Os
danos colaterais serão enormes
Algumas
perguntas a respeito da surpreendente nomeação do desembargador Kassio Nunes Marques para
ministro do Supremo Tribunal Federal já havia sido respondidas. Como o nome
dele chegou ao presidente Jair Bolsonaro? Foi levado pelo advogado Frederick
Wassef, aquele que escondeu Fabrício Queiroz em sua casa de Atibaia, e
avalizado pelo senador Flávio Bolsonaro.
Quem
conduziu Kassio pela mão para audiência no Palácio da Alvorada com Bolsonaro?
Foi o senador Ciro Nogueira, presidente do Partido Progressista, um dos líderes
do Centrão, e alvo de ações da Lava Jato. Kassio apresentou-se como candidato a
uma vaga de ministro no Superior Tribunal de Justiça, que é o que ele era.
Bolsonaro gostou da conversa e decidiu: “Vai para o Supremo”.
Faltava
resposta pelo menos a uma pergunta: por que a pressa de Bolsonaro em nomear
Kassio se a vaga do ministro Celso de Mello, o decano do Supremo, se ele só se
aposentará na próxima semana? Seria uma descortesia, mas não só. Seria romper
com a praxe seguida pelos presidentes anteriores de gastar algum tempo para
refletir melhor sobre os nomes de aspirantes à vaga.
Com
a descoberta, ontem, de que o currículo de Kassio está impregnado de falsos
títulos acadêmicos e de alguns duvidosos, a resposta à pergunta sobre o motivo
de tanta pressa parece evidente. Era preciso correr contra o tempo para que o
teste do currículo do desembargador não desse positivo para mentiras. A dar,
que isso só ocorresse depois de sua aprovação pelo Senado.
Além
de Bolsonaro, a operação “Acelera, Kassio!” envolveu dois ministros do Supremo,
Gilmar Mendes e Dias Toffoli, líderes do Centrão como Nogueira, e David
Alcolumbre (DEM) presidente do Senado. Gilmar e Toffoli talvez não soubessem
dos furos no currículo do seu futuro colega. Avaliaram que ele seria mais um
aliado das teses que defendem dentro do Supremo.
Nogueira
é conterrâneo de Kassio, ambos do Piauí, e seu amigo. Interessado em cargos
onde quer que eles estejam, o Centrão uniu-se a Bolsonaro e compartilha também
o seu propósito de desmanchar a Lava Jato. Para tal, a presença de Kassio no
tribunal seria mais um voto certo. Alcolumbre… Bem, esse quer se reeleger
presidente do Senado e faz o que Bolsonaro lhe pede.
Ainda
está por vir muita coisa capaz de criar dificuldades para a nomeação de Kassio.
Se não pôde fechar o Supremo como cogitou no final de maio último, sem
encontrar apoio nem mesmo entre os militares que o vigiam de perto, Bolsonaro
conseguiu infectá-lo com o poderoso vírus da banalização. O que antes era só
desprestígio do tribunal agora é de todo o Poder Judiciário.
E
com severos danos colaterais a serem registrados no exterior, afinal, Kassio
pôs no currículo cursos e títulos fantasmas de universidades de boa reputação.
Não se espere, porém, nenhuma reação do Supremo em legítima defesa de sua
imagem conspurcada. Falta fibra à boa parte dos seus integrantes, coragem para
se insurgir, e sobram receios.
Ah,
as fraquezas humanas! Quem não as tem? Dos 11 ministros do Supremo, um cometeu
o mesmo pecado de Kassio; outro deve sua indicação à mulher do presidente que o
nomeou; outro contou com a colaboração de uma empresa para ser aprovado pelo
Senado; outro foi reprovado em concursos para juiz; e outro agradeceu de
joelhos à mulher do governador que o ajudou a chegar lá.
Por
que Kassio Nunes não pode ser ministro do Supremo
O
que a Constituição exige
O
desembargador Kassio Nunes Marques, nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro para
ministro do Supremo Tribunal Federal, disse ontem a um grupo de senadores, em
conversa reservada, que já sabe como driblar os efeitos deletérios da
descoberta de que seu currículo está repleto de falsos títulos.
Segundo
ele, a Constituição não exige do indicado que seja formado em Direito. Basta
que tenha mais de 35 anos, menos de 75, e reputação ilibada. Usará desse
argumento para defender-se nos próximos dias. Esqueceu-se de dizer que a
Constituição exige também “notável saber jurídico”. E aí está o nó. Ou deveria
estar.
“Notável”, segundo os dicionários, é toda pessoa renomada, destacada e famosa por suas obras ou seus feitos. Uma pessoa insigne. Sem a produção de obras ou feitos relevantes ou as duas coisas, não há notabilidade em termos técnicos e jurídicos. Assim entenderam os autores da Constituição em vigor desde 1988.
José
Afonso da Silva, o professor de Direito Constitucional mais citado pelos
ministros do Supremo Tribunal Federal em seus votos, ensina em um dos seus
muitos livros:
“[…]
não bastam, porém, a graduação científica e a competência presumida do diploma;
se é notável o saber jurídico que se requer, por seu sentido excepcional, é
porque o candidato deve ser portador de notoriedade, relevo, renome, fama, e
sua competência ser digna de nota, notória, reconhecida pelo consenso geral da
opinião jurídica do país e adequada à função”.
Kassio
não tem esse perfil. Ou porque é muito jovem, 48 anos apenas, ou porque se
formou muito tarde, a acreditar-se no que ele diz. Ou simplesmente porque não
escreveu livros nem é autor de feitos relevantes. Decididamente, sua
competência não é reconhecida “pelo consenso geral da opinião jurídica do
país”.
De resto, seus poucos e ralos títulos estão sendo contestados pelas entidades que supostamente os conferiram. Precisa mais?
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