ser interino e Dilma a ser só “afastada”? Seria um pandemônio – senão uma palhaçada.
Do ponto de vista técnico, jurídico, os especialistas não veem alternativa para o Supremo que não a anulação da votação e do fatiamento de uma mesma frase, de um mesmo parágrafo, de um mesmo artigo, de uma mesma Constituição, para favorecer casuisticamente Dilma Rousseff. Condenando a presidente da República por crime de responsabilidade, mas inocentando a cidadã.
A sensação generalizada é que o fatiamento foi uma trama do PT com uma parte do PMDB, passando por três personagens: o ex-presidente Lula, o presidente do Senado, Renan Calheiros, e Lewandowski, que, apesar de todos terem sido surpreendidos pelo destaque do PT, fez um longo discurso para alegar que ele não era juiz, os juízes eram os senadores. De tão longo, pareceu previamente elaborado.
Assim, Lewandowski decidiu monocraticamente acatar o destaque e autorizar que os senadores votassem o mérito, em separado, das duas penas impostas a Dilma. Já que os senadores eram os juízes, ele não deveria ter levado o acatamento ou não do destaque ao plenário, para só então abrir a votação do mérito? Grande dúvida em Brasília: teria sido convencido por Lula?
Renan foi o primeiro a defender o direito de Dilma ocupar cargos públicos e disputar eleições, seguido por vários pemedebistas. Há duas interpretações. Uma, edulcorada, é que Dilma já estava sendo duramente punida com o impeachment e a inabilitação seria cruel. A outra, ácida, é que a intenção foi favorecer atuais e futuros réus da Lava Jato – a começar de Eduardo Cunha, o ex-presidente da Câmara.
O fato é que alguns senadores votaram, sim, por deferência a Dilma – ou por “consciência pesada”, como me disse Lindbergh Farias (PT) -, mas a maioria votou simplesmente por interesse próprio, gerando precedente para quando o carnaval e suas próprias cassações chegarem.
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