No Brasil, o abismo existente entre a
sociedade e o Congresso não é novidade. De 1999 a 2002, tive acesso a pesquisas
nacionais de opinião pública que testavam a confiança da população em 42
instituições. Os resultados foram quase os mesmos nos quatro anos. Nos
primeiros lugares vinham os Correios e o Corpo de Bombeiro, nos últimos, o
Congresso Nacional e os partidos políticos. A população tende a avaliar bem
individualmente o deputado que atua na sua região e mal a instituição como um todo.
Há picos de rejeição em casos como a CPI
dos anões do orçamento, mensalão, Lava Jato, rejeição da Emenda das Diretas, e
momentos de aproximação como na eleição de Tancredo Neves, na Constituinte de
1986, nos impeachments de Collor e Dilma.
Esta relação entre Congresso e sociedade está sendo testada mais uma vez. A votação da manutenção ou não da prisão do deputado Daniel Oliveira (PSL/RJ) que agrediu de forma violenta e desqualificada membros do STF e fez apologia da ditadura, do AI-5 e do fechamento do Congresso e do Judiciário, se desdobrou na manutenção da prisão por 305 contra 154 e na discussão da emenda constitucional sobre imunidade e inviolabilidade do mandato parlamentar.
Entre os que 154 votos contra a
manutenção da prisão existem dois grupos. Os que são a favor da impunidade
sempre e os que entenderam que o Supremo exorbitou de suas prerrogativas e
feriu a Constituição na caracterização da flagrância do crime cometido. Mas houve
crime inequivocamente. Não se pode evocar o direito à liberdade de opinião e
expressão individual contra o direito coletivo à democracia e à liberdade. A
questão política se colocou dentro do atual clima de polarização radical, colocando
em jogo a defesa da democracia contra o golpismo autoritário. Sugiro aos
incautos lerem o livro COMO AS DEMOCRACIA MORREM e assistirem o filme clássico
O OVO DA SERPENTE.
Do
ponto de vista jurídico a questão é mais complexa. A imunidade parlamentar e a
inviolabilidade do mandato foram inseridas na Constituição como proteção à
liberdade de expressão, opinião e ação política dos representantes do povo, mas
nunca em relação a crimes bem tipificados na legislação penal. Os parlamentares
só podem ser presos em flagrante delito de crimes inafiançáveis. O Supremo
decretou a prisão do deputado Daniel com base na Lei de Segurança Nacional, que
merece ser revista. O STF não é formado por analfabetos jurídicos, ao
contrário, é de se pressupor que ali estão alguns dos maiores
constitucionalistas e juristas do país. E, por unanimidade, viu fundamentos
jurídicos para a prisão em flagrante.
A complexidade é que se tratava de um
crime no ambiente da internet, um vídeo nas redes sociais, que permanecia no ar
no momento da prisão, portanto o crime estava sendo cometido naquele exato
momento. É diferente de um assalto ou um homicídio, quando o criminoso é preso
em flagrante. Fato é que o evento ressuscitou o tema do golpismo contra a
democracia e suas instituições. A violência e irresponsabilidade do deputado
mereciam uma resposta firme e forte das instituições democráticas.
Ato contínuo a Câmara dos Deputados
colocou em discussão a PEC que propõe novo regramento do assunto, reduzindo os
poderes dos magistrados, submetendo a aplicação de medidas cautelares e mesmo a
avaliação de materiais aprendidos em operações policiais à prévia deliberação
do plenário do STF, tipificando os crimes que permitirão prisão em flagrante
(tortura, tráfico, crimes hediondos, racismo e ações armadas). A pressa na
votação não se justifica em matéria tão complexa.
Mesmo sem conhecer o texto final
da relatora e o resultado que poderá ter ocorrido na última quinta, fico
preliminarmente com a visão do deputado Beto Pereira (PSDB/MS): “O critério de
imunidade vigente hoje é suficiente para garantir o pleno exercício da atividade
parlamentar. A alteração proposta peca ao transformar parlamentares em
privilegiada casta, protegida pela impunidade. Como efeito colateral seremos
contaminados pela indignação do povo”.
*Marcus
Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
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