- Folha de S. Paulo
Homicídio político a mando do crime institucionalizado é nova fase do horror: Colômbia e México
O país se acostumou às mortes por encomenda de militantes de direitos humanos, ambientalistas e líderes de trabalhadores rurais, dezenas por ano. Talvez sejam mais de centena, pois as estatísticas são imprecisas e por vezes se cruzam.
Nas Amazônias e em sertões do centro-norte, notícias do morticínio faz algum tempo aparecem e somem como aqueles relatórios de desmatamento, rotina integrada à paisagem deserta também de civilização.
Não há como saber se Marielle Franco foi levada por uma torrente nova de horror, um agora também rotineiro trucidamento de militantes de direitos humanos da cidade grande. Mas de qualquer modo terá sido levada em uma confluência de barbáries.
A vereadora do PSOL era feminista, defensora de direitos de negros, de favelados, da vida. É muito plausível que por isso tenha sido emboscada e morta. Mas a jovem política foi vítima também da institucionalização do crime ou do crime que toma as instituições.
Sua morte bem pode ter sido encomendada por milícias, essa mistura de máfias com esquadrões da morte, de caráter paramilitar, integradas também por ex-policiais. Milícias e facções são o crime institucionalizado.
Pode ter sido vítima de funcionários criminosos do Estado, policiais que criticava, por exemplo, mas não só. Como tantos outros milhares de pessoas, no mínimo foi massacrada na selva de ruínas plantada pelas gangues do MDB que saquearam o Rio, mas não só.
Demos de barato a institucionalização do crime, que domina partes do sistema de segurança e de presídios, ocupa cadeiras de vereadores e mesmo prefeituras, em São Paulo inclusive. As chacinas em presídios são uma prova soberana do crime institucionalizado, mais que organizado.
Os assassinatos na campanha eleitoral de 2016 na Baixada Fluminense são prova escandalosa da invasão do Estado pelo crime dito comum. Em geral, não se tratava de ataques de milícias a candidatos e políticos, mas milicianos políticos ou candidatos que eram assassinados em disputas de negócios. Mas houve também vendeta política ou líderes comunitários mortos por incomodarem o tráfico.
Até por haver indícios, é difícil de acreditar que representantes do crime institucional não tenham chegado a postos mais altos nos três Poderes. Depois de dominarem territórios e corromperem ou cooptarem parte das polícias, começam a ocupar partes do comando do Estado; contam com tropas e terroristas.
Seja a mando do Estado do crime ou do crime no Estado, é possível que a bandidagem soberana tenha começado uma campanha contra militantes da resistência, como Marielle. Em outra chave, policiais e funcionários decentes do Estado já eram centenas de baixas nesta guerra, convém não esquecer.
Os assassinatos de militantes de direitos nas cidades maiores do centro-sul parecem mais raros, embora possam estar perdidos entre os números de “crimes comuns”, sem solução ou nem investigados.
De qualquer modo, aparecem as primeiras evidências de que o morticínio político do campo tem lugar na cidade, desaguando na torrente de terror que extermina as dezenas de milhares de vítimas “civis” desta guerra, como o mecânico e motorista Anderson Gomes, 39, que se foi com Marielle.
Já vimos isso antes: Colômbia e México.
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