quarta-feira, 6 de março de 2019

Vera Magalhães: Bolsonaro e os pobres

- O Estado de S.Paulo

A parcela da esquerda que não está presa à armadilha autoimposta de passar os dias bradando “Lula Livre” nas redes sociais e defendendo a ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela vai, aos poucos, detectando um flanco para enfrentar o governo de Jair Bolsonaro: a falta de projetos voltados aos mais pobres. O caminho, diga-se, foi mostrado pelo próprio presidente e seu entorno.

O discurso altamente ideologizado de Bolsonaro tem feito com que categorias como professores, ambientalistas, sindicalistas, ativistas de organizações não governamentais e artistas sejam automaticamente associados ao PT e estigmatizados – quando não xingados de larápios de dinheiro público, canalhas e outros adjetivos – por aliados do presidente, ministros e quando não pelo próprio. O exemplo mais recente foi o entrevero entre Bolsonaro e artistas no carnaval. Na visita de Juan Guaidó a Brasília, Bolsonaro brincou que a esquerda gosta tanto de pobres que acaba por “multiplicá-los”. Mas o que o governo propõe para reduzir a pobreza?

Por ora não se sabe. A agenda liberal do governo tem levado a mudanças como as referentes ao Benefício de Prestação Continuada e à aposentadoria rural na reforma da Previdência, à redução de repasses para as faixas mais populares do Minha Casa Minha Vida e à suspensão da reforma agrária.

Já há setores do governo preocupados com essa balança social desequilibrada. O próprio presidente deu mostras de que pode não bancar a proposta de “focalização” do BPC defendida pela equipe econômica, justamente pelo peso do programa junto aos mais pobres, principalmente nos Estados do Nordeste.

Na campanha eleitoral, Bolsonaro tinha feito uma inflexão em seu discurso histórico contra o Bolsa Família (sempre associado por ele à compra de votos pelo PT) ao dizer que iria manter e ampliar o programa, instituindo inclusive um 13.º para os beneficiários. Parecia entender que, para ampliar sua base social, precisaria falar aos mais necessitados da pirâmide social. Os primeiros meses não trouxeram um conjunto de iniciativas voltadas a esse público, e a oposição, que mostrou na eleição que não tem um projeto que fale ao conjunto da sociedade, percebe a lacuna e começa a se reorganizar para atuar nela.

CINZAS
Articulação da reforma em marcha lenta pós-carnaval

A equipe da Secretaria Especial da Previdência só retoma na quinta-feira a mobilização em prol da reforma. Deputados só retornam em massa a Brasília a partir da semana que vem, e os dias pós-folia serão usados para coordenar o discurso. A pausa carnavalesca foi comemorada por articuladores do governo, que avaliam que será benéfica para mitigar o efeito das declarações de Bolsonaro na semana passada, quando admitiu graciosamente negociar aspectos do texto. “Vamos voltar com a defesa do texto que foi enviado”, me disse ontem um dos negociadores da reforma. As atenções estarão voltadas para a composição da Comissão de Constituição e Justiça e da Comissão Especial que analisará o mérito da proposta. O nome do jovem Fernando Franceschini (PSL-PR) para presidir a CCJ foi recebido com ceticismo na área técnica do governo, que prefere a deputada Bia Kicis (PSL-DF), considerada mais firme e mais madura para uma comandar a principal comissão da Câmara.

FOLIA 1
Ecos do carnaval deveriam ser alerta para o Planalto

Quando começaram os primeiros panelaços contra Dilma Rousseff, em 2015, a primeira reação do PT foi ironizar os “ricos” que usavam suas Le Creuset nas varandas gourmet das grandes cidades para fustigar a presidente. Como se viu, foi um tremendo erro de avaliação minimizar a insatisfação. Os gritos contra o presidente deveriam servir de alerta ao Planalto para o pulso das ruas, que bate em compasso diferente daquele ambiente controlado e artificial das redes sociais a favor.

FOLIA 2
Doria defende para Witzel privatização de sambódromos

João Doria aproveitou a visita ao Carnaval do Rio para articular com o colega Wilson Witzel o apoio dos dois Estados à reforma da Previdência. De brinde, o governador paulista teceu loas diante do colega fluminense ao projeto de privatização do sambódromo paulista, o que levou Witzel a dizer que a concessão da Sapucaí à iniciativa privada pode também ser um bom caminho para o endividado governo do Rio.

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