sábado, 27 de fevereiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A urgência da CPI da pandemia – Opinião / O Estado de S. Paulo

Chamar às falas os responsáveis pelo desastre sanitário pode ser um lenitivo para o patológico descaso com a vida dos brasileiros

Sobre a mesa de trabalho do presidente do Congresso, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), está o pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as ações e omissões do governo federal na condução da crise sanitária provocada pelo novo coronavírus. O pedido é assinado por 31 senadores de 11 partidos. É do mais alto interesse público que esta CPI seja instalada imediatamente.

Pululam razões para que o Poder Legislativo exerça uma de suas principais prerrogativas constitucionais, a de fiscalizar o Poder Executivo. De longe, uma CPI é um dos instrumentos mais graves do sistema de freios e contrapesos, mas gravíssima é a tragédia que se abateu sobre o País.

Não é remota a possibilidade de que as atuações do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tenham sido determinantes para transformar o que seria uma profunda crise sanitária neste horror inominável. Um inquérito parlamentar para apurar responsabilidades, pois, é mandatório.

Já são mais de 250 mil vítimas fatais da peste. E não há nada que permita ao mais otimista dos brasileiros sonhar com dias melhores no futuro próximo. Ao contrário. É duro constatar que, a ser mantido o comportamento desidioso da dupla Bolsonaro e Pazuello, a Nação está mais próxima de prantear 300 mil vidas perdidas para o novo coronavírus em poucas semanas do que de ver o arrefecimento da crise no País.

No mesmo dia em que foi registrado o maior número de mortes por covid-19 em 24 horas no Brasil desde o início da pandemia – 1.582 óbitos, no dia 25 passado –, Bolsonaro foi às redes sociais não para lamentar os mortos, mas para desencorajar o uso de máscaras pela população.

Em sua irremediável impostura, o presidente aludiu a supostos “efeitos colaterais” das máscaras que teriam sido “evidenciados” por um “estudo” cujos autores não conseguiu sequer nominar. De quebra, voltou a criticar as medidas de distanciamento social adotadas nos Estados para evitar o iminente colapso do sistema de saúde. Assim, o presidente da República, em vez de usar seu poder de comunicação para convocar seus compatriotas a se acautelarem em relação ao coronavírus, faz pouco-caso dos doentes e mortos e incentiva de forma irresponsável a burla das medidas mais eficazes para frear o espalhamento do vírus.

É evidente que este tipo de comportamento irresponsável é apenas uma das tantas razões que ensejam a criação da CPI da Pandemia sem mais delongas. Quanto mais rápido os parlamentares investigarem condutas de autoridades federais que colaboram para o agravamento da crise, mais rápido elas serão cessadas. E muitas vidas certamente serão salvas.

O ministro da Saúde, por sua vez, parece ter acordado de um transe e só agora percebeu a gravidade da crise que, por dever de ofício, teria de administrar. “O avanço da doença pode surpreender. Não está centrado apenas no Norte e no Nordeste”, deu-se conta o ministro, até hoje incapaz de mensurar a extensão da pandemia e, por isso, de apresentar um plano coerente e factível para enfrentá-la.

Tão claudicante é a vacinação no País, e tão desleixada é a ação do governo federal para reverter este quadro, que foi preciso que o senador Rodrigo Pacheco assumisse a mediação de uma nova rodada de conversas entre as farmacêuticas Pfizer e Janssen e o Ministério da Saúde para que o Brasil pudesse sonhar em ter mais vacinas. Ora, só o fato de o presidente do Congresso ter de fazer o que caberia ao intendente Pazuello é razão mais do que evidente da premência de uma CPI da Pandemia.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não vê necessidade de uma CPI no momento porque, segundo disse, não é hora de “discutir quem é culpado disso ou daquilo”. De fato, a grande prioridade nacional é vacinar todos os brasileiros e impedir o colapso do sistema de saúde. Ambas as providências, contudo, dependem de um Ministério da Saúde que esteja interessado na saúde dos cidadãos, e não nos objetivos eleitorais do presidente da República. Assim, uma CPI que chame às falas os responsáveis pelo desastre sanitário pode funcionar como lenitivo para o patológico descaso do governo Bolsonaro com a vida de seus governados.

Desafios da democracia latino-americana – Opinião / O Estado de S. Paulo

Crise na região pode abrir caminho para a eleição de candidatos populistas

A insatisfação generalizada na América Latina com os altos e persistentes níveis de desigualdade, corrupção, criminalidade e serviços públicos precários provocou um visível desgaste na redemocratização iniciada nos anos 80. Emblematicamente, 2019 foi marcado por protestos violentos, notadamente no Chile, Equador, Bolívia e Colômbia. A pandemia esvaziou as ruas, mas agravou as tensões, prometendo um ciclo eleitoral em 2021-22 dos mais incertos e instáveis. 

Como conclui uma análise do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, em inglês), a pandemia, a recessão econômica e os debates emocionalmente carregados sobre o desempenho dos governos “podem fortalecer a mão dos candidatos populistas, que podem levantar poderosos argumentos anti-establishment prometendo ao mesmo tempo pródigos aumentos nos gastos públicos”.

Nenhuma região foi mais impactada pelo vírus. Com cerca de 8% da população mundial, a América Latina responde por quase 20% dos casos e 30% das mortes. Os dois maiores países, Brasil e México, presididos por populistas e negacionistas, respectivamente à direita e à esquerda, detêm o segundo e o quarto recorde de mortes.

O FMI estimou uma contração de 8% do PIB latino-americano em 2020 e projeta uma retomada modesta de 3,6% em 2021. O colapso do turismo e do varejo praticamente pulverizou as receitas de muitas localidades. Os níveis de pobreza, desigualdade e desemprego aumentaram drasticamente em um mercado de trabalho já marcado pela alta informalidade. Estima-se que 45,5 milhões de latino-americanos caíram na pobreza e 28,5 milhões na miséria – no agregado, 231 milhões (37% da população) são hoje pobres ou miseráveis.

A dívida pública cresceu de 57% para 67% em 2020. No Brasil e Argentina margeiam 100%. Os programas de vacinação – e consequentemente a abertura econômica – serão bem mais lentos do que na Europa ou EUA. Como aponta o IISS, os governos enfrentarão um dilema: cortar gastos rápido demais pode inflamar a revolta social, mas prorrogar estímulos fiscais por tempo demais pode elevar a dívida a níveis insustentáveis, deteriorando as condições de crédito. Nesse cenário, oito países realizarão eleições em 2021 e três, em 2022.

Em vários deles a corrupção endêmica deflagrou uma epidemia antipolítica – sintetizada na fórmula “que se vayan todos!”. É possível que alguns líderes e partidos eleitos, num cenário institucional já tenso e fragmentado, tenham pouca experiência de governo. É grande o risco de que as eleições presidenciais do Equador, Peru e Chile em 2021 levem à ascensão de líderes populistas – embora os conservadores tenham chances – e as eleições do Brasil em 2022, à sua manutenção.

Em relação às ditaduras de esquerda há pouca esperança no horizonte. Em Cuba, a dinastia de 60 anos dos Castros deve se encerrar formalmente com Raúl Castro cedendo a sua posição de primeiro-secretário do Partido Comunista a Miguel Díaz-Canel. Mas não é claro quem prevalecerá no Politburo: os reformistas ou os stalinistas. Em prol dos últimos, o filho de Raúl, Alejandro, segue no comando dos serviços de inteligência. O ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, deve manipular as eleições para inaugurar sua própria dinastia, transferindo o poder à sua mulher, Rosario Murillo. Nicolás Maduro dividiu a oposição venezuelana e conquistou o Parlamento.

Ainda assim, alguns países desafiaram as tendências antidemocráticas. O Chile referendou uma Assembleia constitucional na esperança de tornar o país mais equânime e democrático. A Bolívia, mesmo elegendo o herdeiro político de Evo Morales, Luis Arce, interrompeu suas pretensões bolivaristas em um processo eleitoral legítimo e relativamente tranquilo.

Tudo somado, as eleições latino-americanas darão às suas populações, como sempre, uma oportunidade de renovação. As constelações políticas tradicionais podem aproveitá-la para um realinhamento virtuoso. Mas, dado que o crisol da crise potencializou os riscos de aventuras populistas, tudo dependerá de sua capacidade de engendrar amplas coalizões representativas e republicanas.

A imunidade, a impunidade e a bandidagem – Opinião / O Estado de S. Paulo

Há quem queira transformar o Congresso na toca da impunidade

Um Estado Democrático de Direito protege necessariamente os membros do Legislativo. Não há Congresso independente se os parlamentares estão expostos a pressões do Executivo ou do Judiciário. Por isso, a Constituição de 1988, em seu objetivo de restabelecer de forma plena o regime democrático no País, previu um conjunto de garantias a deputados e senadores.

Há previsão de foro privilegiado _ “deputados e senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal (STF)” – e de específica imunidade a proteger a liberdade de opinião e expressão dos parlamentares – “deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

Além disso, os membros do Congresso só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável. E mesmo nesse caso, cabe à respectiva Casa Legislativa, pelo voto da maioria, decidir se mantém ou não a prisão.

Outro ponto especialmente relevante para a separação dos Poderes refere-se à perda do mandato parlamentar. As ditaduras gostam de cassar seus opositores. Por isso, a Constituição estabelece estritamente as hipóteses em que um deputado ou senador pode perder o mandato. Por exemplo, em caso de condenação criminal em sentença transitada em julgado ou se seu comportamento for declarado incompatível com o decoro parlamentar.

Este último caso é especialmente relevante, pois se relaciona com a responsabilidade do próprio Legislativo de zelar pela sua integridade. A imunidade parlamentar não é sinônimo de irresponsabilidade ou de impunidade. Ao prever essa hipótese de perda de mandato, a Constituição dispõe que quem quebra o decoro parlamentar não tem o direito de permanecer no Congresso.

No entanto, o que está tão claro no texto constitucional não tem produzido os devidos efeitos na vida real. Ao longo das décadas, os parlamentares vêm descumprindo acintosamente seu dever de zelar pela integridade do Congresso, com tolerâncias e omissões inteiramente incompatíveis com sua responsabilidade constitucional.

Decoro é decência, honradez, dignidade. Não respeita o decoro parlamentar quem, por exemplo, defende o fuzilamento do presidente da República, como fez o então deputado Jair Bolsonaro. Na época, este jornal pediu sua cassação. O Congresso, no entanto, manteve-o impune em seu cargo.

Também não cumpre o decoro parlamentar quem defende o Ato Institucional (AI) n.º 5, ameaça ministros do STF e incita a ruptura institucional, como fez o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). O plenário da Câmara entendeu o caráter criminoso da conduta do parlamentar e referendou, por ampla maioria, a prisão decretada pelo STF.

Por isso, não faz sentido – seria debochar da Constituição e do próprio plenário da Casa – que o Conselho de Ética da Câmara tente, como vem sendo noticiado, preservar o mandato do deputado bolsonarista. É caso evidente de cassação, especialmente porque a conduta de Daniel Silveira trouxe riscos à separação dos Poderes, às garantias constitucionais de todos os cidadãos e ao próprio funcionamento do Congresso. Mantê-lo no mandato transmite a inconstitucional e perigosa mensagem de que não há limites. Por expressa previsão da Constituição, os indecorosos não cabem no Congresso. 

No momento, há uma ameaça ainda mais grave ao equilíbrio do Estado Democrático de Direito. Com uma celeridade inaudita, a Câmara pôs em tramitação a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 3/21, restringindo a prisão em flagrante de parlamentar aos crimes inafiançáveis expressamente previstos na Constituição – como se os outros crimes inafiançáveis fossem compatíveis com o exercício parlamentar –, proibindo a prisão cautelar por decisão monocrática e limitando o alcance da Lei da Ficha Limpa.

Sob o pretexto de defender a imunidade parlamentar, há quem queira transformar o Congresso na toca da impunidade. É preciso rejeitar a manobra, que tanto desonra o Legislativo. Há uma pandemia a ser enfrentada, reformas a serem feitas e políticas sociais a serem implementadas. Não é hora de facilitar que criminoso se passe por parlamentar.

Bolsonaro repete erro atávico do Brasil na Petrobras – Opinião / O Globo

No mesmo dia em que a Petrobras divulgava um balanço com números auspiciosos para os acionistas, o presidente Jair Bolsonaro, que dias antes demitira o presidente da estatal, afirmou que qualquer empresa pública precisa ter “visão social”. No início da semana, já tinha soltado, na porta do Palácio da Alvorada, um “o petróleo é nosso ou de um pequeno grupo?”, fazendo eco ao slogan varguista na criação da empresa.

Em ambas as manifestações, Bolsonaro repete o erro atávico do populismo, que amaldiçoa há décadas o petróleo no Brasil. Esqueçamos, por um momento, que o objetivo de Bolsonaro com a intervenção é subsidiar combustíveis para agradar caminhoneiros de sua base eleitoral. Numa leitura benigna, expressões como “visão social” ou “petróleo é nosso” traduzem a noção de que a empresa existe para oferecer preços baixos ao consumidor. Daí a intervenção para extirpá-los da variação externa e da cotação do dólar. Quando presidente, Dilma Rousseff, do PT tão odiado pelo bolsonarismo, fez o mesmo para tentar conter a inflação.

Sucede que, embora nem todo brasileiro seja consumidor direto dos produtos da Petrobras como os caminhoneiros, todos nós somos acionistas dela por intermédio da União. Qualquer intervenção que reduza a lucratividade da empresa resulta necessariamente em desvalorização desse patrimônio. Não é o petróleo que é nosso. É a empresa que o extrai, refina e distribui.

A intervenção de Dilma fez a Petrobras acumular prejuízos que resultaram numa dívida de US$ 100 bilhões, recorde mundial. Só não quebrou porque a gestão de Roberto Castello Branco tapou o rombo vendendo ativos e resgatou a rentabilidade. A intervenção de Bolsonaro — a tal “visão social” que prefere usar o lucro para subsidiar combustíveis —custou mais de R$ 90 bilhões em valor de mercado num só dia. Cedo ou tarde, a Petrobras terá de se recapitalizar com recursos dos acionistas. Quem é o principal deles? Somos nós, contribuintes brasileiros, que pagaremos a conta. Sem garantia de que, também como no passado, não sejamos surpreendidos por tarifaços.

Castello Branco, que será trocado em março pelo general Joaquim Silva e Luna, apresentou o balanço da Petrobras com lucro recorde de quase R$ 60 bilhões no quarto trimestre. Usava uma camiseta com o slogan “mind the gap”, usado no metrô de Londres para chamar a atenção ao vão entre a plataforma e o trem. Foi um recado a Bolsonaro para evitar defasagens entre os preços internos de combustíveis e os externos.

Não se trata de mero capricho liberal. Preços são sinais fidedignos do valor real das mercadorias e serviços. Manipulá-los provoca efeitos negativos em toda a economia, a começar pela cadeia do setor de petróleo. Se o preço do transporte rodoviário tivesse seguido seu valor de mercado ao longo das décadas, dificilmente o Brasil seria tão dependente dos caminhões, cujo custo ainda se estende à poluição que contribui para deteriorar o clima terrestre.

Nada há de intrinsecamente “social” na visão de Bolsonaro. Está apenas errada. Como estavam errados Dilma e o caudilho venezuelano Hugo Chávez. Militar como Bolsonaro, Chávez assumiu o governo da Venezuela em 1999 e expropriou a estatal de petróleo PDVSA quanto pôde. Até a democracia se transformar na ditadura de Maduro. A Venezuela é hoje um dos países mais miseráveis do planeta. É nesse vão que o Brasil não pode escorregar.

MEC deveria ter atuado com estados e municípios na inclusão digital – Opinião / O Globo

Com Milton Ribeiro como ministro, o MEC saiu do centro da ruidosa “guerra cultural” movida pelo antecessor, o histriônico Abraham Weintraub, contra tudo o que considerasse de esquerda. A nova administração guarda, ao lado do silêncio, a marca da inércia. Relatório da ONG Todos pela Educação sobre 2020 constata que a verba do ministério para a carente educação básica, de R$ 42,8 bilhões, foi a menor em dez anos. Mesmo assim, o MEC gastou apenas R$ 32,5 bilhões, logo no ano de pandemia, quando diversos investimentos eram necessários para tornar viável o ensino remoto.

Ribeiro, pastor da Igreja Presbiteriana, ligado à Universidade Mackenzie, falhou ao não ter colocado o MEC para coordenar de forma ampla ações com estados e municípios para ajudar os alunos de baixa renda que não tinham condições de assistir às aulas remotas. O gerente de Estratégia Política da ONG, Lucas Hoogerbrugge, lembra que o ministério tem como repassar recursos com fins definidos. Poderia ter feito isso de maneira decisiva no ano passado. Noutras palavras, poderia ter feito política pública.

O ministro rejeita as críticas. Mas é difícil explicar por que, de acordo com Hoorgerbrugge, o MEC só tenha repassado recursos às escolas nos últimos meses do ano, para que se preparassem para a volta às aulas durante a pandemia. Foram R$ 670 milhões, cerca de R$ 17 por aluno. O dinheiro chegou tarde, diz ele, e não era suficiente para os gastos necessários, como formação e contratação de professores, aquisição de equipamentos de proteção individual e adaptação da infraestrutura.

Não é desconhecido o efeito social nocivo da dificuldade de inclusão digital durante a pandemia. O apagão pedagógico atingiu principalmente as crianças e jovens mais pobres, matriculados na rede pública de ensino. De acordo com o IBGE, mais de 6 milhões chegaram ao fim do ano sem aulas. A pesquisa “Perda de aprendizado no Brasil durante a pandemia de Covid-19 e o avanço da desigualdade social”, do economista André Portela de Souza, da Fundação Getulio Vargas, calcula ter havido em 2020 uma perda de aprendizagem de até 72% em relação ao que os estudantes teriam aprendido em condições normais, nos anos finais do ensino fundamental e do médio. Nesse limite perto dos 70%, encontram-se sobretudo os alunos mais pobres.

A redução dos gastos com o ensino básico, um dos resultados da omissão do MEC como coordenador de ações junto a estados e municípios, fez com que o ministério remanejasse entre outras pastas mais de R$ 1,1 bilhão, reservado para esse ciclo de aprendizagem. Receberam dinheiro os ministérios da Saúde, do Desenvolvimento Regional e de Minas e Energia. Pode-se considerar que o fechamento das escolas durante 40 semanas tenha reduzido bastante a demanda por recursos do MEC. Mas o que faltou mesmo foi iniciativa do ministro, como demonstra o relatório do Todos pela Educação.

O pós-Lava Jato – Opinião / Folha de S. Paulo

Gravações impõem revisão do caso Lula no STF, mas sem abrir espaço à impunidade

Desde que vieram a público, em junho de 2019, os primeiros vazamentos de conversas entre investigadores da Lava Jato e o então juiz Sergio Moro, ficou evidente que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não teve um julgamento imparcial no caso do famigerado apartamento de Guarujá (SP).

As gravações mostraram uma proximidade inaceitável entre magistrado e acusadores, o que é razão suficiente para a suspeição.

O site The Intercept Brasil e parte da imprensa haviam tido acesso às mensagens. Em julho daquele ano, a Polícia Federal deteve o hacker responsável pela invasão dos celulares de integrantes da Lava Jato, apreendendo o arquivo completo.

Por decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, colocou-se o material à disposição dos advogados de Lula.

À medida que mais mensagens vão sendo examinadas, mais heterodoxias vão sendo descobertas. É particularmente chocante o diálogo entre dois procuradores debatendo o que devem fazer diante da informação de que uma delegada da Polícia Federal havia lavrado termo de depoimento de testemunha que não fora ouvida.

Há não poucas evidências de que a Lava Jato em várias ocasiões extrapolou. Cumpre lembrar, porém, que as gravações resultam de uma invasão ilegal a celulares. Não podem ser empregadas como prova para incriminar ninguém; podem, contudo, ser usadas pelas defesas de réus para pleitear nulidades.

Aqui as coisas se complicam. Não resta dúvida de que o devido processo constitui uma das mais importantes garantias do Estado de Direito. Entretanto cabe a tribunais e particularmente ao STF ser criteriosos na decretação de nulidades.

Não parece inevitável estender automaticamente as nulidades a todas as provas produzidas e a outros processos envolvendo o ex-presidente —como o do sítio de Atibaia (SP), que já rendeu condenação no TRF-4— e outros réus. “Pas de nullité sans grief” (não há nulidade sem que se prove o prejuízo), diz o velho brocardo jurídico.

Se a Lava Jato nem sempre se comportou como deveria, há ainda mais evidências de que os esquemas de corrupção por ela investigados eram terrivelmente reais. Bilhões de reais desviados foram recuperados, dezenas de envolvidos confessaram seus crimes e grande parte das condenações foi confirmada por instâncias superiores.

Isso também vale para Lula —o caso do apartamento merece, claramente, o escrutínio da Justiça.

Infelizmente, surgem no momento sinais inquietantes de que o Brasil pós-Lava Jato corre o risco de retornar ao velho padrão de impunidade, no qual vistosas operações contra a corrupção se perdem nos escaninhos do Judiciário.

Punição a Cury – Opinião / Folha de S. Paulo

Deputado que apalpou colega cometeu quebra de decoro que justificaria cassação

Na quarta (24), o deputado estadual Fernando Cury (Cidadania) reafirmou ao Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo a versão fantasiosa que divulgou logo após ter sido flagrado num gesto de importunação sexual contra sua colega Isa Penna (PSOL).

Em sua defesa, Cury declarou que apenas abraçou a parlamentar num “gesto de gentileza” —um tipo de afago que faria parte de seu modo habitual de tratar mulheres. “Vocês conhecem minha índole e esse meu jeito de abraçar, beijar e demonstrar carinho”, disse, reconhecendo, contudo, que esse comportamento peculiar “não é tolerado por parte das pessoas”.

O principal problema da versão apresentada ao conselho é que ela não corresponde ao que se constata na gravação em vídeo do episódio. O que se vê não é um alegado abraço fraternal, mas uma abordagem insidiosa por trás da deputada, com um afago na altura da base de seu seio direito —contato que é por ela prontamente repelido.

Trata-se de flagrante quebra de decoro parlamentar que merece ser punida, no âmbito da Alesp, com a cassação do mandato de Cury. Não é esse o desfecho, contudo, o que se desenha no horizonte.

Apesar das evidências e das manifestações públicas favoráveis à cassação, a tendência do Conselho de Ética é propor uma suspensão. O relator do caso, Emidio de Souza (PT), considera improvável que se formem as maiorias necessárias no colegiado e no plenário para impor a medida.

Diante do risco de a derrota da proposta dar margem a uma punição irrisória, a alternativa seria suspender Cury do exercício do mandato por um período de tempo.

A própria deputada, embora insista na tese da cassação, parece perceber que sua demanda irá esbarrar no conservadorismo e no corporativismo da Alesp. Tanto é assim que, em nota emitida por sua assessoria, considera que a suspensão, caso “seja o caminho escolhido”, precisaria corresponder à gravidade do ocorrido.

Penna avalia que Cury, nessa hipótese, deveria ser suspenso por um ano —ao passo que os sinais no conselho apontam para 120 dias.

Paralelamente, a Justiça de São Paulo já autorizou investigações contra o deputado, atendendo a denúncia do Ministério Público. Já é hora de homens entenderem que há leis sobre importunação e assédio sexual e que não podem tratar mulheres simplesmente segundo o “seu jeito” de ser.

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