De
repente a palavra ‘presencial’ ganhou notoriedade
Cada
era com seu vocabulário. De repente a palavra “presencial” ganhou uma
notoriedade que antes não tinha. Presencial: significando na presença física
de, em contraste com a ausência de, ou com a presença apenas virtual de. Uma
palavra de muitos sentidos, perfeita para esta era de dissimulações, que só
vendo, tocando e cheirando para crer.
Outra
expressão que deve sua existência à era surgiu no mundo rarefeito do jargão
econômico. Inventada, até onde eu sei, pelo ministro Paulo Guedes, que se sai
melhor fazendo frases do que dirigindo a Economia. Guedes chama de “fura-teto”
quem quer ultrapassar os limites da responsabilidade fiscal e se declara um
defensor da inteireza do teto, ameaçada por gastadores com seus sonhos
igualitários irrealistas. Em todo lugar em que os “fura-tetos” são demonizados,
o capitalismo se penitencia, se penitencia, mas não muda. No fundo, o que se
discute não é a defesa do sacrossanto teto, mas sua utilidade nos rituais de
falsa penitência com que o capital protege sua alma junto com seus lucros,
enquanto o sonho é eternamente adiado.
O
livro “O capital no seculo XXI” é um tijolo de 700 paginas que seu autor,
Thomas Piketty, atirou contra a confortável certeza de que é só dar tempo ao
capital que ele se reformará sozinho, provando com estatísticas e gráficos (e
sabendo-se o que se sabe do prontuário do capitalismo) que o milagre é
improvável, e afundando no processo de ilusões social-democratas. Há pouco saiu
outro tijolo do Piketty, este com mais de mil páginas, intitulado “Capital e
ideologia”. Quem teve preparo físico para enfrentar o novo livro, como o
economista Paulo Gurgel Valente, que fez uma valiosa leitura crítica, gostou do
que leu, principalmente porque “Capital e ideologia” é mais abrangente do que o
livro anterior, cobrindo mais história, geografia e economia — apesar de dar
pouca atenção ao Brasil.
Piketty não tem problema em contrariar a ortodoxia marxista, mas deixa claro que é um “fura-teto” convicto. Sabe que pertence a uma minoria: pode contar nos dedos da mão invisível do mercado que os neoliberais tanto gostam de citar a quantidade de economistas do seu lado. Mas é um aliado precioso. Pelos seus tijolaços certeiros.
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