O fim do auxílio emergencial é uma decisão correta, mas não indolor no curto prazo
É
surpreendente a velocidade de recuperação da atividade econômica, ainda que não
exatamente em forma de “V”. Como não existe milagre em Economia, é importante
entender as causas e compreender os riscos adiante.
Vale
repetir que há uma boa dose de artificialismo no aumento do consumo, puxado
pelas classes populares, por conta do generoso Auxílio Emergencial. Além disso, a volta é bastante
heterogênea entre os setores. O isolamento social redireciona recursos que
iriam para o dispêndio com serviços para o consumo de alguns produtos
associados ao maior tempo em casa.
Os
dois fatores acima explicam, em boa medida, a performance das indústrias de
alimentos, bebidas e bens duráveis (excluindo automóvel), que tiveram
crescimento de 6%, 12% e 13%, respectivamente, em agosto na comparação anual.
Na mesma toada, a produção de insumos da construção (+4%) se beneficia do
“consumo formiguinha” (varejo), que subiu 23%.
Não
é só isso. Há o efeito da balança comercial, ainda que menos importante. Do
lado das exportações, pessoalmente, eu não esperava uma volta tão rápida das
encomendas da China. O fato é que o país se defendeu bem da doença e, dentro
do esperado, pisou no acelerador das políticas de estímulo, gerando aumento das
importações (+11% em volume em julho na comparação anual). Enquanto isso, a
volta do comércio mundial tem sido mais rápida do que na crise global de
2008-09, quando o crédito ao comércio secou.
Apesar
disso, os países emergentes não têm reagido, em média, tão bem como na crise
anterior, algo esperado diante da natureza da crise atual. De qualquer forma,
o Brasil está melhor posicionado para se beneficiar dos
ventos favoráveis do comércio exterior: a pauta exportadora é mais concentrada
em commodities e pouco depende de derivados de petróleo,
e a parceria com a China é grande e cresceu (destino de 50% das exportações
ante 38% há um ano). Além disso, os preços de commodities agrícolas e metálicas
mostraram-se resistentes, em contraste com a queda livre de preços petróleo e
derivados.
Assim,
as exportações brasileiras destoam positivamente (+11% em volume na média de
junho a agosto), enquanto outros amargam por conta da dependência no petróleo (Colômbia),
nos EUA (México)
e nas manufaturas (Argentina), inclusive para o Brasil. Não é tanto a alta do
dólar que explica o resultado, apesar do benefício à rentabilidade dos
exportadores.
Do
lado das importações, há boas notícias para a indústria. Nota-se uma reversão
na tendência de aumento da participação de importados na economia dos últimos
anos. O movimento não se resume à alta do dólar.
A excessiva volatilidade do câmbio atrapalha bastante os importadores e ainda
ocorrem problemas nas cadeias de suprimento.
Tudo
somado, o resultado é que, diferentemente do que ocorreu em 2009, a produção
industrial no Brasil tem exibido performance relativamente melhor do que a da
média dos emergentes. Na indústria, a recuperação é em “V” e a criação de
empregos no setor reage. Muitos celebram, discretamente.
Mas
qual será o motor da economia daqui para frente? Aqueles de agora não estarão
operando em breve. O fim do Auxílio Emergencial é uma decisão correta, mas não
indolor no curto prazo. Mesmo que seja criado o Renda Cidadã,
ele poderá custar em um ano o que o Auxílio custa em um mês (em torno de R$ 50
bilhões). Convém cautela em relação ao crescimento da China, que dá sinais de
acomodação depois da rápida volta, em meio às conhecidas restrições
estruturais. E não há espaço para estímulo fiscal e tampouco para cortes de
juros, pelo contrário, diante do elevado risco fiscal. A fatura chega.
Estruturalmente,
o País sai mais fraco da crise. Há recuo da taxa de investimento e do
investimento direto estrangeiro (com provável queda no “market share” global) e
o fechamento de empresas mais sofisticadas (com capital organizacional). Isso
em meio à baixa produtividade e ao despreparo de muitas empresas e da mão de
obra para as novas tecnologias que se impõem.
Alívio,
sim. Visão míope, não.
*Consultora e doutora em economia pela USP
Nenhum comentário:
Postar um comentário