quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Zeina Latif* - Castelo de areia

 

- O Estado de S.Paulo

O fim do auxílio emergencial é uma decisão correta, mas não indolor no curto prazo

É surpreendente a velocidade de recuperação da atividade econômica, ainda que não exatamente em forma de “V”. Como não existe milagre em Economia, é importante entender as causas e compreender os riscos adiante. 

Vale repetir que há uma boa dose de artificialismo no aumento do consumo, puxado pelas classes populares, por conta do generoso Auxílio Emergencial. Além disso, a volta é bastante heterogênea entre os setores. O isolamento social redireciona recursos que iriam para o dispêndio com serviços para o consumo de alguns produtos associados ao maior tempo em casa.

Os dois fatores acima explicam, em boa medida, a performance das indústrias de alimentos, bebidas e bens duráveis (excluindo automóvel), que tiveram crescimento de 6%, 12% e 13%, respectivamente, em agosto na comparação anual. Na mesma toada, a produção de insumos da construção (+4%) se beneficia do “consumo formiguinha” (varejo), que subiu 23%.

Não é só isso. Há o efeito da balança comercial, ainda que menos importante. Do lado das exportações, pessoalmente, eu não esperava uma volta tão rápida das encomendas da China. O fato é que o país se defendeu bem da doença e, dentro do esperado, pisou no acelerador das políticas de estímulo, gerando aumento das importações (+11% em volume em julho na comparação anual). Enquanto isso, a volta do comércio mundial tem sido mais rápida do que na crise global de 2008-09, quando o crédito ao comércio secou.

Apesar disso, os países emergentes não têm reagido, em média, tão bem como na crise anterior, algo esperado diante da natureza da crise atual. De qualquer forma, o Brasil está melhor posicionado para se beneficiar dos ventos favoráveis do comércio exterior: a pauta exportadora é mais concentrada em commodities e pouco depende de derivados de petróleo, e a parceria com a China é grande e cresceu (destino de 50% das exportações ante 38% há um ano). Além disso, os preços de commodities agrícolas e metálicas mostraram-se resistentes, em contraste com a queda livre de preços petróleo e derivados.

Assim, as exportações brasileiras destoam positivamente (+11% em volume na média de junho a agosto), enquanto outros amargam por conta da dependência no petróleo (Colômbia), nos EUA (México) e nas manufaturas (Argentina), inclusive para o Brasil. Não é tanto a alta do dólar que explica o resultado, apesar do benefício à rentabilidade dos exportadores.

Do lado das importações, há boas notícias para a indústria. Nota-se uma reversão na tendência de aumento da participação de importados na economia dos últimos anos. O movimento não se resume à alta do dólar. A excessiva volatilidade do câmbio atrapalha bastante os importadores e ainda ocorrem problemas nas cadeias de suprimento.

Tudo somado, o resultado é que, diferentemente do que ocorreu em 2009, a produção industrial no Brasil tem exibido performance relativamente melhor do que a da média dos emergentes. Na indústria, a recuperação é em “V” e a criação de empregos no setor reage. Muitos celebram, discretamente.

Mas qual será o motor da economia daqui para frente? Aqueles de agora não estarão operando em breve. O fim do Auxílio Emergencial é uma decisão correta, mas não indolor no curto prazo. Mesmo que seja criado o Renda Cidadã, ele poderá custar em um ano o que o Auxílio custa em um mês (em torno de R$ 50 bilhões). Convém cautela em relação ao crescimento da China, que dá sinais de acomodação depois da rápida volta, em meio às conhecidas restrições estruturais. E não há espaço para estímulo fiscal e tampouco para cortes de juros, pelo contrário, diante do elevado risco fiscal. A fatura chega.

Estruturalmente, o País sai mais fraco da crise. Há recuo da taxa de investimento e do investimento direto estrangeiro (com provável queda no “market share” global) e o fechamento de empresas mais sofisticadas (com capital organizacional). Isso em meio à baixa produtividade e ao despreparo de muitas empresas e da mão de obra para as novas tecnologias que se impõem. 

Alívio, sim. Visão míope, não.

*Consultora e doutora em economia pela USP

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