Um debate histriônico nas redes sociais lança uma cortina de fumaça a respeito de ideologias, enquanto que na prática os ministros apontados como exóticos do governo Bolsonaro tem agido com coerência para piorar o que já existe, em especial nas questões ambientais. Polêmicas, essas ações não angariam mais apoio à fundamental reforma da previdência, em tese a prioridade do novo governo.
Ontem, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, anunciou em um encontro com as grandes multinacionais da área no Canadá, que o Brasil pretende permitir atividades de mineração nas áreas indígenas e em zonas de fronteira. Já durante a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro prometeu não demarcar mais terras para os índios, enquanto defendia que eles pudessem arrendar suas terras para a iniciativa privada. Eleito, Bolsonaro pensou primeiro em fundir os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura. Alguém deve tê-lo convencido de que era ruim para o prestígio do governo e desnecessário para os fins que pretendia. Controles relacionados ao cadastro rural, essenciais para o controle ambiental, foram transferidos para a Agricultura, que, em poder dos ruralistas, passou a ter poder de decisão sobre o assunto. A ministra Damares Alves, em uma pasta de ajuntamentos, ficou com a Funai, direitos humanos e adjacências.
Ricardo Salles, ministro do Ambiente, tem agido com presteza para desmontar a estrutura de vigilância ambiental. Ex-secretário particular do tucano Geraldo Alckmin, ele que criar por decreto uma comissão de conciliação que decidirá sobre a validade, recursos, destino e montantes das multas ambientais. Para tanto, vai nomear dois secretários concursados para avaliar milhares de multas aplicadas pelas 27 regionais do Ibama em território nacional - em 2018, foram 14,5 mil processos (Folha de S. Paulo, 26 de fevereiro). Um outro objetivo é proibir a conversão indireta de multas, modalidade que, com a participação de organizações não governamentais e entidades públicas, permitiu arrecadar R$ 1,1 bilhão para a recomposição florestal da bacia do São Francisco, mais do que os recursos oficiais destinaram a esse fim desde o início do projeto de revitalização do rio.
Há objetivos claros, e errados, nessas medidas. Um deles é pôr fim à "indústria das multas" que penalizaria o produtor rural, como apontado pelo presidente. Ainda que haja exageros na fiscalização, uma ínfima parcela (5%) dos R$ 3 bilhões das multas lavradas pelo Ibama é paga, como ocorre com as demais penalidades aplicadas aos grandes produtores. Em blog, o ministro Ricardo Salles insinuou que 40% dos recursos das multas acabam nas mãos das ONGs, cujo poder o governo quer coibir. Não se sabe, além disso, se as multas se propagarão como até agora. Salles exonerou 21 dos 27 superintendentes do Ibama. Em entrevista a "O Globo" o ministro falou que os ocupantes do cargo devem estar alinhados ao governo.
O governo de Jair Bolsonaro age como se tivesse ampla maioria no Congresso e busca uma agenda divisiva que pode levá-lo à ruína. A menor das preocupações de um ministro da Educação, em uma área devastada como essa, deveria ser a do dever cívico de entoar o Hino Nacional, muito menos a de abastecer Brasília com vídeos a respeito e, pior ainda, incluindo slogans da campanha de Bolsonaro. Mais uma vez, o ministro Ricardo Rodríguez recuou, o que não significa que agora se preocupará com os verdadeiros e enormes problemas da pasta. Já Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores, prossegue em sua tarefa de destruir o Itamaraty, enquanto que nos assuntos graves imediatos o vice-presidente Hamilton Mourão se encarregou de tutelar seu amadorismo e extremismo ideológico.
A sucessão de atos da ala "ideológica" do governo não tem merecido reparos em público do presidente, que já foi alvo de advertências do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, sobre a inconveniência de buscar conflitos em um momento em que a agenda principal, a reforma da previdência, chegou ao Congresso. O próprio Bolsonaro desautorizou o ministro da Economia ao mencionar os pontos que podem ser barganhados no projeto enviado, antes mesmo de ele começar a ser discutido.
Pesquisa Datafolha feita após a vitória de Bolsonaro registrou que ele tinha forte apoio contra a agenda petista, mas que esse apoio não era sequer majoritário na agenda de costumes que o governo agora persegue. Sem maioria segura no Congresso, e com uma coordenação política claudicante, Bolsonaro e seus ministros arruínam as bases com que poderiam governar. A seguir nessa trilha, e nada ainda indica o contrário, não vão longe.
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