quinta-feira, 22 de abril de 2021

Fabio Graner - Seguros e omissões no PLDO do ano eleitoral

- Valor Econômico

LDO-2022 não trata sobre o cenário de pandemia continuar

Escaldado pela terrível experiência do Orçamento de 2021, o governo enviou o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2022 (PLDO) com uma série de regras para facilitar a execução dos gastos públicos, caso o Congresso não aprove a peça orçamentária do ano eleitoral. Acendeu-se, assim, a luz amarela se o texto teria um viés eleitoreiro, ao permitir, por exemplo, a execução de investimentos, mesmo sem Orçamento aprovado.

Experientes observadores do tema ouvidos pelo Valor apontam, porém, que os mecanismos teriam de fato um viés de precaução da área técnica e não qualquer outra motivação. E consideram que a repetição do vexame ocorrido neste ano é improvável, justamente por causa das eleições.

Uma dessas fontes, que por muito tempo esteve no governo, mostrou levantamento com as datas de sanções dos orçamentos desde 2002. Em anos de eleição geral, apenas em 2006 o Orçamento se arrastou por tanto tempo além do prazo normal, sendo assinado pelo presidente em maio daquele ano.

Além disso, apontam os especialistas, a regra de impositividade das emendas parlamentares reforçaria a tendência favorável à aprovação dentro do prazo (dezembro), dado que deputados e senadores querem entrar o ano já executando suas ações. Por isso, acreditam, o Orçamento de 2022 será aprovado ainda em 2021.

Esses interlocutores lembram ainda que não é a primeira vez que o governo tenta emplacar regras que facilitem a execução do Orçamento na chamada “antevigência”. Mas os parlamentares sempre cortaram essas maiores liberalidades, que enfraqueceriam o controle do Congresso sobre o gasto público.

Além de liberar parcialmente as despesas de investimento antes do Orçamento aprovado, o PLDO 2022 altera as regras de execução de restos a pagar e facilita a antecipação de despesas que só ocorreriam após a sanção presidencial. Embora já se possa fazer isso hoje, a leitura de especialistas é que a medida dá mais segurança para o Tesouro autorizar esses gastos. O órgão também nega motivação eleitoreira e salientou ao Valor que o principal objetivo é “aprimorar a transparência para a sociedade e para os órgãos do Executivo dos procedimentos a serem observados”.

O Tesouro destacou que essa execução não vai comprometer o cumprimento da meta de resultado primário e a regra do teto de gasto. “Observa-se ainda a previsão de que os limites financeiros serão considerados como antecipação do cronograma anual a ser editado posteriormente, após a publicação da LOA (previsão na LRF), portanto, não tem o condão de agilizar gastos em ano eleitoral, e sim de estabelecer fluxo transparente e regular dos pagamentos”, disse.

Sempre rico em informações, o PLDO-2022 não trata da possibilidade de a pandemia de covid-19 continuar. E não dá orientação para o Orçamento lidar com esse cenário, destacou ao Valor o consultor legislativo do Senado Vinícius Amaral.

“Não há nenhuma previsão de políticas relacionadas à pandemia, para que o país priorize o enfrentamento e também a recuperação nas áreas de saúde, educação, emprego e assistência social”, disse Amaral. “Vamos precisar de políticas para recuperação da educação. Há risco de toda uma geração ficar com déficit de aprendizado e não se fala nada disso. Não se fala dos riscos de sequelas geradas pela covid e de outras consequências de médio e longo prazo.”

O consultor de orçamento da Câmara Ricardo Volpe não vê como um problema o PLDO não tratar da pandemia, pois ainda não há como precisar quais serão as necessidades relativas a essa questão em 2022. Porém, ele ressalta a necessidade de o país ter uma estratégia de um a dois anos para o pós-pandemia.

“Precisa ter um plano, como previsto na Constituição, e aí ele ser integrado no Orçamento. O ideal seria fazer isso junto com o plano de revisão de benefícios tributários, que em grande parte não servem para nada, e o que arrecadar mais vai para esse programa pós-covid”, sugere.

O alerta desses analistas sobre planejar como o país vai lidar com o futuro pós-pandemia merece ser levado em conta pelo governo e pela sociedade, ainda que o presente siga dramático. O excesso de improviso já custou muitas vidas. Infelizmente, ainda vai custar mais. Se há tanta preocupação do presidente Jair Bolsonaro em fazer a economia funcionar, que ele se atente então para a necessidade de se preparar os próximos passos de reação ao vírus e a etapa seguinte, quando casos e mortes despencarem. Talvez seja pedir demais dele, mas não custa sonhar.

Reforma sob atritos

Mudando de tópico, a Comissão de Constituição Justiça (CCJ) da Câmara começou a dar andamento para a reforma administrativa. O tema é tão polêmico que já houve atrito na última sessão sobre a quantidade de audiências públicas a serem feitas na CCJ, inicialmente prevista para sete reuniões, com início na próxima terça-feira. A oposição, porém, quer mais sessões.

Essa reforma é uma das apostas da agenda da equipe econômica para este ano e também conta com apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que colocou pressão sobre a CCJ.

Mas há críticas de mérito ao projeto. Artigo publicado no site Brasil Debate pelos economistas Jefferson Fraga, da PUC-MG, Helder Ferreira e José Oreiro, da UnB, aponta que a proposta não resolve as distorções existentes no serviço público e pode até agravá-las. Segundo eles, a PEC parece ter apenas foco na questão fiscal e deixaria de fora as maiores fontes de distorções: militares, juízes, Ministério Público e parlamentares.

Ao Valor Oreiro destacou que é preciso cuidado com as mudanças na estabilidade e no estágio probatório de dez anos, que trariam riscos de todo tipo de ingerência na autonomia de trabalho dos servidores, o que vale não só para as carreiras típicas de Estado. “Corremos risco de voltar para a República Velha”, disse. Ele também salientou que o gasto com pessoal no Brasil não é alto para padrões internacionais e tem ficado estável em proporção do PIB há muito tempo.

Que as críticas que estão surgindo sirvam para aperfeiçoar as propostas do governo, e não simplesmente para paralisar a discussão. Há muito o que se melhorar no serviço público brasileiro e isso é tarefa urgente.

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