Apesar
de atrasada e diminuta, proposta apresentada pelo governo abre ao Parlamento a
possibilidade de agir
No início de setembro o governo encaminhou ao Congresso uma proposta de Reforma Administrativa atrasada e diminuta. Apesar dos pesares, ela abre ao Parlamento a possibilidade de agir. A atual legislatura mostrou ímpeto reformista na Previdência, mas agora o desafio é mais complexo. Uma nota técnica do Centro de Lideranças Públicas (CLP) dá a medida dessa complexidade.
Antes
de tudo há as distorções: a estabilidade indiscriminada; a progressão
automática de carreira; e o déficit nas avaliações de desempenho. Muitos
servidores ingressam com remunerações elevadas e alcançam em pouco tempo o topo
da carreira, não com base em resultados e méritos, mas em tempo de serviço ou
certificados acadêmicos.
Além
das distorções, há as perversões. O Banco Mundial estima que os servidores
públicos no Brasil recebam em média 18% acima de seus pares privados. Outras
estimativas apontam que essa diferença pode chegar a 50%. De resto, há as
disparidades no próprio serviço público entre a elite e a base. Pelo
coeficiente Gini de mensuração de desigualdade, estima-se que a desigualdade no
setor público seja 7 vezes maior que no privado, podendo variar de 4 a 14
pontos conforme a região.
A
análise comparada expõe esta disfuncionalidade e perversidade da máquina
pública. O número de servidores no Brasil não é alto. São 5,6% da população,
enquanto a média dos países da OCDE é de 9,5%. Mas os gastos com pessoal
correspondem a 13,8%, o que, segundo o Banco Mundial, coloca o País na 15.ª
posição entre os que mais gastam como proporção do PIB. Em outras palavras,
comparativamente, o Brasil tem poucos funcionários que ganham muito.
A
Constituição de 1988 estendeu a todos os servidores a condição de estatutários
com estabilidade. Mas nos países desenvolvidos apenas alguns postos, como
juízes, soldados, fiscais ou policiais, têm essa prerrogativa. Na Suécia e na
Espanha, por exemplo, apenas 1% dos funcionários é estatutário. Na Grã-Bretanha
são 10%, e mesmo assim com estabilidade parcial.
Um
dos pontos positivos da reforma em trâmite é a eliminação de vários
privilégios, como licença-prêmio; aumentos retroativos; férias acima de 30
dias; aposentadoria compulsória como punição; ou promoções automáticas.
Outro
avanço são os modelos de contratação diversos. Os cargos típicos de Estado
seriam apenas aqueles que não podem ser transferidos para o mercado. A
estabilidade seria mantida, mas após um período probatório de 3 anos. Além
disso, há os cargos por prazo determinado ou indeterminado, mas que podem ser
extintos caso se mostrem obsoletos.
Um
terceiro ponto positivo é que a reforma abarca União, Estados e municípios.
Mas, como lembra o CLP, os pontos questionáveis são exatamente as suas
exclusões. Primeiro, a reforma só valerá para os futuros concursados. Depois,
ficou de fora precisamente a elite do funcionalismo – militares, promotores,
juízes e parlamentares. Tal como está, a reforma aumentará em muito a
desigualdade entre os quadros públicos.
O
governo seguiu o entendimento de que não teria legitimidade para reformar
outros Poderes. Essa justificativa, em si questionável, não explica por que os
militares, que compõem o Executivo e mantiveram a maioria de seus privilégios
na Reforma da Previdência, ficaram de fora. O Congresso, ao menos, já está
encaminhando sua própria Reforma Administrativa e há quem diga que, sendo o
campeão dos privilégios, tem mais legitimidade para tratar das categorias do
Judiciário.
Estima-se
que em 15 anos cerca de um terço dos servidores da União se aposentará. A
calibragem eficiente da reposição poderá trazer mais equilíbrio para as contas
públicas. Tudo somado, o CLP calcula que o impacto fiscal da reforma pode levar
a uma economia de R$ 403,3 bilhões até 2024.
Todos
os brasileiros, inclusive os funcionários públicos, merecem serviços mais eficientes.
Os trabalhadores privados merecem mais paridade em relação aos públicos, assim
como os servidores da base em relação à elite. O Congresso tem a oportunidade
de brindar a população com essas três conquistas numa só reforma.
O rombo fiscal e a incerteza – Opinião | O Estado de S. Paulo
Com dívida fora dos padrões, governo deveria cuidar mais da credibilidade
Os
estragos causados pela pandemia continuam bem visíveis nas finanças públicas, e
assim continuarão, provavelmente, por mais uns dois anos. O buraco nas contas
do governo central deve chegar a R$ 871 bilhões em 2020, segundo o Ministério
da Economia. A projeção anterior, divulgada no mês passado, indicava déficit
primário, isto é, sem juros, de R$ 787,4 bilhões. A atividade se recupera desde
maio e mais impostos têm sido pagos, mas isso pouco se reflete, ainda, na
evolução da receita. Em agosto o governo central arrecadou R$ 121,4 bilhões, 1%
mais que um ano antes, descontada a inflação. Pela primeira vez, desde abril,
houve ganho real em relação a igual mês de 2019.
Aos
números de agosto foi acrescentado um toque de esperança, em nota divulgada
pelo Tesouro Nacional. A crise, segundo o texto, pode tornar-se um momento
promissor para a pauta de reformas, “com foco na consolidação fiscal e na
produtividade da economia brasileira”. Mas a cúpula do Executivo pouco tem
feito, até agora, para reforçar esse quase otimismo.
Apesar
das promessas de seriedade fiscal, incluído o respeito ao teto de gastos, o
presidente exibe e reafirma, no dia a dia, preocupações muito diferentes,
centradas na reeleição e balizadas por critérios populistas. Essa orientação é
muito clara nas discussões sobre o Orçamento para 2021: é preciso encontrar
meios de acomodar a Renda Cidadã na programação financeira e, se possível,
incluir alguns investimentos para propiciar eventos políticos e, na melhor
hipótese, inaugurações.
A
defesa da consolidação fiscal tem-se repetido em notas divulgadas pelo Tesouro
juntamente com os informes mensais sobre as contas do governo central. A
consolidação em curso – ou ainda em curso – tem permitido, segundo a última
nota, reduzir os custos da dívida mobiliária federal.
O
custo médio das emissões e do estoque da dívida chegou aos mínimos históricos
de 4,85% e 8,54% ao ano, respectivamente. Dirigentes do Banco Central (BC)
também têm apontado a confiança na política fiscal como fator importante para a
manutenção dos juros básicos em 2% ao ano. Talvez já tenham explicado esse
ponto ao presidente da República, mas sem efeito prático. As incertezas são
notórias no dia a dia do mercado de capitais e no câmbio instável.
Com
a retração dos negócios, a queda do emprego e as medidas emergenciais, incluído
o diferimento de tributos, o déficit primário do governo central chegou a R$
601,3 bilhões em oito meses. Um ano antes havia ficado em R$ 52,1 bilhões, em
valores correntes. Até agosto o déficit sem juros foi mais que o quíntuplo do
projetado inicialmente para 2020 (R$ 124,1 bilhões).
Um
retrato mais amplo das contas públicas é elaborado pelo BC. Os saldos apontados
correspondem às necessidades de financiamento, enquanto os cálculos do Tesouro
mostram apenas a diferença entre receitas e despesas primárias.
Pelo
critério do BC, o governo central teve déficit primário de R$ 96,5 bilhões em
agosto e de R$ 601,8 bilhões no ano. Pelo padrão do Tesouro, esses valores
foram, respectivamente, R$ 96,1 bilhões e R$ 601,3 bilhões. Com os números de
Estados e municípios e da maior parte das estatais (excluídas Petrobrás e
Eletrobrás), o setor público teve déficit primário de R$ 87,6 bilhões no mês e
de R$ 571,4 bilhões em oito meses.
Somados
os juros, chega-se ao chamado resultado nominal, um buraco de R$ 121,9 bilhões
para o setor público, em agosto, e de R$ 785,1 bilhões no ano. Esse buraco
equivale a 16,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 12 meses o rombo geral
chegou a R$ 933,5 bilhões, ou 13% do PIB. A conta de juros alcançou R$ 322,2
bilhões.
Com
esse desempenho, a dívida bruta do governo geral – os três níveis mais o INSS –
alcançou em agosto R$ 6,4 trilhões (88,8% do PIB) e deve aumentar até o fim do
ano. Segundo o Ministério da Economia, poderá bater em 94% do PIB. Em abril o
Fundo Monetário Internacional estimou a média de 62% para os emergentes em
2020. O tamanho da dívida brasileira é mais um forte motivo para o Executivo
cuidar da credibilidade.
O intervencionismo judicial – Opinião | O Estado de S. Paulo
Para
ministro Luiz Fux, responsabilidade por tensões institucionais é dos demais
Poderes
Na primeira reunião em que participou como presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro Luiz Fux, que está à frente do Supremo Tribunal Federal (STF) desde 10 de setembro, tocou num tema politicamente importante. Trata-se do excesso de intervencionismo do Judiciário na vida política e econômica do País, gerando com isso tensões no equilíbrio entre os Poderes.
É
preciso fazer com que o Judiciário volte a ter uma “imagem respeitável”, disse
ele ao discutir o problema da judicialização e as críticas ao ativismo judicial
vindas do Executivo e do Legislativo. A sessão do CNJ foi realizada por meios
virtuais simultaneamente com a primeira reunião de Fux com os presidentes dos
Tribunais de Justiça dos Estados, dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), dos
Tribunais Regionais Eleitorais e dos Tribunais Regionais do Trabalho. Ou seja,
o presidente do STF falou sobre uma questão delicada para a cúpula da Justiça
brasileira.
Segundo
ele, apesar de o excesso de intervencionismo judicial gerar tensões institucionais,
a responsabilidade não é da Justiça, mas dos demais Poderes. Nesse ponto, Fux
está certo. Como o Executivo muitas vezes exorbita de suas prerrogativas, ora
tratando por matérias que só podem ser objeto de lei ordinária, ora incluindo
nas medidas provisórias temas que alteram a Constituição, todas as vezes que o
STF é acionado para julgar ações de inconstitucionalidade contra atos e
iniciativas desse Poder ele não pode deixar de tomar uma decisão. E seja esta
qual for, a Corte sempre será criticada pela parte derrotada.
O
mesmo também acontece no Congresso. Apesar de a Câmara e o Senado serem Casas
políticas, muitas vezes as lideranças parlamentares não conseguem administrar
suas divergências e decidi-las com base em leis específicas ou no regimento
interno. Elas se acostumaram a encaminhar seus impasses para o STF. Isso ocorre
igualmente quando corporações profissionais, movimentos sociais e organizações
não governamentais batem às portas dos tribunais questionando políticas
públicas e decisões do governo.
Por
isso, disse Fux, se por um lado o Judiciário não está invadindo a área de
competência dos demais Poderes e absorvendo matérias que não pertencem
originariamente à sua área de atuação, por outro não pode deixar de agir quando
é devidamente provocado. “Não temos um governo de juízes nem devemos aceitar
essa pecha de judicialização da política. O que existe é uma política que
judicializa seus feitos quando não consegue resolver, em sua própria arena,
suas questões intramuros”, afirmou o presidente do Supremo.
Durante
os debates, o desembargador Ítalo Mendes, presidente do TRF 1, com sede em
Brasília e jurisdição em 14 Estados, pôs o dedo na questão que mais incomoda
sua corporação, atualmente. Ele disse que as acusações de ativismo contra os
juízes estão propiciando um crescente questionamento da Justiça, como
instituição, e afirmou que ela tem de ser resguardada.
Subjacente
a esse temor e a esse anseio estava um problema conhecido: o descontentamento
da magistratura com o modo como o presidente Jair Bolsonaro vem tratando a
Justiça, acusando-a de não ter permitido que ele enfrentasse a pandemia de
covid-19, depois que o STF reconheceu a autonomia concorrente dos Estados e
municípios. Consciente da delicadeza do tema e do risco de sua resposta gerar um
desnecessário bate-boca com o chefe do Executivo, Fux foi prudente. Afirmou que
a Justiça tem de ser preservada, mas que seus membros precisam aprender a lidar
com os desafios a ela colocados por problemas conjunturais e contingências,
como é o caso da pandemia e dos ataques despropositados do chefe do Executivo.
A
resposta não foi direta. Mas Fux deixou implícito que compreendeu o que os
juízes reivindicam. Ficou claro que ele não contemporizará quando a Justiça for
atacada e saberá reagir com a devida firmeza, quando necessário.
Destruir por decreto – Opinião | Folha de S. Paulo
Bolsonaro
promove ruptura em política de inclusão de alunos com deficiências
O
governo de Jair Bolsonaro se especializa em usar a regulamentação infralegal na
tentativa de dar fim às políticas públicas de que não gosta. É a destruição por
decreto.
Assim
a administração procurou sabotar a legislação para o controle de armas,
reverter a redução de danos no tratamento de quimiodependentes e desfazer boa
parte das proteções ambientais.
A
onda também chegou à educação. O governo editou decreto que estabelece uma nova
Política Nacional de Educação Especial, revoltando
militantes e especialistas.
Eles
entendem que a nova norma, ao abrir espaço para a volta das escolas especiais,
poderá enfraquecer décadas de esforços para promover a educação inclusiva de
portadores de deficiências.
Mais
ou menos até o início dos anos 1990, a situação educacional desses jovens e
crianças era desastrosa. Eles eram frequentemente excluídos das classes
regulares e despachados para salas ou mesmo unidades especiais, onde recebiam
pouca atenção pedagógica —além de serem privados do convívio com colegas sem
deficiência.
A
partir da Constituição de 1988 e de outras peças legais, bem como da assinatura
de uma série de tratados internacionais e do esforço de pais e educadores
dedicados, a situação começou a mudar.
Cada
vez mais crianças com necessidades especiais passaram a estudar em salas
regulares, com bons resultados não apenas para esse grupo como também para os
demais alunos, que recebem diariamente lições práticas sobre diversidade e
tolerância.
A
experiência pode ser descrita como um sucesso. Como escreveu na Folha o
colunista Alexandre Schneider, há 20 anos contavam-se 382 mil estudantes com
alguma deficiência matriculados —dos quais cerca de 300 mil em classes
especiais e instituições especializadas e pouco mais de 81 mil em
estabelecimentos regulares.
Em 2017, já eram cerca de 900 mil matriculados em classes regulares e 170 mil em classes exclusivas.
O modelo seguido pelo país, que também oferece a alternativa de atendimento
especializado no contraturno, é conceitualmente correto e, como os números
provam, factível. Não se vê razão para nenhuma mudança radical.
Aperfeiçoamentos
são sempre bem-vindos. Não haveria mal, em princípio, em dar maior
possibilidade de escolha aos pais. Há aqueles, em geral lidando com quadros
mais difíceis, que preferem manter seus filhos em instituições especializadas.
O objetivo geral de incluir, indiscutível, pode admitir opções para casos
particulares.
Entretanto
o governo Bolsonaro erra mais uma vez ao promover a destruição por decreto, em
vez de estudar, dialogar e negociar.
Ditaduras x imprensa – Opinião | Folha de S. Paulo
Regimes
da Nicarágua e da Belarus tentam sufocar a crítica e a informação
Quaisquer
que sejam suas orientações ideológicas, governos autoritários apresentam como
traço comum o esforço para sufocar a livre circulação de ideias e a atuação da
imprensa. Essa regra ganhou atualidade nos últimos dias, quando medidas do
gênero foram adotadas por regimes tão distintos como os da Belarus e da
Nicarágua.
Na primeira, o ditador Aleksandr Lukachenko, há 26 anos no poder, investiu contra
o mais importante site noticioso do país, o Tub.by,
cassando-lhe o status de mídia.
O
ataque a um dos poucos veículos locais que ainda funcionavam normalmente
representa um passo largo na mais recente escalada despótica contra a imprensa,
que já resultou no bloqueio de ao menos 70 sites informativos.
Embora
o Tub.by ainda permaneça no ar, seus repórteres deixaram de ser considerados
jornalistas, o que os torna mais suscetíveis a detenções durante a cobertura
dos protestos que tomaram o país há quase dois meses —após a vitória de
Lukachenko em uma eleição eivada por fraudes.
O
expediente vem sendo utilizado de maneira sistemática pelo governo. Nesse
período, cerca de 350 profissionais de imprensa já foram detidos durante o
exercício da função, e ao menos 15 permaneciam presos até a semana passada.
Diverso
foi o caminho
adotado pela Nicarágua do ditador Daniel Ortega, onde o ataque
à liberdade de expressão se deu com novas leis.
Recente
diploma pune com multas e até quatro anos de prisão aqueles que, por meio das
tecnologias de informação e comunicação, publicarem ou difundirem informações
falsas ou deturpadas “que causem alarme, medo ou ansiedade na população”.
Ainda
pode sofrer sanções, de acordo com o texto, quem prejudicar a honra, o
prestígio ou a reputação de uma pessoa ou de sua família, além daquele que
incitar a violência ou puser em perigo a estabilidade econômica, a ordem, a
saúde e a segurança nacional.
Utilizando
uma tipificação penal vaga, com conceitos amplos, como “honra” e “medo”, ou
manipuláveis, como “notícias falsas”, a lei abre margem para toda sorte de
abusos por parte do Estado e facilita a criminalização de críticos.
Com
Ortega buscando em 2021 a terceira reeleição e Aleksandr Lukashenko tentando
recuperar o poderio abalado em Belarus, as estratégias dos dois déspotas
apontam para o mesmo fim —o de censurar para se perpetuarem no poder.
Projetos de lei poderiam trazer fôlego fiscal – Opinião | O Globo
Sem
competência nem vontade política, o governo não tem usado as propostas que já
existem no Congresso
O
tempo da política é quase sempre mais lento que o da economia. O descompasso se
repete com o desejo de deixar para depois das eleições a definição de um meio
de financiar o Renda Cidadã sem violar a responsabilidade fiscal. Os políticos
brincam na boca de um vulcão.
Enquanto
o Congresso e o Planalto, isolados na bolha de Brasília, definem táticas e
estratégias de poder, a crise vem impondo limites às regulações cartoriais
construídas à base de pressão de lobbies. Foi por força dos abalos na economia
e na sociedade que o governo foi obrigado a emitir a MP — correta — que
permitiu trocar corte de salário por estabilidade temporária.
O
terremoto que o país atravessa aconselha flexibilidade de regras, sem
desproteger os mais vulneráveis. Há no Congresso projetos de leis adequados ao
enfrentamento das dificuldades, mas falta senso de urgência. É certo que várias
reformas dependam de propostas de emendas à Constituição (PECs), que exigem
apoio maciço dos parlamentares — no mínimo 60%. Mas seria perfeitamente
possível trazer fôlego fiscal por meio de projetos aprovados por maioria
simples dos presentes, as leis ordinárias, ou absoluta (das cadeiras), as
complementares.
É
o caso da regulamentação da demissão de servidores de baixo desempenho.
Incluída na Constituição, apresentada por proposta de lei complementar em 1998
pelo ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, na gestão de Fernando Henrique
Cardoso, está no Legislativo há mais de duas décadas. Aprovada pela Câmara,
recebeu emendas no Senado e voltou para os deputados em 2007. Repousa em alguma
gaveta há 13 anos. Há ainda um outro projeto sobre o mesmo dispositivo
constitucional, da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), aprovado em
comissões, que espera desde agosto do ano passado para ir a plenário.
O
governo, atrás de dinheiro para o programa de Bolsonaro, lembrou os
supersalários de castas do funcionalismo, para os quais não vale o teto legal
de R$ 39,2 mil estabelecido para qualquer servidor. Manobras nas esferas
política e administrativa revogaram na prática esse limite para os
privilegiados. Com isso, acabaram por criar uma oportunidade atraente ao
governo. Basta cortar desses salários o que exceder o teto, e haverá uns R$ 10
bilhões por ano à disposição. Com a vantagem de que um projeto de lei ordinária
para isso já foi aprovado no Senado em 2016. Só falta o aval da Câmara.
Há
ainda o exemplo do governo Temer, que conseguiu apoio para a lei 13.467, que
modernizou partes da sacrossanta CLT, considerada intocável desde que Getúlio a
instituiu. No início da semana, 65% dos comandantes e copilotos da Latam
concordaram, com base na reforma de Temer, que o sindicato negocie a redução
definitiva de salários para manter os empregos. É a primeira negociação do tipo
no país — e um exemplo de como novas leis podem trazem saídas para crises.
Havendo vontade política, o Congresso trabalha. É só o que falta, além de
competência, para agir antes do agravamento de uma crise que já chegou.
Investigação comprova necessidade de impor limites às gigantes digitais – Opinião | O Globo
Relatório
de parlamentares americanos questiona práticas de Amazon, Apple, Facebook e
Google
O
relatório de 450 páginas que resume os 16 meses de investigação da Câmara dos
Estados Unidos sobre as gigantes digitais traz conclusões esclarecedoras para
quem ainda tem uma visão idílica do Vale do Silício. Com base em 1,3 milhão de
documentos, 38 testemunhos e na opinião de mais de 60 especialistas em leis
antitruste, o documento acusa Amazon, Apple, Facebook e Google de abusos de
poder econômico.
“Para simplificar”, diz o texto, “empresas que
outrora foram startups desafiando o statu
quo se tornaram monopólios vistos pela última vez na era dos
barões do petróleo e magnatas das ferrovias.” Apesar dos benefícios gerados,
tal domínio sai caro: “Não apenas exercem um poder tremendo, mas abusam dele
cobrando preços exorbitantes, impondo termos opressivos nos contratos e
extraindo dados valiosos de indivíduos e negócios que dependem delas”.
O
relatório é repleto de exemplos de como se valem da posição dominante para
manter poder de mercado: o uso de WhatsApp e Instagram para ampliar os domínios
do Facebook, a concorrência desleal da Amazon com quem usa a empresa como
plataforma de venda, o controle da loja de iPhones para favorecer aplicativos
da Apple ou o tratamento preferencial das buscas do Google a vídeos do YouTube.
Nenhuma
das conclusões surpreende quem acompanha o tema. Não é coincidência que as
quatro, ao lado da Microsoft, sejam os cinco negócios de maior valor de mercado
no planeta. É inegável — e todas sempre poderão alegar isso em seu favor — o
benefício que trazem ao consumidor. Mas também é fato que só chegaram a tal
posição em virtude da postura benevolente com que a Justiça americana encara a
legislação antitruste desde os anos 1980.
Prevalece
a interpretação que só justifica impor sanções quando o dano ao consumidor é
explícito, pelo aumento de preços. Só que o mundo digital põe em xeque tal lógica.
Nele, a regra são serviços gratuitos, pagos invisivelmente na forma de dados,
chamarizes para amarrar a audiência — e permitir aos monopólios estender seus
tentáculos, inibindo a concorrência e a inovação.
A
investigação não recomenda a quebra das empresas, mas os parlamentares se
mostram dispostos a endurecer o arsenal legal para coibir os abusos. Até agora,
elas têm passado incólumes nos tribunais. Mas o cenário permissivo parece estar
com os dias contados, graças à chance crescente de vitória de Joe Biden e de
maioria democrata nas duas casas legislativas.
Qualquer
mudança na lei ou na Justiça precisa ser cautelosa para não inibir o espírito
de inovação. Ao mesmo tempo, nada é tão nocivo quanto monopólios que põem em
risco a própria democracia. Passou da hora de impor limites ao poder das
gigantes digitais.
Sem apoio fiscal, retomada dos EUA deve ser mais lenta – Opinião | Valor Econômico
A
retomada da economia, mesmo que forte em julho e agosto, está cercada por
enormes incertezas
Com
o peso inicial de puxar a recuperação global nos ombros só da China - a única
das grandes economias que crescerá este ano - os estímulos à economia nos
Estados Unidos e Europa ditarão o ritmo da economia internacional nos próximos
meses. Não há dúvidas quanto à permanência das políticas monetárias frouxas por
muito tempo, mas o prosseguimento do apoio da política fiscal tem sido
conflituoso em vários países, como nos Estados Unidos. Nos EUA, não há tantos
problemas financeiros prementes a impedir a execução de mais um pacote de apoio
a empresas, trabalhadores e Estados, mas o presidente Donald Trump não quer. No
Brasil, o presidente Jair Bolsonaro até quer, mas não tem dinheiro.
O
destino imediato da recuperação americana foi abalroado pelo calendário
eleitoral e pelas erráticas decisões de Trump. Após várias escaramuças, democratas
e republicanos estavam aproximando suas propostas. Os democratas queriam
estímulos de US$ 3 trilhões, e aceitam um de US$ 2,2 trilhões. Os republicanos,
que não ofereciam mais de US$ 500 bilhões, chegaram agora a US$ 1,6 trilhão.
Até o presidente, infectado, sair do hospital e mudar o jogo.
Trump
suspendeu as tratativas até o pós-eleições, acusando seus rivais de buscarem
dinheiro para socorrer administrações estaduais democratas incompetentes e
favorecer regiões “infestadas pelo crime”. Depois mudou de ideia e disse que
toparia acordo sobre medidas pontuais. A principal é um pacote de auxílio às
companhias aéreas, tão cara ao governo quanto o auxílio a Estados e municípios
o é para os democratas. Não há mais muitas expectativas de que algo grandioso
possa sair das negociações, mas algum acordo ainda pode prosperar.
Novos
e igualmente pujantes pacotes fiscais foram defendidos em público anteontem
pelo presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, em termos que, em outros
tempos, deixariam um presidente republicano apoplético. “Um apoio pequeno
resultará em uma recuperação fraca, criando sofrimento desnecessário para
famílias e empresas”, disse Powell. “Em contraste, os riscos de errar para mais
na ajuda seriam pequenos, porque mesmo que ela se prove maior do que a
necessária, não será um desperdício, a recuperação será mais forte”.
Powell
classificou de “trágico” um fiasco nesta área. Ontem o Fed divulgou as notas da
ata da reunião de setembro, que consolidou a perspectiva do banco central por
manter taxas próximas de zero pelo menos até o fim de 2023, se nenhum evento
importante forçá-lo a mudar de rota. A retomada da economia, mesmo que forte em
julho e agosto, está cercada por enormes incertezas, a começar por novas ondas
do vírus. Ela já ocorre em Nova York e há 34 Estados em que o contágio ainda é
alto. O número de casos no país mal caiu abaixo dos 40 mil por dia e o de
mortes somou 210 mil.
A
inflação continua muito abaixo dos níveis do início do ano, tomando como base o
índice preferido do Fed, o PCE (1% nos doze meses até julho) e o núcleo dele
(1,3%). O índice de preços ao consumidor foi de 1,3% e seu núcleo, de 1,7% no
período.
A
produção industrial já praticamente se recuperou, enquanto a dos serviços anda
bem mais devagar, porque vastos setores dele provavelmente só chegarão à plena
forma quando houver segurança contra o vírus e acabar o distanciamento social.
A
recuperação tem algum fôlego, mesmo após o fim dos auxílios, porque entre
outros motivos, como atesta o Fed, “a poupança pessoal continua bastante
elevada”. Quanto às empresas, a alavancagem é hoje menor do que no mesmo
período do ano passado. Consumo e venda de imóveis voltaram aos níveis
pré-pandemia e investimento fixo das companhias cresceu pelo terceiro mês
consecutivo em julho.
Mas o Fed está longe de cumprir as
metas de seu duplo mandato. O índice de swaps overnight, segundo a ata, indica
que as taxas dos fed funds permanecerão aonde estão até a primeira metade de
2024. Por outro lado, o nível de emprego ainda tem muito a progredir. Em abril,
o desemprego chegou a 14,7% (22 milhões de pessoas) e, em setembro, foi de
7,9%, ou seja, aproximadamente na metade do caminho necessário.
Uma das premissas importantes dos cenários traçados pelo Fed para inflação, juros e emprego é que a alavanca fiscal que impulsionou a economia continuaria agindo. Trump mandou-a para o espaço. Sem um novo auxílio, “a recuperação será lenta”, conclui o documento.
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