São
injustas as comparações do prefeito de Sucupira com quem ocupa o Planalto;
aquele pelo menos sabia falar
O
personagem Odorico Paraguaçu, imortalizado por Paulo Gracindo, desfruta hoje de
tanta popularidade quanto na época em que a novela "O
Bem-Amado" foi exibida, em 1973. Coisas de memes:
internautas recuperaram a cena em que o prefeito da fictícia cidade de Sucupira
desvia vacinas que poderiam conter uma epidemia e, alertado para sua
desumanidade, dá de ombros: "E daí?".
Chega
a ser assombrosa a coincidência com o Brasil sob Bolsonaro. Mas injusta com Odorico.
Populista, corrupto e inculto, o político de Dias Gomes tinha lá seu charme
baiano. Sobretudo no uso da linguagem, inspirada nos sermões tonitruantes de
Carlos Lacerda e no estilo cômico de José Cândido de Carvalho no romance
"O Coronel e o Lobisomem". Bolsonaro, chefe de uma Sucupira profunda,
não sabe o que é um discurso elaborado; o negócio dele é cuspir palavras e
palavrões.
A obra está de volta no streaming. Assistir a ela de novo ou pela primeira vez é uma experiência antropológica. No meio de uma conversa aparentemente normal, os seres humanos param de falar, põem a mão no bolso, pegam uma carteira, dela tiram um estranho bastonete, levam-no à boca e o acendem! E, incrível, as pessoas bebem de uma maneira antes conhecida como "socialmente", sem que no capítulo seguinte apareçam numa reunião dos Alcoólicos Anônimos.
As
melhores interpretações (o Zeca Diabo de Lima Duarte, o Dirceu Borboleta de
Emiliano Queiroz, Ida Gomes, Dorinha Duval e Dirce Migliaccio como as irmãs
Cajazeira) escapam ao cacoete da espontaneidade que marcou a dramaturgia da TV
Globo.
Um prazer é reencontrar Nezinho (Wilson Aguiar) e seu jegue Rodrigues --uma brincadeira de Dias Gomes com seu desafeto Nelson Rodrigues. Sóbrio, Nezinho idolatra Odorico; bêbado, o chama de "ladrão de cavalo". Até nisso Bolsonaro perde na comparação: seus adoradores e detratores não são tão engraçados.
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