- Valor Econômico
• Crise pode reforçar tendência conservadora
Do ponto de vista da opinião pública, o presidente Michel Temer não tem como se sair bem da crise nos presídios, como nenhum governo conseguiria. Em momentos de colapso, ou "acidentes pavorosos", como prefere chamar o presidente, a população cobra soluções, respostas imediatas, não um diagnóstico se a responsabilidade é deste governo, do anterior, dos governos estaduais, de empresários concessionários ou da maldade no coração dos homens. E nesse sentido nenhuma resposta será satisfatória. Qualquer plano de ação será improvisado, qualquer gesto será pirotécnico. Entre outros motivos para o silêncio momentâneo, Temer demorou a se manifestar porque sabia que este era um contrato com a derrota. Não sem razão, cobra-se de Temer uma conta que há tempos não é saldada.
Não está no dano à imagem de Temer ou dos governadores a principal consequência da carnificina, contudo. A grande questão está em saber como esta crise, uma vez que se prolongue, repercutirá no humor da sociedade como um todo. É saber se, no longo prazo, prevalecerá como sentimento da maioria o consenso dos especialistas ou a maneira de ver o mundo do ex-secretário nacional da Juventude, Bruno Júlio, fora do governo pouco depois de declarar que o ideal seria a ocorrência de uma chacina por semana nas cadeias.
O conservadorismo do povo brasileiro é objeto de estudo há décadas e é cientificamente atestado. Mas por enquanto ainda encontra matizes. A última pesquisa desenvolvida pela "World Values Survey", uma rede global de cientistas que ouviu 85 mil pessoas em 57 países, sendo 1.486 no Brasil em maio de 2014, atesta isso.
O levantamento mostrou um povo com profundo desapreço pela democracia. Apenas um em cada quatro brasileiros concordou com a avaliação de que é muito bom viver em um sistema democrático, menos da metade do que os 53% de argentinos que marcaram esta opção. A radicalização ideológica estava em alta, com 25% dos pesquisados se situando como integralmente de direita ou de esquerda, o dobro do que havia sido registrado na pesquisa anterior, feita cinco anos antes.
A mesma pesquisa, entretanto, mostra um alto nível de tolerância a pessoas de religião e de orientação sexual diversa do entrevistado e surpreendentemente baixos teores de ufanismo, xenofobia e fervores patrióticos. Somente 34,2% dos brasileiros disseram se jactar da própria nacionalidade, ante 80% dos colombianos, por exemplo, isso em um ano em que se bombardeou o país com o canto de "sou brasileiro, com muito orgulho...". O pendor autoritário no Brasil parece na pesquisa mais relacionado a uma profunda desconfiança interpessoal e baixos traços de solidariedade. Somente 9,5% dos brasileiros afirmaram confiar completamente nas pessoas com quem convive. Nos Estados Unidos o percentual é 30,2%.
O conservadorismo brasileiro na questão da segurança ganha contornos incongruentes, como mostrou a pesquisa Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no ano passado. O levantamento mostrou 57% dos pesquisados afirmando concordar com a definição de que "bandido bom é bandido morto" e 70% sustentando que a polícia abusava da violência.
A balança agora pode pender para um lado. Consultor político e especialista em questões eleitorais, o sociólogo Antonio Lavareda teme a reação silenciosa ao consenso na elite brasileira de que é necessário desencarcerar, investir em inteligência e promover cidadania.
"A sociedade em relação aos presídios só quer controle, com punição e segregação. Prefere esquecer do tema, que nunca esteve no topo de preocupações da opinião pública. Quando o tema assume a dimensão que assumiu, ele vai entrar na agenda e o problema é como", comentou.
Cabeças rolando nas cadeias transmitem a sensação de perigo e fazem crescer o apelo por soluções simples. A ordem será a busca por segurança, objetivo em relação ao qual a discussão sobre desencarceramento causa ruído, e que se sobrepõe a todos os outros em um momento de medo. Há o risco, conforme aponta Lavareda, de que a discussão do sistema prisional no primeiro plano do debate nacional abra espaço, sobretudo no Congresso, aos que pregam um endurecimento social.
Não há espaço hoje no grande cenário da política nacional para figuras de extrema-direita porque estes setores, além de despossuídos de estrutura partidária, não conseguem entrar em sintonia com a agenda que a sociedade cobra.
O deputado Jair Bolsonaro, no momento, é candidato a se tornar um novo Enéas, um coadjuvante na eleição presidencial; e não o equivalente brasileiro a Marine Le Pen. Uma mudança de temas na sociedade retira um dos componentes que tornam o meio eleitoral insalubre aos extremistas, ainda que não os coloque no centro do tabuleiro.
João Doria Junior deve ter ponderado longamente qual a mensagem que passaria ao aparecer de vassoura em punho, na limpeza da Praça 14 Bis, em São Paulo. A associação com Jânio Quadros é inevitável.
Ninguém desconhece que o ex-presidente da República foi condenado no julgamento da história, sobretudo em razão das consequências nefastas de sua renúncia em 1961. O legado de Jânio, que leva o tucano a emulá-lo no centenário do nascimento do ex-presidente, contudo, é outro.
Prefeito de São Paulo pela primeira vez quatro anos antes de Doria nascer, Jânio conseguiu uma votação até hoje não superada em termos proporcionais em São Paulo. Foi um fundador do marketing político no Brasil, ao criar uma estética para carregar de mensagens gestos irrelevantes em seu sentido prático.
Bilhetinhos, a vassoura na mão, o abandono do terno e gravata pelo uniforme de safari, incertas em repartições e repreensões públicas em subordinados construíram ao longo do tempo um personagem capaz de sobreviver aos seus defeitos. Era uma maneira de manter-se em campanha permanente.
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