Por Cristian Klein | Valor Econômico
RIO - O assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, do Psol, de 38 anos, negra, de origem humilde, feminista, defensora dos direitos humanos e responsável por denúncias de abuso de violência por policiais, chocou a sociedade brasileira, despertou manifestações por todo o país e reações internacionais, com repercussão até na Organização das Nações Unidas (ONU), que exigiu rapidez nas investigações.
O crime tenta confrontar a intervenção federal decretada há um mês pelo presidente Michel Temer na segurança pública do Rio. Quinta vereadora mais votada em 2016, Marielle foi executada com três tiros na cabeça quando voltava de carro para casa, na Tijuca. O motorista de Marielle, Anderson Gomes, também morreu, com quatro tiros nas costas.
A suspeita recai sobre policiais, segundo amigos, políticos e integrantes de movimentos sociais que lotaram na tarde de ontem a Câmara Municipal, onde os corpos foram velados. Manifestações de rua foram realizadas em dez capitais. Em São Paulo, os protestos tomaram a avenida Paulista. Políticos, empresários e ativistas sociais se juntaram em uníssono contra o ato bárbaro. "A sociedade não pode aceitar que em um país democrático, onde a gente fala tudo o que quer, uma morte [ocorra] porque alguém falou que a polícia invadiu", disse a empresária Luíza Trajano.
Assassinato de vereadora põe em xeque intervenção
O assassinato, quarta-feira à noite, da vereadora Marielle Franco, do Psol, de 38 anos, negra, de origem pobre, feminista, defensora dos direitos humanos e que denunciava abusos de violência policial, põe em xeque a intervenção federal decretada pelo presidente Michel Temer na área de segurança pública do Rio de Janeiro e que hoje completa um mês.
Diferentemente de outras operações militares menos abrangentes, como as missões de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) - que ao menos reduziam a sensação de insegurança no Estado - a intervenção não melhorou os indicadores de violência e, agora, passa a ser questionada pela pergunta que abre uma imensa agenda negativa para o Planalto: quem matou Marielle Franco?
O crime causou um choque e despertou ontem uma onda de manifestações no Brasil e no exterior. Quinta vereadora mais votada no Rio em 2016, Marielle foi morta quando voltava de carro para casa e levou quatro tiros na cabeça. Os disparos foram efetuados de dentro de um veículo Cobalt prata que emparelhou com o automóvel da vereadora, no Estácio, região central do Rio. O motorista de Marielle, Anderson Gomes, de 39 anos, também foi morto, com três tiros nas costas. Uma assessora de imprensa da vereadora - cujo nome, por segurança, não foi revelado - escapou com ferimentos provocados por estilhaços. A perícia encontrou nove cápsulas no local e a principal linha de investigação é de que tenha sido uma execução. Os criminosos fugiram sem levar nada.
O interventor federal na segurança pública no Rio, general Braga Netto, divulgou um curto comunicado. Afirmou repudiar ações criminosas como a que culminou nas mortes de Marielle e Anderson e informou que está acompanhando o caso, em contato permanente com a secretaria estadual de Segurança do Rio.
Os principais suspeitos - de acordo com amigos, políticos e movimentos sociais que lotaram ontem à tarde a Cinelândia, onde os corpos foram velados na Câmara Municipal - seriam policiais. No sábado, a vereadora publicou um post em sua conta na rede social do Twitter no qual denunciava ações truculentas que haviam ocorrido na favela de Acari e classificou o 41º Batalhão da Polícia Militar (BPM) de "Batalhão da morte". "O que está acontecendo agora em Acari é um absurdo! E acontece desde sempre! O 41º batalhão da PM é conhecido como Batalhão da morte. CHEGA de esculachar a população! CHEGA de matarem nossos jovens", escreveu.
Na terça-feira, um dia antes de ser assassinada, Marielle publicou outra mensagem no Twitter em que culpava a polícia pela morte, na véspera, de um jovem de 23 anos na favela do Jacarezinho. "Mais um homicídio de um jovem que pode estar entrando para a conta da PM. Matheus Melo estava saindo da igreja. Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?", postou.
Durante a manifestação e homenagem a Marielle em frente à Câmara Municipal, um coro de cerca de 500 pessoas entoou, por diversos momentos, o canto com as palavras de ordem: "Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da Polícia Militar". Não havia um único PM nas imediações da Cinelândia.
Marielle era relatora de uma comissão criada na Câmara dos Vereadores para acompanhar a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Também integrava o Observatório da Intervenção, lançado na terça-feira da semana passada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Candido Mendes.
Líderes de movimentos negros e feministas gritavam como um mantra o nome da vereadora e eram respondidos, em uníssono: "Presente!". O termo "Marielle, Presente" chegou a ocupar o segundo lugar nas menções em escala global no Twitter. No Brasil, a hashtag ficou em primeiro lugar, seguida pelo termo "NãoFoiAssalto", também em referência aos assassinatos.
O clima em frente à Câmara era de comoção. Pessoas choravam sozinhas, abraçadas ou sentadas no meio fio, com olhar distante, parecendo não acreditar na morte da vereadora de primeiro mandato. Marielle Franco foi eleita com 46.502 votos, pelo ativismo social e na esteira de uma campanha a prefeito do deputado estadual Marcelo Freixo (Psol), em 2016, que mobilizou muitos jovens e movimentos identitários.
Era uma liderança promissora, que acabou amealhando votos muito além da sua área de atuação, o Complexo da Maré, por meio de um boca a boca que chegou a áreas mais ricas, como a Zona Sul. Foi no Pré-Vestibular Comunitário da Maré, parte da rede criada por Frei David, que Marielle Franco desenvolveu seu ativismo social antes de entrar e se graduar em ciências sociais pela PUC-Rio. Mais tarde, tornou-se mestre em administração pública pela UFF. Foi mãe aos 19 anos e atuou por dez anos ao lado de Freixo.
Nas eleições deste ano, estava cotada para ser vice na chapa a governador a ser encabeçada pelo também vereador do Psol, Tarcísio Motta, que ficou em quinto lugar ao cargo, com quase 9%, em 2014.
A indignação com a sua morte se alastrou como uma onda de protestos e homenagens, até fora do país. À noite, além de ter migrado para as escadarias da Assembleia Legislativa do Rio, as manifestações de repúdio se espalhavam por várias capitais e cidades brasileiras. Na capital paulista, o ato começou no fim da tarde no Museu de Arte de São Paulo (Masp) e interditou a Avenida Paulista. Outros foram convocados em Salvador, Recife, Porto Alegre, Belém, Florianópolis, Natal e Curitiba. Houve homenagem até em Nova York, onde um grupo se reuniu na Union Square.
Mais cedo, em Brasília, deputados e ativistas fizeram uma sessão solene na Câmara dos Deputados, onde Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Casa, foi vaiado. Maia autorizou a criação de uma comissão para acompanhar a investigação do assassinato.
Para o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), o crime vai gerar uma "pressão total" sobre os responsáveis pela intervenção federal. "Ninguém mais vai ter autoridade moral para falar qualquer coisa. A pressão agora é total sobre a área de segurança pública, e sobre o interventor, para que o caso seja solucionado", disse.
Silvia Ramos, coordenadora do Observatório da Intervenção, do qual Marielle participava, afirmou que o assassinato tem todas as características de uma execução política e que pode representar a entrada num novo patamar, num processo de mexicanização ou semelhante ao da Colômbia. Silvia marca diferença em relação ao caso da juíza Patricia Acioli, morta em 2011 por policiais que julgava. "Marielle, que nem estava sofrendo ameaças, apenas estava exercendo o seu mandato político. É muito preocupante. É um desafio não só para nós da sociedade civil, mas também para a intervenção. Não vamos naturalizar esse crime. Assim como já naturalizamos os tiroteios e as mortes em favelas", disse.
Assassinato provoca comoção pelo país e repercussão internacional
Da empresária Luiza Trajano ao presidente Michel Temer, da ONU aos ministros do Supremo Tribunal Federal, do vereador Jean Wyllis ao governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), o assassinato da vereadora no Rio de Janeiro e ativista pelos direitos humanos, Marielle Franco teve grande ressonância. Manifestações foram realizadas no Rio e em outras dez capitais.
Em São Paulo, milhares de manifestantes, grande parte ligada a movimentos sociais e políticos, ocuparam no início da noite de ontem duas pistas da Avenida Paulista em protesto contra a morte da vereadora. O ato foi encabeçado por militantes do Psol de São Paulo, partido a que pertencia Marielle. Muitos choravam chorando pela morte da companheira de legenda. Bandeiras do partido se misturavam a cartazes de coletivos feministas e do movimento negro.
A Anistia Internacional afirmou que, como integrante da Comissão Estadual de Direitos Humanos do Rio de Janeiro, a vereadora trabalhou incansavelmente para defender os direitos das mulheres negras e jovens nas favelas. "O que aconteceu é um fato assustador e é mais um exemplo dos perigos que os defensores e defensoras dos direitos humanos enfrentam no Brasil", afirmou Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, em nota.
A Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil disse que Marielle era "um dos marcos da renovação da participação política das mulheres". A ONU aponta a vereadora como uma das principais vozes em defesa dos direitos humanos na cidade e pediu investigação minuciosa. O crime foi repudiado também pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Durante sua participação no Fórum Econômico Mundial em São Paulo ontem, a empresária Luiza Trajano cobrou que o assassinato seja investigado e os responsáveis sejam punidos. "A sociedade não pode aceitar que em um país democrático, onde a gente fala tudo o que quer, uma morte porque alguém falou que a polícia invadiu. Não estou falando que é a polícia [a responsável pelo crime], não quero julgar. Mas tem que descobrir quem fez isso".
No mesmo fórum, o governador Geraldo Alckmin classificou o assassinato de "covarde" e pediu " investigação rigorosa e punição exemplar". O presidente Michel Temer pediu um minuto de silêncio para a vereadora em solenidade da regulamentação do Estatuto da Juventude. Pelas redes sociais, Temer disse que "o crime não ficará impune". "Lamento esse ato de extrema covardia", disse.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), autorizou ontem a criação de uma comissão externa para acompanhar as investigações. Maia presidiu a sessão solene em homenagem à vereadora e foi hostilizado com gritos de "golpista" e "fora, Maia". "Quem pediu a audiência foi o Psol e nós atendemos na hora. A crítica é democrática. A Câmara é a casa do povo, para a gente ouvir críticas ou elogio", afirmou Maia.
O deputado Jean Wyllys (Psol-RJ) pediu, durante a sessão, que a comissão fosse criada, atendendo a uma demanda do Psol, PCdoB e PT. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse que estuda solicitar a federalização da investigação do crime, situação em que o inquérito passaria a ser conduzido pela Polícia Federal.
No Supremo Tribunal Federal o crime provocou reações. "Marielle foi vítima da mais cruel e covarde forma de discriminação, que é a eliminação física", afirmou o ministro Alexandre de Moraes. "Têm faltado palavras para descrever o que está acontecendo no Rio de Janeiro", disse Luís Roberto Barroso.
Afastado da condução da segurança pública, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (MDB), disse em nota que acompanha " com as forças federais e integradas de Segurança, a apuração dos fatos". O prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB) decretou luto e batizou uma escola na Zona Oeste com o nome da vereadora.
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