Bolsonaro
deslocou lastro eleitoral do PT para pequenas localidades do Norte e Nordeste
O
bolsonarismo é, sobretudo, “um fenômeno urbano”, sustenta o cientista
político Jairo Nicolau no
livro “O Brasil dobrou à direita”, lançado nesta semana.
Nele,
o professor da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro procura não explicar a
vitória do ex-capitão, mas fazer um retrato de corpo inteiro dos que o
elegeram, iluminando cada uma de suas características: renda,
gênero, cidade e região de moradia, educação, religião, simpatias e antipatias
políticas.
Primoroso,
o estudo tem o mérito de pulverizar qualquer explicação simplista para a
catástrofe política de 2018. Os antipetistas declarados votaram, como se
esperava, no candidato de extrema direita. Mas representaram apenas 1/3 do
eleitorado. Metade dos votantes, sem posições fortes em relação ao partido de
Lula, dividiram-se por igual entre Bolsonaro e Haddad. Este perdeu em todas as
faixas de idade, mesmo entre os mais jovens —outrora uma base importante do PT.
Se é fato que 70% dos evangélicos sufragaram Bolsonaro, também é fato que ele
predominou entre católicos e seguidores de outras religiões.
O
mais revelador foi sem dúvida o seu êxito em quase todas as grandes cidades,
superando a proporção de votos obtidos pelos antipetistas nas disputas
presidenciais anteriores. A vitória de Bolsonaro, um resultado contingente e
possivelmente evitável —como são todos os triunfos eleitorais—, transformou de
muitas maneiras o panorama político brasileiro.
Talvez
a mudança mais importante para o que virá pela frente tenha sido o deslocamento
do lastro social do PT para as pequenas cidades do Nordeste e do Norte, onde
vivem os eleitores de menor escolaridade e com pouco acesso aos meios
contemporâneos de comunicação. Embora tenha vencido em seis capitais, perdeu na
maioria das cidades grandes, uma posição no mínimo incômoda para um partido
reformador.
É
muito cedo para tirar conclusões sobre a extensão e a profundidade do vínculo
que une os eleitores àquele que conduziram ao Palácio do Planalto. Muito cedo
igualmente para falar em “bolsonarismo” como fenômeno político real e
duradouro, ou em Bolsonaro como líder popular.
Mas
o desafio para as forças comprometidas com a reforma social e a vida civilizada
não é pequeno.
Reaver
as raízes perdidas nas grandes cidades vai demandar mais do que um discurso
sobre os feitos do passado. Talvez exija dar respostas inovadoras para o caos
urbano, a insegurança, a violência cotidiana, as desigualdades de trato no dia
a dia, o acesso desigual a recursos digitais, a imensa sensação de injustiça e
revolta contra a corrupção que degrada a atividade política.
*Maria Hermínia Tavares, Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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