- Valor Econômico
Incerteza diminuiu com Temer, mas ainda está bem acima da média
Um dos temas que mais têm intrigado os analistas dedicados à economia brasileira é a lentidão que o país vem demonstrando para sair da pior recessão de sua história. Evidentemente, não se esperava recuperação vigorosa ou mesmo sustentável enquanto Dilma Rousseff estivesse no poder. Desde seu afastamento da presidência, há um ano, vários indicadores mostraram sensível melhora e há indícios de que a retomada começou no primeiro trimestre. Ainda assim, a recuperação parece lenta e um tanto vacilante.
Reeleita em 2014, quando a recessão já tinha começado, Dilma mudou, em 2015, a orientação da política que arruinou a economia, mas desistiu do caminho escolhido poucos meses depois, levando país a perder o selo de bom pagador (o grau de investimento) em setembro daquele ano. Quando decidiu alterar novamente a estratégia, prometendo fazer as reformas que seu sucessor vem tocando, já não tinha apoio da sua base de sustentação no Congresso - sim, ninguém se lembra, mas é verdade: a ex-presidente defendeu reforma da previdência e Nelson Barbosa, seu derradeiro ministro da Fazenda, quis criar um teto para os gastos públicos.
Dilma foi afastada da Presidência em maio do ano passado e teve o impeachment confirmado em agosto. Naquele período, o mercado, depois de anos de desalento, viveu uma espécie de euforia: a bolsa subiu de forma vigorosa; o real, que sofrera forte desvalorização nos últimos meses da gestão da petista, apreciou; e as taxas de juros de longo prazo, embora não no mesmo ritmo dos outros indicadores, começaram a cair.
Entusiasmados com a nova equipe econômica, os mais animados acreditaram que, já no terceiro trimestre de 2016, o PIB reagiria positivamente. Isso não ocorreu e a crença foi transferida para o último trimestre do ano. Mais uma vez, a expectativa se frustrou, apesar da safra de boas notícias desde então - a inflação recuou de forma significativa; os juros estão caminhando para um dígito, com grande chance de chegarem ao fim do ano no menor patamar, em termos reais, da história (o juro real de 2% de um breve período do governo Dilma não serve de parâmetro porque resultou de decisão política, sem correspondência com os fundamentos da economia e que por essa razão durou pouco); os termos de troca da economia (a relação entre preços de exportação e importação) voltaram a ficar favoráveis; o governo conseguiu aprovar a emenda constitucional que congela por dez anos a expansão, em termos reais, das despesas públicas etc.
O que, então, está dificultando a retomada? Para Luiz Guilherme Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), a explicação está no ainda elevado grau de incerteza da economia brasileira. É fato, demonstrado por vasta literatura econômica, que a incerteza afeta diretamente o crescimento ao reduzir investimentos, contratações, consumo e comércio.
As empresas ficam mais cautelosas em contratar e investir e os consumidores evitam os bens duráveis; há o aumento dos custos financeiros ou o efeito sobre os prêmios de risco; e, finalmente, ocorre uma redução mais generalizada do consumo, um efeito conhecido como 'poupança de precaução', explica Schymura, citando estudo de 2013 de Nicholas Bloom.
Os estudos também demonstram que, em períodos de recessão, a incerteza aumenta, ajudando a piorar o que já está ruim. Nos momentos de bonança, os agentes econômicos têm mais capacidade para coletar informações que ajudem a projetar o futuro. Um outro aspecto seria o de que, nesses momentos, os políticos têm menos disposição em "mexer em time que está ganhando" - bem, Dilma é uma exceção ao axioma, afinal, em 2011, decidiu destruir o modelo econômico que herdou de seu antecessor, jogando o país numa crise que já dura três anos.
Trabalhos acadêmicos constataram, ainda, que a incerteza é maior nos países em desenvolvimento, como o Brasil. A razão para isso seria a maior concentração existente no setor industrial, tornando choques específicos - como o do escândalo de corrupção da Petrobras - propagadores de crises em toda a economia. Um outro aspecto estaria relacionado ao fato de esses países serem mais suscetíveis a fatores voláteis, como preços de commodities e desastres naturais.
A incerteza diminuiu bastante quando se compara o momento atual com o pior momento do governo Dilma - setembro de 2015, mês em que a Standards & Poor's retirou o grau de investimento do país. Mesmo assim, o grau de dúvida ainda é elevado. O IIE-Br (Índice de Incerteza de Economia do Brasil), calculado pelo IBRE, estava, em março, em 122,7, bem acima da média histórica do índice (102,9), cuja apuração se iniciou em janeiro de 2000 - em setembro de 2015 chegou a 145,7.
Confirmando o que as pesquisas encontraram, o IIE-Br mostra grande volatilidade no Brasil. Schymura identifica quatro períodos desde 2000 em que a incerteza atingiu níveis elevados. O primeiro foi de meados de 2001 a dezembro de 2002, fase marcada pelos ataques terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos e pela conturbada eleição presidencial no Brasil. O segundo momento em que o IIE-Br deu um salto significativo foi em meados de setembro de 2008, quando o banco americano Lehman Brothers quebrou e estendeu aos mercados emergentes a crise financeira deflagrada pouco mais de um ano antes nas economias avançadas.
O terceiro período de grande incerteza no passado recente do país ocorreu entre meados de 2011 e 2012, quando o Banco Central deu o famoso "cavalo de pau" ao reduzir a taxa básica de juros (Selic) de forma surpreendente, no momento em que a inflação estava pressionada e as expectativas do mercado, fora de controle, e iniciou um ciclo de alívio monetário por pressão política da presidente da República. A última fase de grande incerteza se deu nos últimos três anos, com a recessão e a crise política.
"A elevada incerteza ainda remanescente pode ser um fator importante para explicar a dificuldade de retomada da economia brasileira, mesmo diante de um ciclo já bastante forte de queda da taxa básica, com expressivo impacto na curva de juros (mas não acompanhado no mesmo ritmo pelos spreads do crédito)", diz Schymura. "O efeito multiplicador de uma queda da taxa de juros nos investimentos e na propensão a consumir das famílias é menor quando é elevada a incerteza econômica."
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