As articulações políticas para derrotar Bolsonaro estão olhando para as urnas e se esquecendo da sociedade —estão preocupadas demais com Bolsonaro e pouco preocupadas com o bolsonarismo.
Talvez
seja perfeitamente exequível derrotar Bolsonaro nas urnas em 2022, mas ainda
será necessário lidar com o pesado fardo do bolsonarismo.
A
comparação com o trumpismo, espécie de contrapartida americana do bolsonarismo,
pode ser instrutiva. Trump foi derrotado nas urnas e tentou sem sucesso
pressionar a Justiça e o Congresso a não reconhecer o resultado —o trumpismo,
porém, segue vivo.
Quarenta e três por cento de todos os eleitores americanos e 74% dos republicanos acreditam que as eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos foram fraudadas. Mesmo após a divulgação das chocantes imagens de violência, num episódio que deixou 5 mortos, 21% de todos os eleitores e 45% dos republicanos aprovam a invasão do Congresso americano.
Um episódio recente do podcast “The Daily”, do jornal
“The New York Times”, entrevistou trabalhadores e donas de casa, eleitores
comuns de Donald Trump, para saber o que pensavam da invasão do Congresso
americano. Embora geralmente tenham condenado a violência, muitos falaram de
uma “guerra civil” contra os progressistas que, embora indesejada, lhes parecia
inevitável.
Qualquer
passeio pelos fóruns republicanos na internet está recheado de menções à guerra
civil emergente, para a qual é preciso se preparar e se armar. Uma pesquisa publicada duas semanas atrás mostrou que
assustadores 36% dos americanos (e 56% dos republicanos) acreditam no uso da
força para defender o estilo de vida americano.
É
por esse motivo que o bom desempenho eleitoral não é suficiente para enfrentar
o desafio do bolsonarismo.
Em
carta aberta ao STF, o ex-ministro da Segurança Pública e da Defesa Raul Jungmann,
muito acertadamente, alertou para o risco de guerra civil na política de
Bolsonaro orientada ao armamento da sociedade.
Bolsonaro
tem reiteradamente enfatizado que a população precisa se armar para defender
sua liberdade e se proteger de ditadores —não se referindo, claro, àqueles
ditadores que cultua. Tudo sugere que, por “ditador”, se refere a qualquer
adversário que venha a ser eleito. É a maneira como os bolsonaristas já se
referem, aliás, aos governadores que adotam políticas de isolamento social ou
fazem oposição ao governo federal.
Bolsonaro
está fazendo um jogo duplo. De um lado, está minando a confiança popular na
Justiça (inclusive na Justiça Eleitoral), no Congresso e na imprensa. De outro,
está cooptando setores da sociedade, consolidando seu apoio entre policiais e
militares e ampliando sua influência sobre médicos, juristas e órgãos da
imprensa, inclusive da grande imprensa.
Uma crise econômica profunda, o aumento das mortes na pandemia ou um adversário carismático e com apelo junto ao eleitorado podem derrotar Bolsonaro em 2022. Mas, assim como os alemães precisaram desnazificar a sociedade depois da Segunda Guerra, precisaremos ainda extirpar o bolsonarismo entranhado na sociedade brasileira.
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