• STF critica, Lava-Jato ameaça renunciar, e ruas fazem panelaço
• Saiba como votaram os deputados durante a madrugada
• Renan também tenta votar, mas é derrotado no Senado
A Lava-Jato, o Judiciário e o MP reagiram à decisão da Câmara de desfigurar o pacote anticorrupção apresentado por procuradores. Apenas duas das dez medidas originais foram integralmente mantidas, entre elas a criminalização do caixa dois. Presidente do STF, a ministra Cármen Lúcia disse que a tipificação do crime de abuso de autoridade para promotores e juízes contraria a independência do Judiciário. O procurador Deltan Dallagnol chamou de “o começo do fim da Lava-Jato”, e a força-tarefa ameaçou renunciar às investigações. PT, PMDB e PDT foram os que mais votaram pelas mudanças.
Reação em cadeia
• Judiciário e Lava-Jato protestam contra desfiguração de pacote anticorrupção; panelaços voltam
- O Globo
Enquanto o país estava sob o impacto das notícias da queda do avião na Colômbia que matou a maior parte dos jogadores da Chapecoense e jornalistas brasileiros que os acompanhavam, a Câmara dos Deputados surpreendeu ao atravessar a madrugada numa série de votações que desfiguraram o pacote anticorrupção proposto pela força-tarefa da Lava-Jato. A votação abriu uma crise entre Legislativo, de um lado, e Judiciário e Ministério Público, de outro. Em conjunto, procuradores da LavaJato ameaçaram uma renúncia coletiva, caso o pacote seja aprovado dessa forma no Senado. À noite, foram registrados panelaços ao menos no Rio de Janeiro, em Brasília, Belo Horizonte, Curitiba e Goiânia, assim que o “Jornal Nacional” noticiou a iniciativa da Câmara.
A sessão ocorreu 24h depois de o presidente Michel Temer, acompanhado dos presidentes do Senado e da Câmara, afirmar que vetaria qualquer tipo de anistia a quem praticou caixa dois de campanha, caso o Congresso as aprovasse. Embora a punição ao caixa dois tenha sido mantida, os parlamentares alteraram vários outros itens, o que ajudou a desconfigurar quase todas as demais propostas.
A condenação por parte do Judiciário foi forte. A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, lamentou a inclusão de texto que pode contrariar a independência do Poder Judiciário em momento de avanço legislativo em defesa da ética pública.
— Pode-se tentar calar o juiz, mas nunca se conseguiu, nem se conseguirá, calar a Justiça — escreveu Cármen Lúcia em nota, referindo-se à emenda que prevê crime de responsabilidade de juízes e promotores.
A presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Laurita Vaz, afirmou que as medidas aprovadas pela Câmara estão em “descompasso com o clamor da sociedade”.
— É lamentável que, em plena crise política, quando inúmeros crimes são investigados e seus autores, punidos, haja iniciativa legislativa no sentido de aprovar normas que, claramente, visam a atingir a independência da magistratura e do Ministério Público — disse a ministra, em nota.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse que as mudanças realizadas no Congresso desfiguraram o texto original, elaborado pelo Ministério Público, e representam retrocesso no combate à corrupção.
— As dez medidas contra a corrupção não existem mais. O Ministério Público brasileiro não apoia o texto que restou, uma pálida sombra das propostas que nos aproximariam de boas práticas mundiais — escreveu em nota pública.
A situação se agravou com a tentativa do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de aprovar regime de urgência para a votação do pacote de medidas anticorrupção no Senado, sem que ele fosse discutido nas comissões, como acontece com qualquer projeto. A proposta foi derrotada por 44 votos a 14. Renan poderá se tornar réu hoje no julgamento pelo STF da denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República de ter as despesas de uma filha com a jornalista Mônica Veloso bancadas pela empreiteira Mendes Júnior.
Uma análise feita pelo GLOBO de todas as votações na Câmara durante a madrugada mostra que os votos dos deputados foram majoritariamente (75%) contra o projeto original. Foram votos que ajudaram a alterar as medidas do MP ou acrescentaram alterações que enfraquecem o combate à corrupção. Para descaraterizá-las, a maior parte da base do governo e deputados de partidos de oposição votaram juntos na maior parte das vezes nos dez destaques e emendas. Entre os grandes partidos, as maiores taxas de votos que ajudaram a enfraquecer as medidas foram do PT (99%), seguido pelo PDT (85%) e PMDB, partido do presidente Michel Temer (68%).
Entre as mudanças mais polêmicas, a emenda proposta pelo deputado Weverton Rocha (PDTMA), que pune promotores e procuradores, contou 313 votos favoráveis. Dos 56 deputados do PMDB presentes nessa votação, 46 foram favoráveis à emenda. O DEM do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), deu 17 de seus 25 votos. A maioria dos parlamentes do PSD, PP, PR e SD, que integram a base do governo, também ajudou a aprovar a medida.
Com a forte reação do Ministério Público e do Judiciário, Rodrigo Maia disse que a prerrogativa de legislar é do Legislativo e que a decisão da maioria não foi retaliação aos integrantes do MP:
— A Câmara exerceu sua independência, trabalhando de forma democrática. Não foi uma votação rápida, simbólica, nem com quorum baixo. A gente cumpriu nosso papel e respondemos à sociedade. De forma nenhuma a Câmara pode abrir mão da sua prerrogativa de legislar.
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