Combater
a Covid-19 e defender o SUS são iniciativas dos que têm empatia
Saúde
é prioridade dos brasileiros. Era antes da pandemia da Covid-19, continua
sendo. Não foi por acaso que o natimorto Decreto 10.530/2020, em que o
presidente da República autorizava o Ministério da Economia a elaborar estudos
e montar projetos-pilotos para construção, modernização e operação pelo setor
privado de Unidades Básicas de Saúde, foi recordista em repercussão negativa
desde janeiro de 2019. A consultoria Arquimedes identificou uma avalanche
virtual em defesa do Sistema Único de Saúde, o SUS, materializada em 98,5% de
menções desfavoráveis ao ato de Jair Bolsonaro — praticamente o mesmo
percentual de mulheres negras (98%) que, em 2016, votaram na democrata Hillary
Clinton contra o republicano Donald Trump. Rejeição maiúscula à canetada.
A
tragédia do novo coronavírus, que já tirou a vida de mais de 159 mil
brasileiros e mudou para sempre a história do planeta, escancarou realidade há
muito denunciada pela população e ignorada pelas autoridades. Pesquisas de
2006, 2010, 2014 e 2018, sem exceção, apontaram a área como primeira na lista
de problemas apontados pelos eleitores brasileiros. Seis anos atrás, encabeçou
o rol de mazelas em todas as regiões do país e também na faixa etária de 60
anos ou mais, hoje principal grupo de risco da Covid-19. No pleito que tornou
Bolsonaro presidente, há um par de anos, saúde empatou com segurança pública no
topo do ranking.
Na
curta corrida municipal de 2020, com primeiro turno em 15 de novembro, o Ibope
investigou prioridades dos eleitores em 17 capitais. Elencou 20 assuntos, entre
os quais segurança, transporte público, trânsito, trabalho e renda, habitação,
limpeza urbana, calçamento, esporte, cultura, lazer, corrupção. Somente uma
cidade, Vitória (ES), não indicou saúde como principal problema. Lá, o setor
teve 45% de citações, atrás de segurança pública (61%). Nas demais, citações
robustas pelo eleitorado: Goiânia (77%), Salvador (70%), Porto Alegre (67%),
Belém (65%), Natal e Palmas (64%), São Paulo (63%), Belo Horizonte (62%),
Fortaleza e João Pessoa (61%), Curitiba (58%), Teresina (53%), Recife (52%),
Florianópolis (44%), Maceió (41%).
No
Rio de Janeiro — dos 12 mil mortos pela pandemia, das organizações sociais
envolvidas em escândalos de corrupção, do Hospital Federal de Bonsucesso, o
maior do estado, interditado por um incêndio previsível —, três em cada quatro
eleitores (74%) citaram saúde como o principal problema. Não foi à toa que
candidatos ao Palácio da Cidade correram às redes sociais para defender o SUS
na quarta-feira desastrosa para o Palácio do Planalto. Orientação segura é
investigar programas de governo e históricos de atuação na área.
A
saúde pública, gratuita, universal é direito fundamental dos brasileiros; o
SUS, legado da Constituição de 1988 — contra a qual o líder do governo na
Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), atentou, ao sugerir nova Carta com
mais deveres. Se há tanta referência do eleitorado à saúde como problema, urge
o debate público sobre necessidade de investimento, fortalecimento e aumento da
eficiência do SUS. “Exatamente pela complexidade da construção das políticas de
saúde, isso precisa ser feito a partir de pactuações democráticas, envolvendo
as entidades do Controle Social, através do Conselho Nacional de Saúde, bem
como demais entes federativos, gestores do SUS, entidades científicas e
sociedade em geral”, defendeu a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e
Comunidade em nota pública contra o Decreto 10.530, revogado em 24 horas.
Em
mais um arroubo autoritário, em vez de dialogar, o governo atropelou instâncias
da Saúde e deu mandato ao Ministério da Economia para estudar e formatar
parcerias privadas nos postos de saúde, porta de entrada do sistema, responsáveis
pela atenção básica e pela imunização dos brasileiros. A boiada sanitária, ora
abortada, não chega a surpreender. Afinal, partiu do mesmo presidente que, na
mais grave crise sanitária global em um século, substituiu dois ministros da
Saúde, minimizou a pandemia, boicotou o isolamento social, indicou remédios sem
comprovação científica, liderou campanha contra a vacinação obrigatória.
Por queda de braço política com o governador João Doria, Jair Bolsonaro lançou dúvidas sobre a CoronaVac, parceria do Instituto Butantan (SP) com a chinesa Sinovac. A segunda onda de transmissão da doença na Europa é evidência do quanto a humanidade precisa da imunização. A pandemia alcança, sobretudo, favelas, periferias, quilombos, aldeias. Expõe profissionais de saúde, doentes crônicos, forças de segurança. Mata, principalmente, idosos, negros, indígenas; deixa sequelas. Combater a Covid-19 e defender o SUS são iniciativas dos que têm empatia, espírito público, convicções democráticas, atributos escassos no comando político do Brasil, esse país doente.
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