• Ele [Temer] não vai ser candidato, ele não vai seguir as regras de montagem de uma estratégia eleitora
• Não vejo risco [de o governo cair]. A situação econômica é extremamente grave para ficarem fazendo experimentos
Por Raymundo Costa e Daniel Rittner – Valor Econômico
SÃO PAULO - Indo direto ao ponto: o presidente pode cair como caiu Dilma Rousseff? Esse "risco" não existe por duas razões, responde o secretário do Programa de Parcerias de Investimento (PPI), Wellington Moreira Franco, um dos principais estrategistas do governo Temer.
"Primeiro porque a situação econômica é extremamente grave para as pessoas fazerem experimentos", diz Moreira. Segundo porque o governo compreende as expectativas da sociedade. "Você não pode afrontar a vontade das ruas".
Moreira falou com o Valor na tarde da última terça-feira, no anexo do Palácio do Planalto, onde fica seu gabinete, enquanto uma multidão protestava contra a PEC do teto de gastos, votada e aprovada à noite, no Senado. O secretário reconhece que a boa vontade com o governo acabou, mas diz que não há outra saída: "O único caminho que ele tem é, ao final de dois anos, ser reconhecido como o presidente que tirou o país de sua maior crise econômica", algo que Moreira diz ser "incompatível com qualquer montagem, qualquer veleidade, qualquer ambição de organizar uma eleição ou reeleição para presidente".
O quadro não deixa margem por dias melhores no curto prazo. "A confiança no país foi rasgada", diz. "Todos sabemos como Temer recebeu o país. Sempre foi dito que ainda não havia chegado o fundo do poço". Segundo Moreira, "Ainda vai ter mais desemprego", mas o governo não pode sair do rumo do ajuste fiscal. Nem para gastar mais, como sugerem alguns aliados na expectativa de ter alguma resposta da economia, nem com mais arrocho, com a criação ou aumento de impostos, como sugerem outros.
Abaixo, trechos da entrevista ao Valor:
Valor: O governo Temer completa seis meses com impaciência do mercado e da classe política com a falta de respostas para a retomada do crescimento. É preciso fazer alguma correção de rota?
Moreira Franco: Nunca dissemos que sairíamos milagrosamente da crise econômica. Pelo contrário: o presidente Temer, antes de chegar ao Palácio do Planalto, lançou dois documentos - "Ponte para o Futuro" e "Travessia Social"- nos quais assume compromissos com os fundamentos econômicos e aponta as mudanças necessárias em decorrência da crise. O governo passado gastou muito mais do que arrecadava e promoveu uma desorganização nas contas públicas. Daí a gravidade, a profundidade e a extensão da crise. Sempre dissemos que o principal problema do país é a economia.
Valor: Mas essa equipe não tem jogado muito na retranca?
Moreira: Essa equipe está em campo para defender. O adversário tem alta capacidade corrosiva. O déficit de R$ 170 bilhões é estouro em qualquer lugar do mundo. A projeção de R$ 139 bilhões para 2017 continua sendo muito dinheiro. Não teremos condições de alcançar taxas de juros civilizadas sem organizar as contas públicas. É um time de defesa excelente. Em qualquer jogo de futebol, é preciso ter uma estratégia segura e fazer algumas investidas de ataque, para buscar os gols.
Valor: Mas o fato é que temos 12 milhões de desemprego, o PIB continua caindo, as concessões de infraestrutura ainda não decolaram...
Moreira: Não vamos resolver o desemprego com os métodos do governo passado, na base da pedalada. Só vamos resolver com equilíbrio fiscal, condições de mobilizar recursos para o investimento, permitindo a volta do crescimento, porque é o crescimento que gera emprego. Todos sabemos como o presidente Temer recebeu o país. Ninguém enganou ninguém. Sempre foi dito que ainda não havíamos chegado ao fundo do poço.
Valor: E ainda não chegamos ao fundo do poço?
Moreira: Ainda vai ter mais desemprego.
Valor: Então o que fazer para superar a crise?
Moreira: Para enfrentar esse problema, lançamos o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que não pode ser nem PPP porque falta o "P" de público. Só existe o programa e o privado. Com mais concorrência no financiamento e na disputa pelas concessões, poderemos restabelecer a confiança no país, que foi rasgada. A confiança é um dado fundamental. Já fizemos a primeira reunião [do conselho do PPI] e foram colocados 34 projetos de concessão nas mais diversas áreas. O calendário está sendo cumprido. Previsibilidade é fundamental para o restabelecimento da confiança.
Valor: Mas é preciso fazer ponderações: as concessões têm uma resposta lenta, a projeção para o crescimento do PIB em 2017 já foi revisada para baixo e integrantes do "Conselhão" disseram abertamente que a lua de mel do mercado com o novo governo está acabando.
Moreira: Olha, descartamos aventuras. Não esperem pedaladas. Vamos fazer o que mandam as regras de responsabilidade fiscal e de compostura no trato da coisa pública. Não há hipótese de experimentos com a sociedade. Tivemos 40 milhões de pessoas em ascensão social, no primeiro mandato do ex-presidente Lula, porque o governo seguiu os princípios contidos na Carta ao Povo Brasileiro. Deu certo aqui e dá certo no mundo. Fomos em busca dos mesmos princípios. Vai demorar um pouco? Acho que sim.
Valor: O senhor fala de rejeição ao experimentalismo, mas o governo Temer já tem recebido pressões para incentivar o consumo...
Moreira: Tanto se incentivou o consumo que o nível de endividamento das empresas e das famílias é enorme. A nova matriz econômica desorganizou o campo fiscal. O que levará à recuperação do emprego é uma trajetória de crescimento.
Valor: Há necessidade de aprofundamento do ajuste fiscal, com criação ou aumento de impostos?
Moreira : A recomendação dada foi que a estratégia a ser seguida era que não fosse usado imposto como ferramenta. O governo vai perseverar na busca do saneamento das contas públicas, como já foi colocado no "Ponte para o Futuro", que não fala em criação nem aumento de impostos.
Valor: E a lua de mel do mercado com o governo, acabou mesmo?
Moreira: A lua de mel acabou? Isso cria má vontade com o presidente Temer? A gente sabe que cria, mas não há outro caminho. O único caminho que ele tem é, ao final de dois anos, encontrar-se com a história e ser reconhecido como o presidente da República que tirou o país de sua maior crise econômica. Esse caminho é incompatível com qualquer montagem, qualquer veleidade, qualquer ambição de organizar uma eleição ou reeleição para presidente da República. O que significa que essa é uma hipótese afastada pelo presidente Michel Temer.
Valor: Ele não será candidato à reeleição em 2018?
Moreira: Não será. Ele não vai ser candidato, ele não vai seguir as regras de montagem de uma estratégia eleitoral. Não se monta uma estratégia eleitoral a não ser com tempo, inteligência e sobretudo capacidade de articulação. Para isso, não se pode ter uma meta tão bem definida, como o presidente Temer tem, que é a busca do equilíbrio fiscal.
Valor: E o PMDB?
Moreira: PMDB fará uma coligação, uma aliança, não sei...
Valor: Sem encabeçar a chapa?
Moreira: Não temos candidato próprio desde 1994... Esse tipo de veleidade, esse tipo de exercício, não passa pela nossa cabeça. É incompatível com a nossa meta.
Valor: O governo tem maioria no Congresso Nacional, mas não tem popularidade. Com sua oposição à anistia ao caixa dois, o presidente não pode acabar tendo problemas também com a base aliada?
Moreira: Vocês sabem que a contribuição mais importante do Dr. Ulysses [Guimarães] não foi nem a Constituição de 1988. A contribuição mais importante dele -e do PMDB- foi demonstrar que a população brasileira, quando vai às ruas e sem violência, muda o rumo das coisas. Ela faz história. Você precisa ter base parlamentar, boa articulação político-partidária, mas não pode afrontar a vontade das ruas. E quais são os dois grandes desafios do presidente Temer? Um é a crise econômica. O segundo desafio é de natureza moral. Ele tem consciência de que a sociedade brasileira está atenta.
Valor: Mas ministro, dentro de algumas semanas a sociedade vai tomar conhecimento de acusações, como a delação da Odebrecht...
Moreira: O presidente foi perguntado se ele estava preocupado. Ele disse que estava. É claro que está. E isso tem que ser visto. Nós não queremos passar por esse processo? Então nós temos que viver com naturalidade, sem espetacularizar esse processo. As pessoas são citadas, tem gente que mente. Tem que provar. Tem que ser investigado. Ser investigado não tira pedaço de ninguém.
Valor: O presidente não demorou para agir no caso do Geddel?
Moreira: Acredito que tudo vai ser feito assim. Ele próprio disse: eu tenho o meu temperamento. Nem todas as pessoas têm o temperamento igual. Algumas são impulsivas, outras gostam de tirar vantagens, veem uma oportunidade de ficar fazendo pirotecnia e têm pessoas que são mais serenas, austeras e encaminham as soluções no ritmo que nem sempre é o ritmo que agrada os mais ansiosos.
Valor: Ritmo que às vezes prejudica o próprio presidente...
Moreira: Se ele fosse impulsivo, seria prejudicado em outras coisas em que a impulsividade traria problema. A vida é assim. Você não ganha em tudo. Tem coisas em que seu temperamento faz perder a oportunidade e vice-versa. Todo mundo é assim. E ele também. O governo não pode, não tem condições de afrontar a opinião pública, e nós do PMDB sabemos que a opinião pública não pode ser afrontada.
Valor: O caixa 2 foi uma prática tão arraigada no sistema político brasileiro e de uma hora para outra vira crime. O que fazer?
Moreira: Só espero que seja resolvido respeitando os princípios das regras jurídicas, democráticas. Uma delas é a seguinte: o que não era crime, não pode retroagir. Não sou advogado, sou sociólogo, mas este é um princípio clássico do direito penal. Esses princípios são civilizatórios. Então eu espero que seja resolvido pelas instâncias que a Constituição define nos princípios que a própria Constituição coloca.
Valor: Há risco efetivo de o governo cair?
Moreira: Não vejo risco por duas razões. Primeiro porque a situação econômica é extremamente grave para as pessoas ficarem fazendo experimentos. Não dá para brincar. Segundo porque o governo compreende que as duas grandes questões são essas duas sobre as quais falei. E é o que a sociedade está querendo. A sociedade sabe que não dá para gastar demais, o governo não pode fazer o que vinha fazendo.
Valor: Esse crise não mina o esforço, principalmente a reforma da Previdência, que mexe com muitos interesses?
Moreira: A vida é como ela é. Eu não acho que se deva fazer qualquer concessão pra dificultar todo esse esforço que estamos fazendo de melhoria de regras de governança, de ampliar o ambiente de concorrência, de diminuir a força das corporações. Essa é a sociedade que nós queremos construir.
Valor: O PSDB ampliará seu espaço no governo, como sugeriu o presidente do Senado, Renan Calheiros, em entrevista?
Moreira: Nós somos da mesma costela, o PSDB e o PMDB. Creio que seria extremamente útil para o país se houvesse uma aliança muito mais sólida, muito mais profunda, baseada em objetivos mais amplos que a busca do ajuste fiscal.
Valor: O sr. fala é de eleição?
Moreira: Não estou falando de eleição...
Valor: Mas o PSDB já está no governo, tem três ministros...
Moreira: É um de cada time. Temos as três correntes.
Valor: A ampliação do espaço dos tucanos é uma espécie de plano B do governo para a crise?
Moreira: Não existe Plano B. O que existe é a vida. Quando eu cheguei aqui na Câmara, com vinte e poucos anos, o Thales Ramalho, que era do PSD, me chamou e disse: 'eu sei que você estudou, fez isso e aquilo outro. Esqueça tudo. Em política só tem duas coisas: o fato novo e o fato consumado. Então essa coisa de Plano B, só existe. Então diante do fato você vai ver o que se faz.
Valor: O fato novo será a delação da Odebrecht?
Moreira: Pelo que a imprensa fala não é novo, é fato consumado. Diriam os agentes de mercado: já foi precificado.
Valor: Em resumo, o sr. diz que o governo Temer não tem risco de cair e que mesmo alcançando os bons resultados que prevê, em dois anos, o presidente não é candidato e o PMDB não precisa ter candidato próprio?
Moreira: Não precisa ter candidato é você que está concluindo em função de o presidente Temer não ser candidato. Evidentemente o presidente Temer não será candidato. Agora, se o PSDB vai ter força para viabilizar uma candidatura, se outro partido tiver, esse é um processo. Um candidato é a coisa mais fácil de fazer. É um ato de vontade. Candidatura é a coisa mais difícil de ser tecida, porque ela é fruto de um processo social.
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