Os recentes episódios de extrema violência no campo voltaram a expor a crônica incapacidade do Estado brasileiro de promover a regularização fundiária do país.
Em Colniza, no noroeste de Mato Grosso, nove posseiros e trabalhadores agrícolas foram mortos a tiros e golpes de facão em 19 de abril; 11 dias depois, no interior do Maranhão, um ataque brutal a índios gamelas deixou mais de dez feridos, um deles com risco de perder as mãos.
Em comum nos dois casos, além de covardia e barbárie, evidencia-se a impotência —ou omissão— do poder público, a preceder ambos.
Num exemplo, órgãos agrários dos governos federal e estadual têm informações divergentes a respeito da propriedade da área em disputa no Mato Grosso, estimada em cerca de 47 mil hectares.
A polícia local, ademais, já tinha conhecimento de confrontos anteriores entre posseiros e grileiros na região, sem que providências tenham sido tomadas.
Em Viana (MA), o território reivindicado pela etnia gamela, de 14,5 mil hectares, está com o processo de demarcação —a cargo da depauperada Fundação Nacional do Índio (Funai)— paralisado ao menos desde 2014.
A tarefa de regularização fundiária é tão urgente quanto hercúlea, em particular na Amazônia –onde, de acordo com números oficiais, existem 160 mil posses aguardando confirmação legal. A demarcação de terras indígenas, igualmente, arrasta-se há décadas: são hoje cerca de 280 em andamento.
A morosidade não suscita apenas a violência. O próprio combate ao desmatamento ilegal se fragiliza, dado que se torna impraticável fiscalizar o cumprimento da legislação ambiental em áreas sob litígio ou ocupadas ilegalmente.
Relembre-se que, no período 2015-2016, foi registrado crescimento de 29% da área derrubada da floresta amazônica, a despeito da recessão que assolava o país.
É portanto preocupante que, diante de desafios tão complexos, o governo Michel Temer (PMDB) dê mostras de privilegiar interesses da bancada ruralista do Congresso, que, como mostrou esta Folha, domina a agenda do ministro da Justiça, Osmar Serraglio, ele próprio ligado ao agronegócio.
A pasta, à qual está vinculada a Funai, resiste com firmeza a novas demarcações; na área ambiental, o governo cogita rever unidades de conservação já instituídas.
Não se trata de desconhecer a importância e o direito à voz do setor agropecuário, mas ao governo também cabe zelar por estratos sociais que não dispõem de tantos votos no Congresso. Do contrário, correrá o risco de insuflar os conflitos, ao invés de amainá-los.
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