Programas
de candidatos são imprecisos e medrosos
As
cidades são responsáveis diretas por parte da oferta de serviços e
financiamento das ações de saúde. Em 2019, 23% das internações, 44% dos
procedimentos ambulatoriais e 30% dos recursos financeiros para o SUS foram
originados nos municípios brasileiros. Além da geração de atividades e receitas
próprias, os municípios recebem repasses da União e estados e realizam
convênios com instituições públicas, filantrópicas e privadas.
Como
a procura por cuidados e a insatisfação com o atendimento ocorrem nos
municípios, as eleições para prefeitos e vereadores propiciam um debate
objetivo sobre saúde, especialmente ao coincidirem com uma crise sanitária
global. A maioria dos 14 programas que concorrem à prefeitura do Rio de Janeiro
menciona consequências da transmissão da Covid-19 e contém propostas concretas
e coincidentes para ampliar a saúde pública.
São
pontos de convergência entre candidaturas situadas em qualquer ponto do
gradiente esquerda-direita: a expansão das unidades de atenção básica; a adoção
de tecnologias de informação, seja no âmbito administrativo, seja como
complemento ao atendimento presencial; e a disposição para organizar e
dinamizar o complexo de pesquisas e produção de vacinas, testes e equipamentos.
A valorização de necessidades especificas de saúde para a população negra e
LGBT é quase consensual. Fica explícita, inclusive, no programa do PSL
(ex-partido do presidente Bolsonaro) e escondida na plataforma do prefeito,
candidato à reeleição.
Segundo
os programas eleitorais, o SUS carioca ficará maior, terá informações mais
acessíveis por meios digitais e assistência digna, decorrente da redução de
preconceitos e estigmas, bem como da articulação da prefeitura com as
universidades, Fiocruz e indústrias setoriais. Mas as justaposições sobre a
importância do SUS não se repetem na definição sobre como, com quem e quando
essas medidas serão efetivadas. Os documentos programáticos são obrigatórios
para o registro de candidatos a cargos executivos, mas não existem regras sobre
conteúdo e forma. Cada partido político ou coligação decide sobre a divulgação
de suas proposições. Existem programas-livros e outros com menos de dez
páginas. Apesar das diferenças de tamanho, as ideias sobre a execução das
políticas propostas são quase sempre difusas, apenas se examinadas detidamente
permitem detectar divergências.
Todos
são favoráveis ao SUS, ao crescimento das atividades de saúde pública, mas as
soluções variam desde gastar mais R$ 5 bilhões com saúde no primeiro ano de
mandato até a redução de despesas. Tampouco existe concordância sobre os
profissionais de saúde. As promessas incluem a contratação de seis mil para a
rede pública, aumentar salários e realizar concursos, mas também retomam a
velha acepção — comprovadamente inviável desde os anos 1970 — de credenciar
consultórios médicos particulares. Críticas às organizações sociais unem as
candidaturas de esquerda e a de Crivella. A defesa do modelo de delegação da
gestão a terceiros ficou a cargo dos partidos Novo, Socialista Cristão e Social
Liberal. As filas de espera para consultas especializadas, exames e internações
são motivo de preocupação, mas seguem não equacionadas. O único candidato que
avança nas metas para fazer a fila andar afirma que, no final de seu mandato, a
demora será 30% menor. Um desconto com pouco sentido prático. Pessoas com
catarata, que não conseguem sair de casa porque não enxergam, em vez de
permanecer assim durante 365 dias, serão condenadas a ficar nessa condição
durante 255 dias em 2024. A espera seguiria sendo interminável
Temas tabus estão ausentes. São cinco mulheres candidatas, e praticamente zero palavra sobre aborto. A cidade “pestilenta”, denominada túmulo dos estrangeiros no final do século XIX, foi objeto de políticas efetivas de saúde pública. Em 2020, a cidade com a mais elevada taxa de letalidade por Covid-19 entre os municípios brasileiros tem um SUS degradado, concentrado nas áreas de maior renda. Os programas eleitorais estabelecem um terreno comum para o debate sobre saúde, mas são imprecisos e medrosos. Temos tempo até novembro para exigir coerência e elucidação das plataformas eleitorais.
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