Chamar
às falas os responsáveis pelo desastre sanitário pode ser um lenitivo para o
patológico descaso com a vida dos brasileiros
Sobre a mesa de trabalho do presidente do Congresso, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), está o pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as ações e omissões do governo federal na condução da crise sanitária provocada pelo novo coronavírus. O pedido é assinado por 31 senadores de 11 partidos. É do mais alto interesse público que esta CPI seja instalada imediatamente.
Pululam
razões para que o Poder Legislativo exerça uma de suas principais prerrogativas
constitucionais, a de fiscalizar o Poder Executivo. De longe, uma CPI é um dos
instrumentos mais graves do sistema de freios e contrapesos, mas gravíssima é a
tragédia que se abateu sobre o País.
Não
é remota a possibilidade de que as atuações do presidente Jair Bolsonaro e do
ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tenham sido determinantes para transformar
o que seria uma profunda crise sanitária neste horror inominável. Um inquérito
parlamentar para apurar responsabilidades, pois, é mandatório.
Já
são mais de 250 mil vítimas fatais da peste. E não há nada que permita ao mais
otimista dos brasileiros sonhar com dias melhores no futuro próximo. Ao
contrário. É duro constatar que, a ser mantido o comportamento desidioso da
dupla Bolsonaro e Pazuello, a Nação está mais próxima de prantear 300 mil vidas
perdidas para o novo coronavírus em poucas semanas do que de ver o
arrefecimento da crise no País.
No mesmo dia em que foi registrado o maior número de mortes por covid-19 em 24 horas no Brasil desde o início da pandemia – 1.582 óbitos, no dia 25 passado –, Bolsonaro foi às redes sociais não para lamentar os mortos, mas para desencorajar o uso de máscaras pela população.
Em
sua irremediável impostura, o presidente aludiu a supostos “efeitos colaterais”
das máscaras que teriam sido “evidenciados” por um “estudo” cujos autores não
conseguiu sequer nominar. De quebra, voltou a criticar as medidas de
distanciamento social adotadas nos Estados para evitar o iminente colapso do
sistema de saúde. Assim, o presidente da República, em vez de usar seu poder de
comunicação para convocar seus compatriotas a se acautelarem em relação ao
coronavírus, faz pouco-caso dos doentes e mortos e incentiva de forma
irresponsável a burla das medidas mais eficazes para frear o espalhamento do
vírus.
É
evidente que este tipo de comportamento irresponsável é apenas uma das tantas
razões que ensejam a criação da CPI da Pandemia sem mais delongas. Quanto mais
rápido os parlamentares investigarem condutas de autoridades federais que
colaboram para o agravamento da crise, mais rápido elas serão cessadas. E
muitas vidas certamente serão salvas.
O
ministro da Saúde, por sua vez, parece ter acordado de um transe e só agora
percebeu a gravidade da crise que, por dever de ofício, teria de administrar.
“O avanço da doença pode surpreender. Não está centrado apenas no Norte e no
Nordeste”, deu-se conta o ministro, até hoje incapaz de mensurar a extensão da
pandemia e, por isso, de apresentar um plano coerente e factível para
enfrentá-la.
Tão
claudicante é a vacinação no País, e tão desleixada é a ação do governo federal
para reverter este quadro, que foi preciso que o senador Rodrigo Pacheco
assumisse a mediação de uma nova rodada de conversas entre as farmacêuticas
Pfizer e Janssen e o Ministério da Saúde para que o Brasil pudesse sonhar em
ter mais vacinas. Ora, só o fato de o presidente do Congresso ter de fazer o
que caberia ao intendente Pazuello é razão mais do que evidente da premência de
uma CPI da Pandemia.
O
presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não vê necessidade de
uma CPI no momento porque, segundo disse, não é hora de “discutir quem é
culpado disso ou daquilo”. De fato, a grande prioridade nacional é vacinar
todos os brasileiros e impedir o colapso do sistema de saúde. Ambas as
providências, contudo, dependem de um Ministério da Saúde que esteja
interessado na saúde dos cidadãos, e não nos objetivos eleitorais do presidente
da República. Assim, uma CPI que chame às falas os responsáveis pelo desastre
sanitário pode funcionar como lenitivo para o patológico descaso do governo
Bolsonaro com a vida de seus governados.
Desafios
da democracia latino-americana – Opinião / O Estado de S. Paulo
Crise
na região pode abrir caminho para a eleição de candidatos populistas
A insatisfação generalizada na América Latina com os altos e persistentes níveis de desigualdade, corrupção, criminalidade e serviços públicos precários provocou um visível desgaste na redemocratização iniciada nos anos 80. Emblematicamente, 2019 foi marcado por protestos violentos, notadamente no Chile, Equador, Bolívia e Colômbia. A pandemia esvaziou as ruas, mas agravou as tensões, prometendo um ciclo eleitoral em 2021-22 dos mais incertos e instáveis.
Como conclui
uma análise do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, em
inglês), a pandemia, a recessão econômica e os debates
emocionalmente carregados sobre o desempenho dos governos “podem fortalecer a
mão dos candidatos populistas, que podem levantar poderosos argumentos
anti-establishment prometendo ao mesmo tempo pródigos aumentos nos gastos
públicos”.
Nenhuma
região foi mais impactada pelo vírus. Com cerca de 8% da população mundial, a
América Latina responde por quase 20% dos casos e 30% das mortes. Os dois
maiores países, Brasil e México, presididos por populistas e negacionistas,
respectivamente à direita e à esquerda, detêm o segundo e o quarto recorde de
mortes.
O
FMI estimou uma contração de 8% do PIB latino-americano em 2020 e projeta uma
retomada modesta de 3,6% em 2021. O colapso do turismo e do varejo praticamente
pulverizou as receitas de muitas localidades. Os níveis de pobreza,
desigualdade e desemprego aumentaram drasticamente em um mercado de trabalho já
marcado pela alta informalidade. Estima-se que 45,5 milhões de
latino-americanos caíram na pobreza e 28,5 milhões na miséria – no agregado,
231 milhões (37% da população) são hoje pobres ou miseráveis.
A
dívida pública cresceu de 57% para 67% em 2020. No Brasil e Argentina margeiam
100%. Os programas de vacinação – e consequentemente a abertura econômica –
serão bem mais lentos do que na Europa ou EUA. Como aponta o IISS, os governos
enfrentarão um dilema: cortar gastos rápido demais pode inflamar a revolta
social, mas prorrogar estímulos fiscais por tempo demais pode elevar a dívida a
níveis insustentáveis, deteriorando as condições de crédito. Nesse cenário,
oito países realizarão eleições em 2021 e três, em 2022.
Em
vários deles a corrupção endêmica deflagrou uma epidemia antipolítica –
sintetizada na fórmula “que se vayan todos!”. É possível que alguns líderes e
partidos eleitos, num cenário institucional já tenso e fragmentado, tenham
pouca experiência de governo. É grande o risco de que as eleições presidenciais
do Equador, Peru e Chile em 2021 levem à ascensão de líderes populistas –
embora os conservadores tenham chances – e as eleições do Brasil em 2022, à sua
manutenção.
Em
relação às ditaduras de esquerda há pouca esperança no horizonte. Em Cuba, a
dinastia de 60 anos dos Castros deve se encerrar formalmente com Raúl Castro
cedendo a sua posição de primeiro-secretário do Partido Comunista a Miguel
Díaz-Canel. Mas não é claro quem prevalecerá no Politburo: os reformistas ou os
stalinistas. Em prol dos últimos, o filho de Raúl, Alejandro, segue no comando
dos serviços de inteligência. O ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, deve
manipular as eleições para inaugurar sua própria dinastia, transferindo o poder
à sua mulher, Rosario Murillo. Nicolás Maduro dividiu a oposição venezuelana e
conquistou o Parlamento.
Ainda
assim, alguns países desafiaram as tendências antidemocráticas. O Chile
referendou uma Assembleia constitucional na esperança de tornar o país mais
equânime e democrático. A Bolívia, mesmo elegendo o herdeiro político de Evo
Morales, Luis Arce, interrompeu suas pretensões bolivaristas em um processo
eleitoral legítimo e relativamente tranquilo.
Tudo
somado, as eleições latino-americanas darão às suas populações, como sempre,
uma oportunidade de renovação. As constelações políticas tradicionais podem
aproveitá-la para um realinhamento virtuoso. Mas, dado que o crisol da crise
potencializou os riscos de aventuras populistas, tudo dependerá de sua
capacidade de engendrar amplas coalizões representativas e republicanas.
A imunidade, a impunidade e a bandidagem – Opinião / O Estado de S. Paulo
Há
quem queira transformar o Congresso na toca da impunidade
Um Estado Democrático de Direito protege necessariamente os membros do Legislativo. Não há Congresso independente se os parlamentares estão expostos a pressões do Executivo ou do Judiciário. Por isso, a Constituição de 1988, em seu objetivo de restabelecer de forma plena o regime democrático no País, previu um conjunto de garantias a deputados e senadores.
Há
previsão de foro privilegiado _ “deputados e senadores, desde a expedição do
diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal
(STF)” – e de específica imunidade a proteger a liberdade de opinião e
expressão dos parlamentares – “deputados e senadores são invioláveis, civil e
penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.
Além
disso, os membros do Congresso só podem ser presos em flagrante de crime
inafiançável. E mesmo nesse caso, cabe à respectiva Casa Legislativa, pelo voto
da maioria, decidir se mantém ou não a prisão.
Outro
ponto especialmente relevante para a separação dos Poderes refere-se à perda do
mandato parlamentar. As ditaduras gostam de cassar seus opositores. Por isso, a
Constituição estabelece estritamente as hipóteses em que um deputado ou senador
pode perder o mandato. Por exemplo, em caso de condenação criminal em sentença
transitada em julgado ou se seu comportamento for declarado incompatível com o
decoro parlamentar.
Este
último caso é especialmente relevante, pois se relaciona com a responsabilidade
do próprio Legislativo de zelar pela sua integridade. A imunidade parlamentar
não é sinônimo de irresponsabilidade ou de impunidade. Ao prever essa hipótese
de perda de mandato, a Constituição dispõe que quem quebra o decoro parlamentar
não tem o direito de permanecer no Congresso.
No
entanto, o que está tão claro no texto constitucional não tem produzido os
devidos efeitos na vida real. Ao longo das décadas, os parlamentares vêm
descumprindo acintosamente seu dever de zelar pela integridade do Congresso,
com tolerâncias e omissões inteiramente incompatíveis com sua responsabilidade
constitucional.
Decoro
é decência, honradez, dignidade. Não respeita o decoro parlamentar quem, por
exemplo, defende o fuzilamento do presidente da República, como fez o então
deputado Jair Bolsonaro. Na época, este jornal pediu sua cassação. O Congresso,
no entanto, manteve-o impune em seu cargo.
Também
não cumpre o decoro parlamentar quem defende o Ato Institucional (AI) n.º 5,
ameaça ministros do STF e incita a ruptura institucional, como fez o deputado
Daniel Silveira (PSL-RJ). O plenário da Câmara entendeu o caráter criminoso da
conduta do parlamentar e referendou, por ampla maioria, a prisão decretada pelo
STF.
Por
isso, não faz sentido – seria debochar da Constituição e do próprio plenário da
Casa – que o Conselho de Ética da Câmara tente, como vem sendo noticiado,
preservar o mandato do deputado bolsonarista. É caso evidente de cassação,
especialmente porque a conduta de Daniel Silveira trouxe riscos à separação dos
Poderes, às garantias constitucionais de todos os cidadãos e ao próprio
funcionamento do Congresso. Mantê-lo no mandato transmite a inconstitucional e
perigosa mensagem de que não há limites. Por expressa previsão da Constituição,
os indecorosos não cabem no Congresso.
No
momento, há uma ameaça ainda mais grave ao equilíbrio do Estado Democrático de
Direito. Com uma celeridade inaudita, a Câmara pôs em tramitação a Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) 3/21, restringindo a prisão em flagrante de
parlamentar aos crimes inafiançáveis expressamente previstos na Constituição –
como se os outros crimes inafiançáveis fossem compatíveis com o exercício
parlamentar –, proibindo a prisão cautelar por decisão monocrática e limitando
o alcance da Lei da Ficha Limpa.
Sob
o pretexto de defender a imunidade parlamentar, há quem queira transformar o
Congresso na toca da impunidade. É preciso rejeitar a manobra, que tanto
desonra o Legislativo. Há uma pandemia a ser enfrentada, reformas a serem
feitas e políticas sociais a serem implementadas. Não é hora de facilitar que
criminoso se passe por parlamentar.
Bolsonaro repete erro atávico do Brasil na Petrobras – Opinião / O Globo
No
mesmo dia em que a Petrobras divulgava um balanço com números auspiciosos para
os acionistas, o presidente Jair Bolsonaro, que dias antes demitira o
presidente da estatal, afirmou que qualquer empresa pública precisa ter “visão
social”. No início da semana, já tinha soltado, na porta do Palácio da
Alvorada, um “o petróleo é nosso ou de um pequeno grupo?”, fazendo eco ao
slogan varguista na criação da empresa.
Em
ambas as manifestações, Bolsonaro repete o erro atávico do populismo, que
amaldiçoa há décadas o petróleo no Brasil. Esqueçamos, por um momento, que o
objetivo de Bolsonaro com a intervenção é subsidiar combustíveis para agradar
caminhoneiros de sua base eleitoral. Numa leitura benigna, expressões como
“visão social” ou “petróleo é nosso” traduzem a noção de que a empresa existe
para oferecer preços baixos ao consumidor. Daí a intervenção para extirpá-los
da variação externa e da cotação do dólar. Quando presidente, Dilma Rousseff,
do PT tão odiado pelo bolsonarismo, fez o mesmo para tentar conter a inflação.
Sucede
que, embora nem todo brasileiro seja consumidor direto dos produtos da
Petrobras como os caminhoneiros, todos nós somos acionistas dela por intermédio
da União. Qualquer intervenção que reduza a lucratividade da empresa resulta
necessariamente em desvalorização desse patrimônio. Não é o petróleo que é
nosso. É a empresa que o extrai, refina e distribui.
A
intervenção de Dilma fez a Petrobras acumular prejuízos que resultaram numa
dívida de US$ 100 bilhões, recorde mundial. Só não quebrou porque a gestão de
Roberto Castello Branco tapou o rombo vendendo ativos e resgatou a
rentabilidade. A intervenção de Bolsonaro — a tal “visão social” que prefere
usar o lucro para subsidiar combustíveis —custou mais de R$ 90 bilhões em valor
de mercado num só dia. Cedo ou tarde, a Petrobras terá de se recapitalizar com
recursos dos acionistas. Quem é o principal deles? Somos nós, contribuintes
brasileiros, que pagaremos a conta. Sem garantia de que, também como no
passado, não sejamos surpreendidos por tarifaços.
Castello
Branco, que será trocado em março pelo general Joaquim Silva e Luna, apresentou
o balanço da Petrobras com lucro recorde de quase R$ 60 bilhões no quarto
trimestre. Usava uma camiseta com o slogan “mind the gap”, usado no metrô de
Londres para chamar a atenção ao vão entre a plataforma e o trem. Foi um recado
a Bolsonaro para evitar defasagens entre os preços internos de combustíveis e
os externos.
Não
se trata de mero capricho liberal. Preços são sinais fidedignos do valor real
das mercadorias e serviços. Manipulá-los provoca efeitos negativos em toda a
economia, a começar pela cadeia do setor de petróleo. Se o preço do transporte
rodoviário tivesse seguido seu valor de mercado ao longo das décadas,
dificilmente o Brasil seria tão dependente dos caminhões, cujo custo ainda se estende
à poluição que contribui para deteriorar o clima terrestre.
Nada
há de intrinsecamente “social” na visão de Bolsonaro. Está apenas errada. Como
estavam errados Dilma e o caudilho venezuelano Hugo Chávez. Militar como
Bolsonaro, Chávez assumiu o governo da Venezuela em 1999 e expropriou a estatal
de petróleo PDVSA quanto pôde. Até a democracia se transformar na ditadura de
Maduro. A Venezuela é hoje um dos países mais miseráveis do planeta. É nesse
vão que o Brasil não pode escorregar.
MEC deveria ter atuado com estados e municípios na inclusão digital – Opinião / O Globo
Com
Milton Ribeiro como ministro, o MEC saiu do centro da ruidosa “guerra cultural”
movida pelo antecessor, o histriônico Abraham Weintraub, contra tudo o que
considerasse de esquerda. A nova administração guarda, ao lado do silêncio, a
marca da inércia. Relatório da ONG Todos pela Educação sobre 2020 constata que
a verba do ministério para a carente educação básica, de R$ 42,8 bilhões, foi a
menor em dez anos. Mesmo assim, o MEC gastou apenas R$ 32,5 bilhões, logo no
ano de pandemia, quando diversos investimentos eram necessários para tornar
viável o ensino remoto.
Ribeiro,
pastor da Igreja Presbiteriana, ligado à Universidade Mackenzie, falhou ao não
ter colocado o MEC para coordenar de forma ampla ações com estados e municípios
para ajudar os alunos de baixa renda que não tinham condições de assistir às
aulas remotas. O gerente de Estratégia Política da ONG, Lucas Hoogerbrugge,
lembra que o ministério tem como repassar recursos com fins definidos. Poderia
ter feito isso de maneira decisiva no ano passado. Noutras palavras, poderia
ter feito política pública.
O
ministro rejeita as críticas. Mas é difícil explicar por que, de acordo com
Hoorgerbrugge, o MEC só tenha repassado recursos às escolas nos últimos meses
do ano, para que se preparassem para a volta às aulas durante a pandemia. Foram
R$ 670 milhões, cerca de R$ 17 por aluno. O dinheiro chegou tarde, diz ele, e
não era suficiente para os gastos necessários, como formação e contratação de
professores, aquisição de equipamentos de proteção individual e adaptação da
infraestrutura.
Não
é desconhecido o efeito social nocivo da dificuldade de inclusão digital
durante a pandemia. O apagão pedagógico atingiu principalmente as crianças e jovens
mais pobres, matriculados na rede pública de ensino. De acordo com o IBGE, mais
de 6 milhões chegaram ao fim do ano sem aulas. A pesquisa “Perda de aprendizado
no Brasil durante a pandemia de Covid-19 e o avanço da desigualdade social”, do
economista André Portela de Souza, da Fundação Getulio Vargas, calcula ter
havido em 2020 uma perda de aprendizagem de até 72% em relação ao que os
estudantes teriam aprendido em condições normais, nos anos finais do ensino
fundamental e do médio. Nesse limite perto dos 70%, encontram-se sobretudo os
alunos mais pobres.
A
redução dos gastos com o ensino básico, um dos resultados da omissão do MEC
como coordenador de ações junto a estados e municípios, fez com que o
ministério remanejasse entre outras pastas mais de R$ 1,1 bilhão, reservado
para esse ciclo de aprendizagem. Receberam dinheiro os ministérios da Saúde, do
Desenvolvimento Regional e de Minas e Energia. Pode-se considerar que o
fechamento das escolas durante 40 semanas tenha reduzido bastante a demanda por
recursos do MEC. Mas o que faltou mesmo foi iniciativa do ministro, como
demonstra o relatório do Todos pela Educação.
O pós-Lava Jato – Opinião / Folha de S. Paulo
Gravações
impõem revisão do caso Lula no STF, mas sem abrir espaço à impunidade
Desde
que vieram a público, em junho de 2019, os primeiros vazamentos de conversas
entre investigadores da Lava Jato e o então juiz Sergio Moro, ficou evidente
que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não teve um julgamento
imparcial no caso do famigerado apartamento de Guarujá (SP).
As
gravações mostraram uma proximidade inaceitável entre magistrado e acusadores,
o que é razão suficiente para a suspeição.
O
site The Intercept Brasil e parte da imprensa haviam tido acesso às mensagens.
Em julho daquele ano, a Polícia Federal deteve o hacker responsável pela
invasão dos celulares de integrantes da Lava Jato, apreendendo o arquivo
completo.
Por
decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal,
colocou-se o material à disposição dos advogados de Lula.
À
medida que mais mensagens vão sendo examinadas, mais heterodoxias vão sendo
descobertas. É particularmente chocante o diálogo entre dois procuradores
debatendo o que devem fazer diante da informação de que uma delegada da Polícia
Federal havia lavrado termo de depoimento de
testemunha que não fora ouvida.
Há
não poucas evidências de que a Lava Jato em várias ocasiões extrapolou. Cumpre
lembrar, porém, que as gravações resultam de uma invasão ilegal a celulares.
Não podem ser empregadas como prova para incriminar ninguém; podem, contudo,
ser usadas pelas defesas de réus para pleitear nulidades.
Aqui
as coisas se complicam. Não resta dúvida de que o devido processo constitui uma
das mais importantes garantias do Estado de Direito. Entretanto cabe a
tribunais e particularmente ao STF ser criteriosos na decretação de nulidades.
Não
parece inevitável estender automaticamente as nulidades a todas as provas
produzidas e a outros processos envolvendo o ex-presidente —como o do sítio de
Atibaia (SP), que já rendeu condenação no TRF-4— e outros réus. “Pas de nullité
sans grief” (não há nulidade sem que se prove o prejuízo), diz o velho brocardo
jurídico.
Se
a Lava Jato nem sempre se comportou como deveria, há ainda mais evidências de
que os esquemas de corrupção por ela investigados eram terrivelmente reais.
Bilhões de reais desviados foram recuperados, dezenas de envolvidos confessaram
seus crimes e grande parte das condenações foi confirmada por instâncias
superiores.
Isso
também vale para Lula —o caso do apartamento merece, claramente, o escrutínio
da Justiça.
Infelizmente,
surgem no momento sinais inquietantes de que o Brasil pós-Lava Jato corre o
risco de retornar ao velho padrão de impunidade, no qual vistosas operações
contra a corrupção se perdem nos escaninhos do Judiciário.
Punição a Cury – Opinião / Folha de S. Paulo
Deputado
que apalpou colega cometeu quebra de decoro que justificaria cassação
Na
quarta (24), o deputado estadual Fernando Cury (Cidadania) reafirmou ao
Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo a versão
fantasiosa que divulgou logo após ter sido flagrado num gesto
de importunação sexual contra sua colega Isa Penna (PSOL).
Em
sua defesa, Cury declarou que apenas abraçou a parlamentar num “gesto de
gentileza” —um tipo de afago que faria parte de seu modo habitual de tratar
mulheres. “Vocês conhecem minha índole e esse meu jeito de abraçar, beijar e
demonstrar carinho”, disse, reconhecendo, contudo, que esse comportamento
peculiar “não é tolerado por parte das pessoas”.
O
principal problema da versão apresentada ao conselho é que ela não corresponde
ao que se constata na gravação em vídeo do episódio. O que se vê não é um
alegado abraço fraternal, mas uma abordagem insidiosa por trás da deputada, com
um afago na altura da base de seu seio direito —contato que é por ela
prontamente repelido.
Trata-se
de flagrante quebra de decoro parlamentar que merece ser punida, no âmbito da
Alesp, com a cassação do mandato de Cury. Não é esse o desfecho, contudo, o que
se desenha no horizonte.
Apesar
das evidências e das manifestações públicas favoráveis à cassação, a tendência
do Conselho de Ética é propor uma suspensão. O relator do caso, Emidio de Souza
(PT), considera improvável que se formem as maiorias necessárias no colegiado e
no plenário para impor a medida.
Diante
do risco de a derrota da proposta dar margem a uma punição irrisória, a
alternativa seria suspender Cury do exercício do mandato por um período de
tempo.
A
própria deputada, embora insista na tese da cassação, parece perceber que sua demanda
irá esbarrar no conservadorismo e no corporativismo da Alesp. Tanto é assim
que, em nota emitida por sua assessoria, considera que a suspensão, caso “seja
o caminho escolhido”, precisaria corresponder à gravidade do ocorrido.
Penna
avalia que Cury, nessa hipótese, deveria ser suspenso por um ano —ao passo que
os sinais no conselho apontam para 120 dias.
Paralelamente, a Justiça de São Paulo já autorizou investigações contra o deputado, atendendo a denúncia do Ministério Público. Já é hora de homens entenderem que há leis sobre importunação e assédio sexual e que não podem tratar mulheres simplesmente segundo o “seu jeito” de ser.
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