O
dilema que a direção política em Brasília não consegue resolver é simples e
grave
Vamos
simplificar a política brasileira. Ela cabe hoje em poucos números, que
não são bonitos. Um deles: em 1,5 mil municípios brasileiros a ajuda
emergencial de R$ 600 por conta da pandemia DOBROU
a massa de salários do setor formal. É um retrato cruel da miséria brasileira.
Essas
localidades se espalham pelo País inteiro com notável concentração no Norte e
Nordeste. Mesmo no Sul e Sudeste, porém, em mais de 1 mil municípios a massa de
salários do setor formal aumentou pela metade com o auxílio emergencial. Ocorre
que esse efeito tem data para acabar: dezembro, com o fim do coronavoucher.
A
essência do debate político pós-pandemia concentrou-se apenas nesse
aspecto: como financiar um programa social que faça a transição da “emergência”
para uma “renda básica”. Foi um dos raros elogios que a revista Economist dedicou
ao governo brasileiro nos últimos tempos. A melhor conduta em países pobres
como o nosso, assinalou a publicação, é mesmo dar dinheiro direto nas mãos das
pessoas.
Depois
de esperar em vão pela fórmula mágica de onde tirar esse dinheiro – fórmula
que, se presumia, existisse no Ministério da Economia –, o presidente
Jair Bolsonaro trouxe a bordo de sua coordenação política mãos
experientes como as do senador Renan
Calheiros. De quem ganhou fortes elogios por estar desmontando o
“Estado policialesco” da Lava Jato e por ter passado a praticar não a
“velha” ou a “nova” política mas, sim, a “boa” política.
Ela
consiste há décadas em acomodar os mais variados interesses (como subsídios,
renúncias fiscais, penduricalhos de salários, supersalários, entre muitos
outros componentes de gastos públicos que sempre crescem) aumentando a carga
tributária. De jantar em jantar de confraternização – Brasília parece de novo
tão “normal” –, a pergunta é apenas qual será a fórmula de um novo imposto –
dirigido contra o “andar de cima” ou não, mas novo imposto.
Quando
o noticiário político produz todas as noites a confusão entre qual reforma,
qual PEC, qual pacto, qual PL ou qual voz está valendo para definir os rumos,
ele está apenas refletindo a falta de plano, foco e estratégia de um governo
interessado só em reeleição. Soa contundente, e é: há pouco crédito quando o
ministro da Economia reitera que tem um “road map” para a recuperação da
economia. O que há é uma infindável manipulação de prazos regimentais em função
de calendários eleitorais, como se dependesse da eleição de prefeitos a
arrumação do País e a passagem do tempo resolvesse os problemas.
É
verdade que são discretos ainda, mas já não dá para se ignorar os murmúrios em
setores da economia preocupados com a subida dos juros a longo prazo, a
deterioração do câmbio, a velocidade e a sustentação da recuperação
pós-pandemia. Que se assume que será mais lenta do que a recuperação lá fora e
nem um pouco homogênea (os exemplos mais fortes estão no contraste entre
construção civil, no lado que volta a sorrir, e o de serviços como turismo e
gastronomia, entre outros).
Nota-se
clara convergência entre os relatórios de grandes bancos, o próprio Banco
Central e o FMI quando se trata da crescente preocupação que essas
várias instituições manifestam frente à dívida pública e à situação fiscal. No
fundo, elas se voltam de olhos cada vez mais arregalados para a política
brasileira diante de seu dilema: como proteger as camadas mais vulneráveis, que
ficaram ainda mais vulneráveis, sem arrebentar a credibilidade do trato das
contas públicas.
O
problema é, simplesmente, miséria.
* Jornalista e apresentador do jornal da CNN
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