O
presidente é solitariamente o indivíduo que mais contribuiu para a encrenca em
que o Brasil está metido, à beira de um colapso sanitário
A tragédia foi
anunciada há um ano. Desde fevereiro de 2020 sabia-se que a pandemia de
coronavírus deveria ser tratada com todo rigor pelas autoridades, nas três
instâncias de poder, e pelos brasileiros, em cada um dos cantos da Nação. Foi
já neste começo que percebemos que não dava para contar com a contribuição do
presidente do Brasil. Jair Bolsonaro fez graça e piada sobre a “gripezinha” e
desafiou a ciência ao propor tratamento alternativo inteiramente ineficiente.
Jamais respeitou o distanciamento social recomendado e quase nunca usou máscara
para se proteger e proteger os demais.
O
exemplo do principal líder do país repercutiu de maneira devastadora.
Bolsonaristas passaram a usar a mesma retórica, os mesmos argumentos do mito,
deixaram as máscaras em casa e se aglomeraram. O Ministério da Saúde, seguindo
as instruções absurdas do presidente, instrumentalizou a Anvisa, deixou de
comprar vacinas, torpedeou o quanto pôde o Instituto Butantan e receitou
cloroquina para quem sentia falta de ar e não dispunha de oxigênio para se
socorrer.
O
fanatismo de Bolsonaro foi de tal ordem que ele chegou agora ao ponto de
atacar o uso de máscaras. Citando estudo de uma universidade alemã que não
identificou, disse que máscaras são prejudiciais porque podem irritar e
desconcentrar as pessoas, além de causarem dor de cabeça. Pode? Não pode. Sob
qualquer ângulo que se observe, a afirmação do fanático é estúpida. No mesmo
dia em que ele pronunciava a barbaridade, 1.582 brasileiros morriam em
consequência da doença.
Fora um ou outro, governadores e prefeitos Brasil afora não caíram imediatamente na falácia presidencial. Em alguns casos, corretamente, decretou-se lockdown nos momentos mais agudos da crise no ano passado. Os resultados foram positivos, nenhuma dúvida. Mas, do lado de fora, Bolsonaro torpedeava os que endureciam acusando o desarranjo que o fechamento produziria na economia. Aos poucos, a contaminação tomou também a consciência de alguns mandatários em estados e municípios.
No
Rio, por exemplo, hospitais de campanha foram fechados prematuramente e
ambientes propícios à aglomeração, como shoppings, bares e restaurantes, foram
reabertos muito rapidamente. Morrem quase 200 pessoas a cada dia no estado. Nas
últimas duas semanas foram registrados 30 mil novos casos por aqui. As praias
estão abertas e os calçadões fechados no domingo para que o carioca possa se
divertir e se aglomerar tranquilamente. Aliás, por que as praias do Rio
continuam abertas?
A fantástica aglomeração observada no Palácio do Planalto no dia da posse do novo ministro João Roma foi mais um exemplo de como os homens que ocupam o poder se lixam para a doença. O que viu foi de causar inveja até mesmo nas noites mais quentes da Dias Ferreira. Nem a garotada desgarrada da Zona Sul do Rio consegue superar o capitão. Só os fins de semana de sol em Ipanema, Copacabana e Leblon aglomeram tanta gente.
A
infâmia produzida em escala nacional por Jair Bolsonaro gera crias
estaduais e municipais que ampliam seu poder deletério. O presidente é
solitariamente o indivíduo que mais contribuiu para a encrenca em que o Brasil
está metido, à beira de um colapso sanitário. Mas seus filhotes, espalhados por
todos os lados da organização do Estado nacional, ajudam muito no esforço do
capitão para solapar os brasileiros.
Francamente
Ao anular as quebras de sigilo aprovadas pelo juiz Flávio Itabaiana, o STJ atrasou por pelo menos três anos o andamento na Justiça do caso das “rachadinhas” de Flávio Bolsonaro na Alerj. Ficará tudo para depois das eleições de 2022. Um belo serviço prestado ao capitão. Todas as evidências dos crimes cometidos estão no inquérito, com testemunhas, operadores e pessoas beneficiadas. Até Michelle, a mulher do presidente, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz. O dinheiro era desviado dos salários de funcionários do gabinete e caía nas contas do zerinho, da sua mulher e da sua madrasta. Os servidores do gabinete pagavam até a escola dos netos de Bolsonaro. Mas três de quatro juízes, orientados pelo voto de João Otávio de Noronha, não aceitaram a quebra do sigilo que revelou a corrupção porque suas excelências não enxergaram “fundamentação” para tanto.
Vai ter que remar
Depois
desta semana, Augusto Aras vai ter que fazer muito esforço e malabarismo para
voltar a se destacar na corrida pela vaga de Marco Aurélio Mello no
STF. Ainda restam alguns meses, tempo suficiente para o capitão e sua turma
aloprada aprontarem mais uma. E então, Aras voltará a ser útil.
Bittar
na história
Há
duas categorias de abilolados. A primeira é formada pelos que se envergonham da
sua condição e tentam não fazer muito barulho para passarem despercebidos. A
segunda reúne gente que fala o que lhe dá na telha e tenta tocar ideias malucas sem
se preocupar com o impacto que podem causar em sua imagem, como o senador
Márcio Bittar, relator da PEC do auxílio emergencial. O senador propõe
suspender os gastos mínimos com Saúde e Educação, desviando parte desse
dinheiro para os gastos emergenciais. A ideia, que não é dele, contempla o
pacote liberal de Paulo Guedes. Não deve passar, mas com esse Senado nunca se
sabe. Se a PEC passar, Bittar será eternamente lembrado como a tesoura de Saúde
e Educação.
Se
está sobrando...
De
acordo com levantamento do Tribunal de Contas da União, 6.157 militares das
três Forças Armadas servem em postos civis no governo Bolsonaro. Destes, 3.029
são da ativa, segundo o Ministério da Defesa. Com o contingente desviado de
função, dá para montar uns cinco ou seis batalhões de infantaria do
Exército. Se esse volume de gente não faz falta às Forças Armadas, não seria o
caso de reduzir o tamanho do aparato todo e economizar recursos? Olha uma
oportunidade aí, Bittar.
Flamengo
Difícil
falar de qualquer coisa importante depois do octacampeonato do Flamengo.
Pretendia usar minha coluna para, além de declarar meu total apoio ao mais
querido, enaltecer a conquista de quinta-feira. Mas, aí apareceu o nosso
capitão.
Não
toquem nas Laranjeiras
O
prefeito Eduardo Paes pediu ao governador Cláudio Castro que desista da ideia
de transformar o Palácio Laranjeiras em museu. Jurou que ele mesmo cuidará do
assunto mais adiante, mas antes disso quer morar na residência oficial
do governo estadual. Claro que antes ele tem que ser eleito governador. O
prefeito, que adora uma residência oficial, morou seus dois primeiros mandatos
na casa da Gávea Pequena, para onde voltou agora. No Laranjeiras, todo mundo
sabe, habitam muitos fantasmas, mas Paes não se importa.
Claro,
prefeito
O
museu terá de esperar. O governador não vai desagradar o prefeito, sobretudo
porque ele poderá ser o seu principal cabo eleitoral para uma
eventual candidatura pela reeleição. Castro é de longe a melhor opção para
Paes, que não vai se desincompatibilizar da prefeitura para concorrer em 2022.
Ele calcula que se outro for eleito no ano que vem, será um adversário forte em
2026, ano em que o prefeito quer se eleger governador para ir morar no
Laranjeiras. Com Castro no lugar, o caminho fica mais fácil.
Melhor que o paraíso
O
ex-senador Darcy Ribeiro costumava dizer que o Senado é melhor do que o
paraíso, porque não é preciso morrer para dele usufruir, basta ter um
mandato. E olha que na época de Darcy não se discutia a total e absoluta
impossibilidade de a Justiça punir um parlamentar, como prevê a PEC da
Impunidade. Imagina o que o senador diria hoje, lembrando que pela emenda, o
paraíso terrestre passa a ser acessível também aos deputados. Todos terão
liberdade para delinquir à vontade.
Coronel
Fan Coil
A comunicação do Planalto vai mudar. O civil Fábio Wajngarten dá lugar ao almirante Flávio Rocha. Do primeiro nunca se obteve uma informação relevante que fosse. Do segundo pode-se esperar menos. São os legítimos sucessores do “coronel Fan Coil”, do governo do general João Figueiredo. Fan Coil é um sistema de refrigeração central. Grande, exige espaço amplo e exclusivo. No Planalto de Figueiredo havia uma sala para o equipamento com o seu nome numa placa na porta. Todo jovem jornalista que iniciava a cobertura do Planalto era instruído pelos mais velhos a procurar o coronel Fan Coil no quarto andar, que ele sempre tinha boa informação. Era só chegar, bater na porta e esperar ele abrir. Poderia demorar, mas valia a pena. Mesmo os que caíram no trote tiveram com Fan Coil mais informação do que conseguiriam com a turma de hoje.
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