O
presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, surpreendeu ao esvaziar o poder das
duas turmas no julgamento de ações penais e inquéritos criminais, que voltarão
a ser analisados em plenário
Em
cerimônia no Palácio do Planalto, ontem, bem ao seu estilo, o presidente Jair
Bolsonaro disparou: “Queria dizer a essa imprensa maravilhosa nossa que eu não
quero acabar com a Lava-Jato… eu acabei com a Lava-Jato”. Entretanto,
relativizou: “porque não tem mais corrupção no governo”. Bolsonaro endossou a
avaliação feita pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) de que seu grande legado
será o “desmonte” da operação, que já teria ocorrido em razão de mudanças no
Coaf, na Receita Federal, na Polícia Federal, no Ministério Público Federal
(MPF) e estaria em vias de ocorrer no Supremo Tribunal Federal (STF), com a
indicação do desembargador federal Kassio Marques para a vaga do decano Celso
de Mello, que está se despedindo da Corte.
Mas
pode não ser bem assim, porque o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),
ministro Luiz Fux, ontem, surpreendeu a maioria dos pares ao propor a mudança
do regimento da Corte e esvaziar o poder das suas turmas no julgamento de ações
penais e inquéritos criminais, que voltarão a ser analisados em plenário. A
proposta foi aprovada por unanimidade. Desde 2014, depois do processo do
mensalão, essas matérias eram apreciadas nas turmas, cada qual com cinco
ministros. Agora, serão apreciadas por 11 ministros, inclusive o presidente do
Supremo, que não vota nas turmas. A mudança fortalece o ministro Edson Fachin,
relator da Lava-Jato, que estava perdendo quase todas as votações na Segunda
Turma, presidida pelo ministro Gilmar Mendes.
O
argumento utilizado para a mudança foi o fato de que a decisão de atribuir os
julgamentos às turmas fora uma decorrência do acúmulo de processos no STF, o
que não ocorreria mais. A proposta de Fux pegou os chamados “garantistas” de
surpresa. De certa forma, dará uma sobrevida para a Lava-Jato no caso dos
processos relatados pelo ministro Fachin, cujas investigações estão concluídas.
Os casos que ainda estão sendo investigados pelo Ministério Público Federal
(MPF) são outra história: vão depender das medidas adotadas pelo
procurador-geral da República, Augusto Aras, para enquadrar e centralizar a
atuação dos procuradores das forças-tarefas no Paraná, no Rio de Janeiro, no
Distrito Federal e em São Paulo.
Além
disso, houve de fato um descolamento de Bolsonaro da Lava-Jato, assumido
publicamente ontem, que começou com a demissão do ex-juiz Sergio Moro do
Ministério da Justiça. Esse afastamento se consolidou com a aliança do
presidente com o chamado Centrão, cujos partidos são liderados por políticos
tradicionais, quase todos enrolados na operação. Isso significa que Bolsonaro
abdicou completamente da bandeira da ética? Obviamente não. A atuação da
Polícia Federal nos escândalos envolvendo a Saúde, em diversos estados, mostra
exatamente o contrário. O que há é uma separação entre o combate à corrupção e
a Lava-Jato. E a suspeita de que haveria manipulação política nessas ações, mas
esse costuma sempre ser o argumento de defesa dos políticos investigados.
Na verdade, o desgaste ético de Bolsonaro ocorre em razão do caso Fabrício Queiroz, no inquérito que investiga as rachadinhas nos gabinetes dos deputados da Assembleia Legislativa fluminense, no qual familiares do presidente são investigados, sobretudo o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), seu filho mais velho. A mudança de rota do Palácio do Planalto tem muito a ver com isso, pois as investigações forçaram Bolsonaro a articular uma base de apoio mais consistente no Congresso, que não quer nem ouvir falar em Lava-Jato, e promover uma aproximação com Supremo. Estava tudo dominado por Bolsonaro na Segunda Turma, na qual tramita o caso de Flávio, mas a decisão de ontem de levar os processos para o plenário da Corte embaralhou o jogo. Faltou combinar com os russos, isto é, com o presidente do Supremo, Luiz Fux, que não tem vocação para rainha da Inglaterra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário