Com a proximidade da principal batalha parlamentar de Michel Temer (PMDB), espera-se que seu governo seja mais bem-sucedido na negociação política da reforma da Previdência do que foi no esclarecimento público de sua proposta.
Cabe a ressalva de que o tema sempre inspirará controvérsia, em qualquer lugar do mundo. Aqui, com o agravante de que a propaganda oficial em defesa do projeto foi barrada por liminar judicial.
Fato é que prosperam, em expressivas camadas da sociedade, teses frágeis sobre a sustentação do sistema previdenciário, amparadas em falácias contábeis ou na esperança fantasiosa de que um surto de crescimento econômico possa corrigir, pela via da receita, os desequilíbrios hoje evidentes.
Há ainda exageros sobre o impacto das alterações constitucionais em discussão -que contêm, sim, a revisão de direitos atualmente em vigor, mas também a correção de distorções e injustiças.
Dadas as múltiplas resistências à reforma, que embalam manifestações sindicais pelo país, seu avanço no Congresso não se dará sem concessões e aperfeiçoamentos do texto. Cumpre agora definir o que é essencial e o que pode ser revisto ou debatido mais adiante.
Não pode haver dúvida razoável de que mudar é um imperativo. Neste momento o Brasil gasta com aposentadorias e outros benefícios previdenciários 13% do PIB -vale dizer, de toda sua renda.
Trata-se de proporção só superada em poucos países ricos e de população mais idosa, incompatível com as prioridades de quem tem graves deficiências a sanar na educação, na saúde, na segurança pública, no saneamento básico.
Se nada for feito, o envelhecimento inexorável da população elevará a conta a patamares que ou paralisarão os demais serviços públicos ou exigirão uma elevação brutal da já excessiva carga tributária, que drena 35% do PIB.
A despesa despropositada decorre de aposentadorias precoces, de privilégios concedidos a grupos influentes e de regras por demais permissivas para concessão e cálculo dos benefícios. Todos esses fatores precisam ser enfrentados.
É fundamental, portanto, a fixação de idade mínima para a aposentadoria de homens e mulheres -na proposta do governo, de 65 anos, com o requisito de 25 anos de contribuição. São normas alinhadas à prática internacional.
Não procede a afirmação de que a idade mínima prejudicará os mais pobres. Os trabalhadores que hoje se aposentam mais cedo, por tempo de contribuição, são justamente os de maior renda.
No entanto, devem-se reexaminar, no projeto do governo, regras de transição para quem já está no mercado. Há que encontrar uma fórmula que escalone as imposições da reforma conforme a proximidade da aposentadoria.
Também tende a ser alterado, por pressão parlamentar, o mecanismo proposto para o cálculo dos benefícios -que permite aos que cumprem o prazo mínimo de contribuição receber 76% da média dos salários da ativa, elevando-se o percentual de acordo com o período contributivo.
Nesse caso, a margem para recuos é estreita. O percentual do texto já é elevado para o padrão emergente, e não é objetivo de nenhum sistema previdenciário oferecer aposentadoria integral.
Acrescente-se que tal garantia permanecerá válida para os que recebem o salário mínimo -dois terços da clientela do INSS.
Entre as normas para a concessão de benefícios, as anomalias mais óbvias ocorrem nas pensões por morte, que no Brasil consomem o recorde global de 3% do PIB.
No mínimo, é necessário fixar valores proporcionais ao número de dependentes, como é hábito no resto do mundo, e limitar as possibilidades de acúmulo de pensões e aposentadorias, respeitados, é claro, os direitos adquiridos.
Por fim, uma reforma que se pretenda justa precisa caminhar rumo à unificação dos direitos e das obrigações de todos os trabalhadores, ainda que esse processo não possa ser concluído de imediato.
De mais crucial, há que estabelecer um mesmo regime para os celetistas e os servidores públicos civis, excetuadas carreiras que imponham riscos extraordinários.
O funcionalismo estadual e municipal, não sendo alcançado pelo texto em tramitação na Câmara dos Deputados, há de ser tratado em outros projetos. Os trabalhadores rurais, que hoje têm tratamento assistencial, devem ao menos passar a contribuir para o sistema, mesmo em valores menores.
Não se tenha a ilusão de que uma única reforma poderá dar conta de todas as mazelas que se acumulam há décadas. O mais urgente é estancar a expansão do gasto e lançar as bases para um modelo previdenciário sustentável e equânime.
Adiar a tarefa não penalizará apenas as gerações futuras, cuja seguridade social estará posta em risco. Dado o estado calamitoso das contas públicas, as consequências de uma demonstração de irresponsabilidade orçamentária se farão sentir de imediato.
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