Os 100 dias do governo de Donald Trump foram uma amostra em câmera rápida do que podem ser os próximos 1.300 em que, em tese, ele permanecerá na Casa Branca. O noviciado de Trump, que nunca se elegeu para nada nem tem experiência de governo, foi marcado por um início caótico esperado e por reviravoltas sob duros choques com a realidade do poder. Trump é o presidente que assumiu com a menor popularidade desde os anos 1940 e terminou 100 dias com ela ainda mais baixa. Ele pode ter desagradado à maioria dos americanos, mas não aos republicanos - 84% deles acham que o presidente está fazendo o que, como candidato, disse que faria.
Para um mandatário ruidoso, que dá curtos circuitos no próprio governo via twitters, é um pouco mais difícil separar a contínua propaganda de si mesmo de Trump daquilo que ele conseguiu de fato fazer. Na política doméstica, o ativismo das ordens executivas, o maior desde Franklin Roosevelt, dedicou-se basicamente a tentar desfazer tudo que o Obama colocou de pé. Na prática, houve avanço da retrógrada plataforma republicana sobre o ambiente e uma estrondosa derrota na tentativa de eliminar o Obamacare, a universalização obrigatória dos planos de saúde. O presidente não conseguiu acordo nem entre republicanos sobre o que pôr no lugar.
A política externa foi marcada por guinadas. Colocar a China como manipuladora do câmbio e a inimiga número um da produção e dos empregos americanos foi um dos pontos principais de campanha. Após encontro com Xi Jinping, Trump não falou mais no assunto. A promessa de acabar com o Nafta ainda está de pé, mas o presidente resolveu dar o benefício da dúvida e tentar renegociar suas bases antes, sem deixar de brigar com o México e dinamitar pontes com o Canadá, cujas exportações de madeira para os EUA foram postas sob investigação. Já o muro separando o país do México, se sair, não será este ano. Um acordo para impedir a paralisação das atividades do governo não alocou recursos no orçamento para sua construção.
Em assuntos prementes da segurança interna e externa, Trump também mudou de rumo. No caso da proibição de imigração de alguns países muçulmanos, foi derrotado pela Justiça. Sobre a Síria, onde prometeu não se envolver, ordenou um bombardeio a um aeroporto militar. Não mexeu no acordo com o Irã, que classificou de "horrível". Após criticar a Otan e exigir que os aliados pagassem mais pela proteção, Trump passou a elogiá-la com a mesma ligeireza com que antes a atacava: "Eu disse que ela era obsoleta. Não é mais obsoleta".
Ao atirar palavras ao vento, Trump pôs em maus lençóis sua equipe de governo, que tenta como pode torná-las palatáveis. Em cem dias surgiram disputas nos círculos da Casa Branca. Estão em alta Ivanka Trump e seu marido, Jared Kushner, e em baixa momentânea o estrategista chefe, Steve Bannon. Gary Cohn, ex- Goldman Sachs e chefe do Conselho de economistas da Presidência, é ironicamente chamado de "Globalista Gary" pela ala protecionista e xenófoba de Bannon e aliados.
Os próximos passos já desenhados vão na mesma batida. Um documento vazado antes de Trump mudar de posição na semana passada sobre o Nafta, bombardeava o acordo por haver causado "uma maciça transferência de riquezas" para fora dos EUA. Os acordos que não aumentem crescimento, empregos e saldo comercial dos EUA seriam revistos ou anulados. Essa é a posição de Bannon, do secretário de Comércio, Wilbur Ross, do representante da USTR, Robert Lightizer. Nesse ponto há constância de ações e propósitos. Trump colocou os EUA na exótica posição de se tornar a maior ameaça ao livre comércio mundial.
Enfastiado com a morosidade das coisas, Trump pôs o secretário do Tesouro em uma fria, ao antecipar de junho para terça-feira passada a reforma tributária que corta impostos de empresas (de 35% para 15%) e pessoas físicas (de 29% para 35%). Mnuchin apresentou um ridículo esboço de uma página, cujos pontos, porém, acenam com forte ganho para a minoria de altíssima renda, sem se preocupar com cortes. O jornal Financial Times qualificou-o de "reaganomics com esteróides". O déficit público aumentará US$ 2,4 trilhões em 10 anos. Sem ser republicano, Trump adota o pior da ortodoxia republicana.
Sobre sua estreia, Trump disse que imaginava que seria "mais fácil" exercer a Presidência. Nunca foi e sua personalidade pode tornar as coisas incrivelmente mais difíceis.
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