Fora
a Covid-19, Bolsonaro já tem bons desafios para abrir 2021
Qualquer
um que erre pouco e, portanto, colha sucessos em série corre o risco crescente
de alguma hora cometer um erro muito grave. Costuma ser um subproduto da
autossuficiência. Será o caso de Jair Bolsonaro se continuar colocando
dificuldades no caminho da produção e distribuição em massa por aqui de alguma
vacina eficaz contra o SARS-CoV-2.
Imagine
o leitor ou leitora uma situação em que a vacinação já tenha começado em
diversos lugares do planeta, mas esteja parada aqui devido a questiúnculas
políticas.
Um
que errava pouco e quando errou decidiu caprichar foi Donald Trump. Só olhar as
pesquisas de março para cá. Se Joe Biden ganhar na terça 3, a maior parte da
conta irá para o comportamento errático e politicamente primário do incumbente.
Que deixou de bandeja para o adversário a defesa da saúde e do bem-estar
coletivos.
Trump,
a exemplo de Bolsonaro, apostou no ponto futuro. Alguma hora as pessoas
passariam a ter mais medo da ruína do que do vírus. Não deixa de fazer sentido.
Onde estava o risco maior para Trump? No meio do caminho tinha uma eleição, e
era prudente saber como estaria a pandemia na hora de os eleitores saírem para
a urna.
Bolsonaro
leva algumas vantagens sobre o colega. Duas são as principais. Não enfrenta uma
oposição unificada e o mandato dele só estará em jogo daqui a dois anos. Por
enquanto, o preço que paga pela imagem de certo desdém diante da vida humana
não compromete decisivamente sua musculatura político-eleitoral.
E
é altamente provável que em 2022 a Covid-19 já esteja bem mais controlada.
“Se o presidente raciocinar bem, a
judicialização da guerra da vacina talvez seja uma solução para ele”
Acontece
que, ao contrário de Trump, o presidente brasileiro não tem uma base
parlamentar sólida e coesa. Foi o que salvou o americano do impeachment.
O risco para Bolsonaro caso mergulhe na impopularidade é bem maior. Os
animais selvagens no ecossistema de Brasília têm um faro especialmente aguçado
para sentir o cheiro de patos mancos.
Todas
as pesquisas mostram que, quando existir uma vacina, a esmagadora maioria da
população vai querer se vacinar. Há aqui e ali preferências sobre a
nacionalidade do imunizante, mas, na hora do “vamos ver”, o cidadão e a cidadã
comuns não ficarão indiferentes a um passaporte para a volta à normalidade no
transporte, na escola, no trabalho, no lazer.
Bolsonaro
tem mostrado desconforto sobre a possibilidade de a guerra da vacina acabar
judicializada. Se raciocinar bem, talvez seja uma solução para o presidente.
Ele fica por aí adulando o núcleo mais duro da sua base, enquanto outros
resolvem o problema prático, que, se não for resolvido, vai causar grave dor de
cabeça ao ocupante do Planalto.
Aconteceu
assim com o auxílio emergencial. E, por falar nele, Bolsonaro já tem bons
desafios para abrir 2021. O fim do auxílio. A necessidade declarada de
cumprir draconianamente o teto de gastos. A sucessão nas presidências da Câmara
e do Senado. O rescaldo de um resultado (até agora) não brilhante da eleição
municipal. A possível derrota de Trump.
Uma
crise com a vacina contra a Covid-19 será um tempero e tanto para essa salada
já indigesta.
*Publicado em VEJA de 4 de novembro de 2020, edição nº 2711
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