O presidente Jair Bolsonaro parece inspirar-se no seu grande desafeto ideológico, o populista autoritário presidente Nicolás Maduro (que sucedeu o falecido coronel Hugo Chavez) na missão muito bem sucedida de destruição da Venezuela. Os dois decretos assinados por Bolsonaro, facilitando a posse de armas de fogo pela população, é um instrumento a mais de formação de grupos armados, que pode levar à escalada de violência e intimidação na política brasileira. A simplificação do acesso a volumes mais amplos de armas, fora do controle das Forças Armadas, facilita o armamentismo dos grupos criminosos que atuam e controlam amplas áreas das cidades brasileiras, principalmente no Rio de Janeiro (narcotraficantes e milicianos), e permite a formação das milícias bolsonaristas com os fanáticos seguidores do presidente. Esta é a intenção de Bolsonaro. “Eu quero todo mundo armado!”, disse ele mais de uma vez. Quando diz isso, Bolsonaro sabe quem vai comprar armas e organizar pequenos arsenais: os caçadores e atiradores (autorizados a comprar até 60 armas sem necessidade de autorização do Exército), numa fachada para todo tipo de criminoso e fanatismo político.
O
governo autoritário da Venezuela, segundo declaração recente de Maduro, já
conta com “3,3 milhões de milicianos organizados, treinados, armados e
dispostos a defender a união da Venezuela”. O dado é exagerado, segundo
especialistas, mas esta Milicia Nacional Bolivariana supera em muito os 123 mil
homens do contingente das Forças Armadas. Este é o povo armado dos sonhos de
Bolsonaro, milicianos bolsonaristas, para copiar, no Brasil, o modelo
bolivariano de intimidação e violência política contra os adversários, que mantém
o governo no poder, apesar da devastadora crise econômica, social e política.
Mas o presidente brasileiro diz que pretende armar o povo brasileiro porque não
quer uma ditadura. Logo ele, que não cansa de defender e louvar a ditadura
militar brasileira, e que afirmou, lá atrás (1999), que o Brasil só iria mudar
“quando nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho
que o regime militar não fez, matando uns 30 mil!”
Raul
Jungmann tem razão quando adverte, em carta aberta aos ministros do STF-Supremo
Tribunal Federal, que os decretos de Bolsonaro que facilitam o acesso a armas
estimulam uma guerra civil no país. “Ao longo da história, diz ele, o armamento
da população serviu a interesses de ditaduras, golpes de Estado, massacre e eliminação
de raças e etnias, separatismos, genocídios e de ovo da serpente do fascismo
italiano e do nazismo alemão”. O povo armado nunca serviu à democracia. Muito
pelo contrário, empurra a política para o terreno pantanoso da violência,
substitui os argumentos e a negociação política pela disputa armada, quebra o
monopólio da força pelo Estado, e permite a formação de milícias e exércitos
partidarizados. Tem sido assim na Venezuela de Chavez e Maduro. Pode vir
a ser assim também no Brasil, se Bolsonaro continuar com seu projeto de armar o
“seu” povo para o enfrentamento político que se avizinha com as eleições de
2022, lembrando que, seguindo o exemplo de Donald Trump, ele já antecipou que
podem vir a ser fraudadas, se ele não for reeleito.
O
mais absurdo e chocante desta iniciativa armamentista de Bolsonaro é o seu
lançamento num momento em que morrem cerca de mil brasileiros por dia por
Covid-19, em grande parte por conta de sua irresponsabilidade na condução (ou
ausência de condução) da política sanitária do Brasil. Já são mais de 250 mil
mortos, que se somam às 60 mil vítimas anuais de homicídios, quase sempre por
arma de fogo. O presidente Jair Bolsonaro é o senhor das armas, e parece ter um
desprezo especial pela vida dos brasileiros.
*Economista com mestrado em sociologia, professor da FCAP/UPE, consultor em planejamento estratégico com base em cenários e desenvolvimento regional e local, sócio da Multivisão-Planejamento Estratégico e Prospecção de Cenários e da Factta-Consultoria, Estratégia e Competitividade. É sócio fundador da Factta Consultoria. Fundador e membro do Conselho Editorial da Revista Será? É membro do Movimento Ética e Democracia.
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