Para
engordar o Renda Cidadã, só há dois caminhos: CPMF digital ou corte na folha
dos funcionários de nível mais alto
Entre
as diversas ideias de jerico propostas para financiar o programa Renda Cidadã,
apareceu mais uma nesta semana: eliminar a dedução de 20% aplicável aos
contribuintes do IR que declaram pelo formulário simples. Nesse caso, o
contribuinte abre mão de descontar os gastos com saúde e educação, que são,
digamos, os mais vantajosos para os que podem pagar escola, médicos e hospitais
no particular.
Inversamente,
quem escolhe a declaração simplificada está nas faixas mais baixas de renda,
usa o SUS e coloca as crianças em escolas públicas. Ou seja, cortar o desconto
de 20% na declaração simples é favorecer os mais ricos e tomar dinheiro dos
mais pobres.
É evidente que tem de ser o contrário. Acompanhem estes números: neste ano, ficou isento de pagar IR quem ganhou abaixo de R$ 28.559 em 2019. O presidente Bolsonaro prometeu várias vezes aumentar a faixa de isenção, primeiro para R$ 4.700 por mês, depois para R$ 3.000. Deixou para lá. A faixa nem sequer foi corrigida pela inflação.
Agora, comparem: o teto salarial do funcionalismo é de R$ 39,2 mil por mês — dez mil acima da faixa de isenção de IR para ganhos anuais.
Tem
mais: o teto do funcionalismo simplesmente não é respeitado. Com a combinação
dos auxílios-moradia, educação, transporte e alimentação — que variam de setor
para setor e entre estados — mais tempo de serviço, participação em conselhos
de estatais, venda de férias e acúmulo com aposentadorias, milhares de
funcionários recebem muito mais que o teto.
Dizem
que o teto é só o salário. O resto é direito adquirido e/ou vantagem pessoal,
fura-teto, portanto.
Assim,
o contracheque pode passar de R$ 200 mil mensais. Vencimentos entre R$ 50 e 60
mil são até comuns em determinadas categorias, especialmente no Judiciário.
Sem
contar alguns absurdos que nem custam tanto, mas são de espantar: funcionários
em trabalho remoto recebendo auxílio... transporte.
Não
é simples calcular o custo desses benefícios pelo país todo, mas o corte de
parte dos auxílios para funcionários que, digamos, ganhem acima de R$ 5 mil
mensais, mais imposição rigorosa do teto de R$ 39,2 mil chegariam fácil ao
valor anual do atual Renda Cidadã (R$ 30 bilhões).
Para
os do topo, seria um “sacrifício” razoável de pedir. No Brasil, quem ganha R$
30 mil por mês está no grupo do 1% mais rico. Segundo um estudo do Instituto
Millenium, o salário médio dos funcionários do Legislativo federal com curso
superior está justamente em torno desses 30 mil. Reparem, é salário médio.
Grosso
modo, a despesa do governo federal prevista para o ano que vem é de R$ 1,5
trilhão. Parece muito, é muito, mas mal dividida. Cerca de 80% disso, ou R$ 1,2
trilhão, vão para aposentadorias, pensões e salários. Dos R$ 330 bilhões que
sobram, R$ 200 bilhões vão para outras despesas obrigatórias, especialmente com
saúde e educação. Sobram R$ 100 bilhões para o Congresso e o governo
distribuírem para despesas de custeio e investimento.
Nessa
conta, é impossível arranjar o dinheiro para engordar o Renda Cidadã. Só restam
dois caminhos: aumento de imposto (a tal CPMF digital) ou o corte de gastos na
folha dos funcionários de nível mais alto.
Sim,
porque há uma enorme desigualdade dentro do setor público. Há professores do
ensino fundamental, com curso superior, ganhando R$ 3,3 mil mensais, pouco mais
da metade da média de R$ 6 mil dos servidores federais com nível médio.
Olhando
os números, dá para saber onde cortar, com justiça.
Currículos
Em
março de 2011, o então ministro da Defesa da Alemanha, Karl-Theodor zu
Guttenberg, figura política em ascensão, renunciou ao cargo após ter sido
acusado de plágio em sua tese de doutorado, apresentada e aprovada dez anos
antes.
A
Universidade de Bayreuth cassou seu título de doutor em direito, e ele mesmo
concordou com a medida. Negou o plágio, mas admitiu erros graves.
Reparem:
a tese não tinha nada a ver com sua função de ministro da Defesa e sua atuação
política. Mas ele teve que renunciar.
É
uma questão moral óbvia. A pessoa, qualquer pessoa, não pode copiar teses, nem
inventar currículos.
Simples assim.
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