- O Globo
Votar nulo, branco ou não comparecer indiretamente beneficia o candidato vencedor
Na história recente da democracia brasileira o comparecimento às urnas no segundo turno sempre foi inferior ao primeiro turno. Nas disputas presidenciais de 2002, 2006, 2010 e 2014 o comparecimento foi, em média, 3% menor no segundo turno em relação ao primeiro turno. Já o número de votos válidos, aquele dado em um dos dois candidatos que disputam o segundo turno, foi praticamente o mesmo. Ou seja, embora menos brasileiros compareçam às urnas, o mesmo montante que escolheu um candidato no primeiro turno escolhe no segundo turno.
Nos últimos dias muitos eleitores têm se manifestado publicamente, em artigos assinados de jornais e em seus perfis de redes sociais, para defender seu direito de não votar em nenhum dos dois postulantes ao Palácio do Planalto no pleito do próximo domingo. Votar em branco, nulo ou sequer sair de casa para votar seria a opção. São professores universitários, profissionais liberais, funcionários públicos. Pessoas com diferentes vieses políticos e que entendem que Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad não sejam uma opção.
O argumento mais comum entre os eleitores desse grupo é que escolher entre um candidato que faz publicamente um discurso autoritário, de desrespeito às minorias, e incentiva o ódio e a violência contra a oposição política de um candidato de um partido envolvido em escândalos de corrupção, que adotou política econômica equivocada e critica as decisões da justiça, o melhor é não escolher.
Esses eleitores precisam saber que não votar em um dos dois concorrentes não significa não interferir no resultado da eleição. O não voto (seja ele branco, nulo ou a abstenção eleitoral) indiretamente beneficia o candidato vencedor.
No contexto atual, em que tudo indica que Jair Bolsonaro sairá vencedor das urnas no próximo domingo, acaba por avalizar as pautas do ex-capitão, que incluem menor rigor nos licenciamentos ambientais, criminalização da oposição, criminalização de movimentos sociais e dos ativismos, e o entendimento que políticas de combate ao preconceito são “privilégios”, ou nas palavras do candidato, coitadismo.
A opção por não votar acaba por endossar a afirmação do candidato que o ideal seria voltar 40, 50 anos, portanto entre 1968 e 1978, no auge da ditadura militar. Segundo dados apresentados pelo coletivo #BrasilEmDados, embora hoje tudo possa parecer estar errado, muita coisa mudou desde a redemocratização. Voltar 40, 50 anos no tempo significa, por exemplo, voltar a uma realidade em que menos de 60% dos lares brasileiros tinham acesso à água potável, em que mais de 30% dos residentes do Nordeste brasileiro viviam em condições de extrema pobreza, em que a população brasileira com 14 anos ou mais frequentava a escola, em média, por 4 anos.
Tendo este horizonte adiante, aqueles que defendem as liberdades individuais e entendem que avanços sociais são necessários para que o Brasil seja um país melhor e mais justo, que é preciso combater a desigualdade e prezam pelo direito à livre manifestação política, sobretudo pelo direito de se opor ao governo de ocasião, devem estar cientes de que o não voto não é uma opção, ou pelo menos, não deveria ser. A se enveredar por esse caminho, o não-voto pode se tornar a única realidade possível para todos os eleitores em um futuro não muito longe.
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*Lara Mesquita é doutora em ciência política pelo IESP/UERJ e pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público – CEPESP/FGV
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