Não se pode executar a despesa nova sem a aprovação de medidas de compensação.
O governo federal enviou a proposta orçamentária para 2021 sem dizer como pretende financiar o novo programa anunciado pela equipe econômica: o Renda Brasil. Curiosamente, esse programa nasceu, morreu e deve ressuscitar após manifestações desencontradas de lideranças do Executivo, até mesmo do presidente da República, tornando o cenário fiscal mais incerto. Certo mesmo é que o País precisa de um programa social de renda mínima, com responsabilidade fiscal e boa governança, para os brasileiros mais afetados pela pandemia.
Hoje
presenciamos a subida a todo o vapor da dívida pública em direção à relação de
100% com o produto interno bruto (PIB). Assim, o País, no final do ano, deverá
ao mercado de títulos públicos o equivalente ao que produzirá em termos de bens
e serviços. Na verdade, esse número estaria longe de representar algo
catastrófico caso os gastos públicos no Brasil tivessem qualidade, o que não
ocorre. Importa mais a trajetória de crescimento da dívida do que a sua relação
com o PIB, afinal, estoque e fluxo são coisas distintas.
Claro
está que não nos podemos endividar como se a injeção de gasto público na
economia não tivesse custos e limites. A gestão fiscal daqui para a frente não
poderá ser tocada na base do improviso e “no susto”. Qualquer programa novo
deve ter como base um dos princípios mais relevantes de uma República: a
responsabilidade fiscal.
A
agenda social em discussão no Congresso, a fim de se criar um programa de renda
mínima, deve respeitar na ponta do lápis os dispositivos da Lei de Responsabilidade
Fiscal, em especial o artigo 17, segundo o qual as despesas permanentes devem
ser fiscalmente compensadas por aumentos de receita ou redução de outros gastos
também permanentes. Mais: não se pode executar a despesa nova sem que sejam
aprovadas medidas de compensação. É o que está na lei e é o que deve ser feito.
É
importante que todas as despesas obrigatórias do orçamento federal passem por
avaliações periódicas, de modo que sejam feitos ajustes que tornem os programas
mais eficientes, eficazes e efetivos. Ainda que o artigo 17 seja respeitado na
fase de implementação de uma nova agenda social, não se pode achar que despesa
obrigatória é eterna e blindada de avaliações sistemáticas.
Até
aqui podemos dizer que o novo programa almejado pela equipe econômica – o Renda
Brasil – deve ser criado com transparência em relação às suas fontes de
custeio, inclusive com a revisão dos gastos de programas atuais, e com um
desenho institucional que dê prioridade a revisões periódicas dos seus
resultados. Naturalmente, a função fiscalizatória do Congresso o atrai para
esse campo de avaliação, com a devida ajuda do Tribunal de Contas da União, que
tem um time de auditores altamente qualificados.
Mais
ainda, o teto de gastos também deve ser observado no processo de criação do
Renda Brasil. É sabido que o Parlamento aprovou a Emenda Constitucional 95/2016
com a finalidade de estabelecer limites apertados para a taxa de crescimento do
gasto público, com base no IPCA. Com a queda da inflação e o crescimento das despesas
da Previdência, que representam mais da metade do teto de gastos do Poder
Executivo, o espaço fiscal deve nortear a criação do Renda Brasil.
Diante
desse quadro, o Congresso Nacional pode assumir a iniciativa de estabelecer uma
nova agenda social, caso a estratégia do Executivo seja passar a bola para o
Parlamento. Assim, será melhor para o País que o Congresso aprove um programa
de renda mínima delegando ao Executivo a definição dos valores dos benefícios,
juntamente com as medidas de compensação. E, nesse sentido, há projetos
tramitando. A razão é que o Executivo conta com melhores condições de revisar o
Orçamento em busca dos recursos necessários para financiar a nova agenda
social.
A
lei que criar o novo programa deve também apresentar dispositivos que obriguem
o governo a revisar periodicamente o programa, seguindo as boas práticas de
gestão adotadas por países avançados em matéria fiscal, como o Reino Unido e a
Austrália. Nestes, os programas governamentais são sempre revisados para
melhorar a alocação dos recursos nos orçamentos públicos.
Essa
ideia da revisão periódica dos gastos públicos parece simples, mas no Brasil
ela vem sendo ignorada de forma desconcertada. Em 1998, por exemplo, participei
do governo que introduziu na Lei 8.742/1993, que regulamenta os Benefícios de
Prestação Continuada, um dispositivo para exigir a sua revisão a cada dois
anos. Mas esse dispositivo tem sido solenemente ignorado pelos órgãos de
controle e de execução das políticas públicas.
A
covid-19 tem revelado a importância da responsabilidade fiscal para os próximos
anos. As lideranças do Legislativo e do Executivo precisam atuar de forma
conjunta para estabelecer um programa de renda básica que socorra a parcela
mais vulnerável da sociedade sem perder de vista a responsabilidade fiscal e a
boa governança pública. Não vejo incompatibilidade necessária entre esses dois
objetivos.
*Senador (PSDB-SP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário