- Vandson Lima, com Folhapress | Valor Econômico
SÃO PAULO - Questionado sobre qual o principal obstáculo para o pleno desenvolvimento do Brasil, Hélio Jaguaribe não titubeou na resposta, fruto de um longo percurso intelectual iniciado na década de 1940, quando cursou a faculdade de direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). "É a necessidade de reduzir o intervalo excessivo entre o topo e a base da sociedade brasileira. O que dá homogeneidade às sociedades, consistência, resistência a desafios externos é o fato de que todos se sentem sócios do mesmo país, o que ainda não atingiu a grande massa", avaliou, em entrevista para a série "Decanos Brasileiros - Dez Visões Sobre a Democracia no País", para o portal do jornal "O Estado de S. Paulo", em 2013.
Um dos expoentes do pensamento brasileiro ao longo da segunda metade do século XX, o sociólogo e cientista político Hélio Jaguaribe de Mattos morreu anteontem, no Rio, aos 95 anos, em sua casa, em Copacabana, vítima de falência múltipla dos órgãos. Imortal da ABL (Academia Brasileira de Letras), seu velório será amanhã, a partir das 10h, na sala dos poetas românticos, na sede da instituição. O sepultamento acontece no mesmo dia, às 15h, no cemitério São João Batista, em Botafogo, no Rio.
Carioca nascido em 1923, formou-se em direito em 1946, mas não foi como advogado que se notabilizou. Por quase seis décadas dedicou-se a estudos sobre a sociedade brasileira, relações internacionais, história, economia e filosofia. A partir de 1952, juntou-se a jovens intelectuais do Rio e de São Paulo, que se reuniam periodicamente no parque do Itatiaia. No ano seguinte, a iniciativa deu origem ao Ibesp (Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política).
Com influência crescente, o Ibesp recebeu apoio do presidente Café Filho e, em 1955, deu origem ao Iseb, responsável por elaborar a teoria do nacional-desenvolvimentismo. Além de ícone do engajamento dos intelectuais na vida pública, o instituto exerceu forte influência sobre o governo Juscelino Kubitschek.
Em 1958, Jaguaribe lançou um de seus livros de maior repercussão, "O Nacionalismo na Atualidade Brasileira". Divergências com os rumos tomados pelo Iseb levaram Jaguaribe à saída do instituto, em 1959, quando retomou a administração da empresa da família, a Companhia de Ferro e Aço de Vitória (ES).
Costumava dizer que o Brasil é um "país visceralmente democrático". Jaguaribe deixou o país em 1964, depois de ter condenado a derrubada de João Goulart, indo lecionar sociologia nos Estados Unidos. De 1964 a 1966 foi professor na Universidade de Harvard; de 1966 a 1967, na Universidade de Stanford; e de 1968 a 1969, no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Retornou ao Brasil em 1969.
Para o pensador, em que pesem os problemas de ordem institucional e democrática, o período em que Getúlio Vargas comandou o Brasil foi o maior êxito da trajetória política do país: "Foi uma mistura de nacionalismo inteligente, civilizado e grande esforço de desenvolvimento econômico e social".
Em 1988, foi um dos fundadores do PSDB, passando a conciliar os afazeres acadêmicos com as atividades partidárias. A partir de abril de 1992, Jaguaribe foi secretário de Governo (atualmente ministério) de Ciência e Tecnologia do governo Fernando Collor de Mello, deixando o cargo quando foi aprovado o impeachment do presidente, em 29 de setembro, para dedicar-se exclusivamente à vida acadêmica.
Em 1994 iniciou a execução de um amplo projeto de pesquisa, "A Critical Study of History", concluído em agosto de 1999. A versão em português desse estudo, sob o título "Um Estudo Crítico da História", foi publicada em maio de 2001, em dois volumes, pela Editora Paz e Terra, de São Paulo. Decano do Instituto de Estudos Políticos e Sociais desde 1979, exerceu a função até 2003.
Como autor único ou como colaborador, ele assinou mais de 40 livros, uma obra que o levou à Academia Brasileira de Letras, para a qual foi eleito em 2005, para ocupar a cadeira nº 11 da Academia Brasileira de Letras, na sucessão de Celso Furtado. Está em cartaz em São Paulo o documentário "Tudo É Irrelevante", sobre a trajetória intelectual do sociólogo carioca. Dirigido por Izabel Jaguaribe, uma de suas filhas, e Ernesto Baldan, o filme reúne depoimentos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do filósofo e diplomata Sérgio Paulo Rouanet, do poeta Antonio Cícero, entre dezenas de outros.
Jaguaribe deixa a mulher, Maria Lucia Charnaux, e cinco filhos, um deles o embaixador Roberto Jaguaribe, que desde 2016 é presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).
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