- Revista Época
Eduardo Paes teve de manter relações com Sérgio Cabral, com governos petistas. Mas isso não o arranha.
Para quem não sabe ou não suspeitava, sou carioca. O Rio de Janeiro em que eu cresci é uma cidade cheia de problemas, mas alegre. O Rio de Janeiro em que eu cresci é um estado cheio de desafios, mas irreverente. Carrega o humor na manga da camisa, sempre pronto para sacá-lo, ainda que possa ser mal compreendido, mal interpretado. Pensem em Maricá.
Não votei em Eduardo Paes para prefeito. Na época, escolhi Fernando Gabeira, a quem muito admirava. Depois que Paes foi eleito prefeito, passei a admirá-lo também. Não porque, com a ajuda de Lula, trouxera a Olímpiada ao Rio, mas porque selecionara para sua equipe de gestores pessoas de altíssima qualidade técnica. Foi duríssimamente criticado por seu projeto de derrubar a Perimetral na época, para o deleite de quem hoje passa por ali e vê o mar, a beleza de um Rio que não consegue ser afundada nem mesmo na lama de um juiz cujo nome poucos sabem pronunciar, de um prefeito que poucos admiram, passados quase dois anos de sua eleição.
Lembro-me bem de uma ocasião muito particular. Alguns meses antes da Olímpiada de 2016, escrevi uma coluna para o jornal O Estado de S. Paulo em que descrevia os estudos existentes sobre cidades que haviam sediado grandes eventos esportivos. As conclusões eram pouco animadoras: as evidências de excesso de gastos e obras malfeitas ou mal-acabadas em outras cidades de outros países sugeriam que a Olímpiada nada deixaria para o Rio de Janeiro como legado ou, se deixasse algo, seria pouco ante os custos para os cofres públicos. Passadas 24 horas da publicação de meu artigo, eis minha surpresa quando recebi um e-mail de Eduardo Paes, o prefeito.
Tratava-se de um gesto gentil fazendo-me saber da carta que publicaria no dia seguinte no mesmo O Estado de S. Paulo contrapondo os argumentos que eu havia apresentado. Mas não foi só isso. Eduardo Paes, o próprio, não nas mãos de um assessor ou assistente, colocou-se a minha disposição para responder a perguntas e fornecer-me dados sobre as obras e demais atividades relativas aos Jogos Olímpicos de 2016. Sua carta contrapondo meu artigo foi publicada no jornal. E todas as indagações que dirigi às pessoas altamente qualificadas que então trabalhavam para a prefeitura do Rio foram respondidas.
Jamais esqueci esse gesto do ex-prefeito do Rio de Janeiro. Confrontado, não fez o que tantos fariam hoje: ignorar, ou, pior, desqualificar e difamar o interlocutor — no caso, a interlocutora. Pelo contrário, Eduardo Paes aceitou as críticas de modo profissional e a elas respondeu. Foi além. Fez questão de deixar-me a par do que publicaria e de fornecer qualquer informação adicional da qual eu porventura precisasse. O gesto, a aceitação de uma visão contraditória, a disposição para o debate de ideias mudaram minha opinião sobre o prefeito da cidade onde nasci.
Bem sabemos que, na política, às vezes as associações indigestas são inevitáveis. Atitudes como a que teve comigo, pessoa que nem sequer conhecia e que não precisava se dar ao trabalho de responder, são as que marcam e identificam a liderança que ele pode ser para o desalentado estado da Guanabara, boca que está inequivocamente banguela.
Witzel, nem sei quem é. Para mim surgiu das cinzas, e para as cinzas do obscurantismo espero que volte depois do dia 28 de outubro. Será triste para o Rio de Janeiro, tão bonito e tão castigado, se assim não for. Paes, por outro lado, mostra nesse gesto muito pessoal aquilo de que o Brasil, e o Rio, em particular, realmente precisam: leveza, algum humor, a vontade de entender o pensamento e de debater com quem pensa diferente de você. Sem ofensas, sem agressões. Com muito respeito e humildade.
Acabei conhecendo Eduardo Paes pessoalmente aqui em Washington, onde moro, onde ele morou por uns tempos bem depois de ter saído do governo. Minha impressão foi reforçada: sujeito alegre, a cara do Rio, com a irreverência do Rio, mas comprometido em fazer uma reviravolta no estado, assim como fizera no município quando prefeito. É por tudo isso que espero que a sensatez prevaleça no domingo.
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