Preso
a conspirações fantasmagóricas, Bolsonaro aumenta número de inimigos
O
novo ministro da Defesa é um general que passou os últimos dois anos pelos
gabinetes e corredores do lugar mais estranho do Brasil: o Palácio do Planalto. É o
hábitat de seres vivos que, por sua vez, são dominados por fantasmas criados
por eles mesmos. Por vezes parece efeito da ingestão de algum bagulho muito
doido.
O
general discursou com o jeito de quem não sabe qual é a “punchline” de um texto
escrito a muitas mãos. Mas, ao exigir que se “respeite o projeto escolhido pela
maioria”, o novo ministro da Defesa repetiu a confusão fundamental dos fantasmas
que habitam cabeças no palácio. O verdadeiro respeito devido é à Constituição,
à qual tem de estar subordinado qualquer projeto de qualquer maioria.
Talvez por ter sido assessor do presidente do Judiciário, seu antecessor no cargo não se arriscou a insinuar em público o que o novo ministro da Defesa disse de maneira mal disfarçada: que o STF é a causa de desequilíbrio entre os poderes. De fato, é impossível fugir à constatação da judicialização da política e da politização do STF, mas o fantasma que falou pela boca do general abordava outro aspecto.
Reiterava
a noção de que o STF não deixa governar pois teria se aliado a uma fantástica
conspiração de corruptos, comunistas, bagunceiros e perdedores que não querem
respeitar o projeto escolhido por uma maioria. Pode-se debater se o tal projeto
escolhido pela maioria consistia em consolidar o poder do Centrão, explodir a dívida pública,
manter a economia estagnada e transformar o País em pária internacional do
ponto de vista da política ambiental e de saúde pública, mas isso seria ampliar
demais o foco.
Os
fantasmas do palácio sussurram que os problemas para governar são sempre
causados por outros, apesar da explicação para os evidentes fracassos do
governo ao enfrentar economia e pandemia constar dos textos lidos por quem
passou por boas academias militares. Ali se aprende que não se governa com eficiência
se faltam planejamento, estratégia, definição de objetivos, rumos e meios –
para não falar da incapacidade de liderança e da subordinação de tudo ao
objetivo político da reeleição.
Também
não se sabe ao certo se fazia parte do projeto escolhido pela maioria comprar
brigas por toda parte, mas é a ordem que os ocupantes do palácio parecem ter
recebido dos fantasmas. O conflito mais recente é particularmente
perigoso: Bolsonaro foi
avisado pessoalmente por um governador amigo (por quanto tempo ainda?) de que
acabou criando 23 opositores entre os 27 chefes dos Executivos estaduais. É uma
massa política que não se deve negligenciar.
A
gota d’água para transformar os últimos governadores amigos em inimigos foi a
“esperteza” de utilizar a ambição por uma cadeira vitalícia no STF por parte de
ocupantes de altíssimos cargos do MPF para
convertê-los à narrativa palaciana de que o governo federal tudo fez no combate
à pandemia. Onde houve desastre foi culpa dos governadores e prefeitos –
portanto CPI e Ministério Público neles – que desviaram verbas e recursos da
Saúde (além de decretar medidas restritivas) em busca de armas na conspiração
contra o projeto escolhido pela maioria.
Neste
ponto seria injusto atribuir falta de visão do bem público e do interesse da
coletividade exclusivamente a Bolsonaro, dominado ou não por seus fantasmas.
Esse desinteresse pelo bem comum já era a característica primordial de forças
políticas do Centrão, as que hoje estão no poder. É também a de ministros do
STF tomando decisões “exóticas” levando em consideração apenas seus interesses
ou simpatias políticas imediatas. Característica agora exibida de forma
escancarada pelos integrantes da cúpula do MPF que, esfalfando-se por chegar a
cargo no STF, ajudam a desmoralizar a instituição.
Quanto ao “projeto” a ser defendido, qualquer que seja, está se dissipando junto com a maioria.
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