- Folha de S. Paulo
Assassinato elimina à força um canal de representação de parte da sociedade
A morte de Marielle Franco é um crime político porque mata a política no momento de maior desilusão dos brasileiros com seus representantes. Os assassinos decidiram tirá-la do caminho justamente porque ela demonstrava coragem para usar seu mandato no combate a abusos e injustiças.
Eleita vereadora pelo PSOL no Rio em 2016, Marielle ascendeu com uma agenda baseada nos direitos de mulheres e negros e contra a violência policial em favelas. Tinha um discurso firme e se identificava claramente como uma política de esquerda.
O vigor com que enfrentava esses temas e a covardia do crime de que foi vítima, porém, deveriam ser suficientes para aplacar qualquer divisão ideológica ou partidária nas reações a sua morte brutal.
É trágico que a superficialidade do debate político tenha tingido com uma única cor a defesa dos direitos humanos —a ponto de estimular comentários asquerosos que culpavam Marielle por sua própria morte, uma vez que a vereadora atuava contra a opressão policial.
A luta pelos direitos humanos na política é indispensável porque a população pobre e marginalizada, sozinha, não tem poder suficiente para se fazer ouvir e se defender. Marielle era uma voz eleita para essa batalha.
Seu assassinato é um crime contra a democracia porque elimina à força um canal de representação não apenas de uma parcela da sociedade, mas de todos. Ainda que alguns acreditem prescindir dos direitos humanos, estes são universais.
Marielle era, aos 38 anos, signo de uma transformação institucional porque sua plataforma, concorde-se ou não com ela, afastava-se de uma política cada vez mais autocentrada e desencorajadora.
Descobrir seus assassinos não será suficiente. É preciso que Marielle se transforme em um exemplo de representante que lutava com firmeza por aquilo em que acreditava, em vez de aceitar a perpetuação de injustiças. Calá-la é inaceitável.
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