Parece incrível, a velha política de conciliação começa a dar o ar de sua graça novamente, nas articulações de bastidor, envolvendo o governo Bolsonaro, o Congresso e o Supremo
Um
dos períodos mais turbulentos da História do Brasil foi o regencial, entre a
abdicação de D. Pedro I, em 1831, e o Golpe da Maioridade de D. Pedro II, então
com 15 anos, em 1840. Os liberais reivindicavam a ampliação da autonomia dos
governos provinciais e a reforma de alguns aspectos contidos na Constituição de
1824; os conservadores eram favoráveis à manutenção da estrutura política
centralizada e à preservação dos poderes reservados ao imperador. Foi um
período em que a integridade territorial do Brasil e a monarquia andaram
ameaçadas por rebeliões sangrentas: Cabanada (1832-1835), em Pernambuco;
Farroupilha (1835-1845), no Rio Grande do Sul (República Rio-grandense) e em
Santa Catarina (República Juliana); Cabanagem (1835-1840), no Pará; Revolta dos
Malês (1835); Sabinada (1837-1838), na Bahia; Balaiada (1838-1841), no
Maranhão.
Nesse
ambiente, ao assumir o governo, o jovem imperador D. Pedro II foi apoiado e
prestigiou a presença de liberais no ministério, mas os escândalos de violência
e corrupção nas eleições provocaram a dissolução do gabinete liberal e
convocação dos conservadores de volta ao poder. Como as disputas entre ambos
continuaram, a alternativa foi D. Pedro II buscar uma posição de equidistância
e formar um gabinete com figuras ilustres das duas correntes políticas. Foi
assim que nasceu o Ministério da Conciliação, em 1853, encabeçado pelo mineiro
Honório Hermeto Carneiro Leão, o Marquês de Paraná. Apesar de ter-se extinguido
formalmente em 1858, esse sistema de alianças se manteve até a década de 1870,
marcando o apogeu do período imperial, financiado pelos recursos advindos da
exportação do café. As pressões decorrentes da Guerra do Paraguai (1864-1870) e
o crescimento das lutas pela abolição da escravidão levariam à ruptura da
conciliação, resultando na criação do Partido Republicano por setores liberais
mais radicais, em 1870.
O
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, artífice de uma aliança improvável
entre o PSDB e o antigo PFL nas eleições de 1994, juntamente com o falecido
deputado federal Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA), recomendava a seus ministros
e aliados a leitura de Um Estadista no Império, de Joaquim Nabuco, que exalta a
política de conciliação como uma estratégia fundamental para consolidação do
Brasil como nação e sua governabilidade. Era uma resposta às críticas que
sofria por parte de lideranças de seu próprio partido e da esquerda de modo
geral, por causa das alianças que fez com os setores conservadores,
principalmente os políticos que representavam as oligarquias do Norte e do
Nordeste.
Pacto
fiscal
Desde
o Império, não foram poucos os momentos em que a política de conciliação
renasceu das cinzas. A eleição de Prudente de Moraes, por exemplo, na sucessão
de Floriano Peixoto, em 1894, foi um deles, pois conseguiu pacificar o Rio
Grande do Sul, negociando o fim da Revolução Federalista (1893-1895). Outro
momento importante foi o governo de Juscelino Kubistchek, eleito com base numa
aliança de pessedistas, trabalhistas e comunistas. No governo Jango, o regime
parlamentarista foi uma tentativa de conciliação, encabeçada por Tancredo Neves
e San Tiago Dantas, que acabou frustrada pela volta do presidencialismo, em
1962, aprovado em plebiscito, e o radicalismo da esquerda, que não queria a
volta de Juscelino, nas eleições previstas para 1965, em razão de sua política
de “conciliação com o imperialismo”.
Por
mais incrível que possa parecer, a velha política de conciliação começa a dar o
ar de sua graça novamente, nas articulações de bastidor, envolvendo o governo
Bolsonaro, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). É um pacto
conservador, que está sendo urdido a churrascos, pedaços de pizza, uísque, café
e tubaína, mas ninguém pode negar que o primado da política está se
restabelecendo. Se a oposição está perplexa e imobilizada com o que está
acontecendo, a extrema-direita bolsonarista, mais ideológica, está esperneando
e se sentindo traída. Os fatos estão mostrando uma mudança de estratégia do
Palácio do Planalto, além de um reposicionamento de outros atores políticos,
que sempre foram influentes no Congresso.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Economia, Paulo Guedes, por exemplo, que andavam se digladiando em público, selaram um pacto em defesa do teto de gastos, em nome da responsabilidade fiscal. O grande padrinho do encontro foi o senador Renan Calheiros (MDB-AL), por intermédio do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas e do seu atual presidente, José Múcio Monteiro, uma velha raposa política pernambucana, que patrocinaram um jantar entre ambos, que teve como madrinha a senadora Kátia Abreu (MDB-TO). Isso quer dizer que tudo está pacificado? Longe disso. O senador Márcio Bittar (MDB-AC) ainda não conseguiu arrancar da equipe econômica de Guedes uma fonte de pagamento para o Renda Cidadã, cujo relatório ficou para a próxima semana. Enquanto isso, o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e o líder do Centrão, deputado Arthur Lira (PP-AL), disputam o controle da Comissão de Orçamento da União.
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