Mas
e se o bolsonarismo já não precisar dele para existir?
Um
dos pesadelos dos americanos é que, mesmo que Donald Trump seja derrotado na
eleição de terça-feira e varrido de volta para a Idade Média, o trumpismo continue
a existir nos EUA. Era uma inflamação que só esperava um furúnculo para
estourar, e esse furúnculo foi Trump. Já o nosso pesadelo é que o mesmo possa
acontecer aqui, quando Jair Bolsonaro for levado a responder por seus crimes
contra as instituições, a democracia e a vida —que o bolsonarismo não dependa
mais da existência do seu Führer.
Se
pensarmos bem, ele já existia antes da candidatura de Bolsonaro à Presidência,
da facada em
Juiz de Fora e de sua vitória nas urnas. Claro que Lula foi decisivo para essa
vitória, ao sabotar outras candidaturas para que Bolsonaro —“fácil de
derrotar”— chegasse à final contra o PT. Lula subestimou a aversão ao lulismo,
alimentada durante 13 anos pelos desmandos de seu partido. A prova dessa
aversão é que, com toda a demência e bestialidade do governo Bolsonaro, o PT
está à beira da extinção.
Um
indício da sobrevivência do bolsonarismo sem Bolsonaro é que, para seus
fanáticos, não importa que Bolsonaro minta, alie-se aos corruptos que fingia
combater, proteja genocidas e incendiários ou troque o país por sua miserável
reeleição —o que sobrar do país depois de seu primeiro mandato. O Exército, que
ele desmoraliza aos olhos da nação, continua a apoiá-lo. Os empresários, cujos
negócios são prejudicados pela imagem de pária do Brasil no exterior, não o
abandonam. O Congresso, que ele já ameaçou fechar, fecha com ele. E, a depender
dos juízes, os zeros não se sentarão no banco dos réus.
Tudo
isso é bolsonarismo e, se tantas categorias se sujeitam a ser corrompidas por
ele, é porque não é mais Bolsonaro que importa.
Bolsonaro,
por incrível que pareça, às vezes nos dá saudade da ditadura. Imagine se, no
futuro, o Brasil chegar a ter saudade dele.
*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
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