Se
falhar na Cúpula do Clima, Bolsonaro se vitimizará com floresta e vacina
A
quem interessar possa na turma de censores da Lei de Segurança Nacional, ele
tem 84 anos, uma única dose da vacina da AstraZeneca e usa os dois atributos
para definir a participação do presidente Jair Bolsonaro na Cúpula de Líderes
sobre o Clima.
Ex-secretário-geral
da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) e
ex-ministro do Meio Ambiente, Rubens Ricupero até aceita que o estrago poderia
ser maior se Ernesto Araújo ainda fosse o chanceler. Não acredita, porém, que a
mudança no tom convença o mundo na conferência virtual promovida pelo
presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a partir de hoje.
Para
sustentar a primeira de suas adjetivações, Ricupero baseia-se na análise, feita
pelo “Observatório do Clima”, da carta enviada pelo presidente Jair Bolsonaro
para Biden. O aludido compromisso brasileiro com o combate à mudança do clima e
com o desenvolvimento sustentável é desmontado em duas tacadas:
O
desmatamento na Amazônia teve a maior elevação percentual do século em 2019
(34,5%) e, em 2020 o Brasil liderou, mais uma vez, a destruição de florestas
primárias do mundo. É esse desmatamento, mais do que o uso de combustíveis
fósseis, que leva o país a ter a quinta maior participação mundial para o
efeito estufa;
A exemplo do que aconteceu no Orçamento, a nova proposta de redução na emissão de gases está baseada numa pedalada. O governo elevou o nível de emissões de 2005 em 700 milhões de toneladas para que possa atingir a meta de 43% de redução em 2030 emitindo 400 milhões de toneladas de gás carbônico a mais do que havia prometido.
Fundamentada
a mentira, vem o cinismo. É um atributo adquirido. Bolsonaro não foi o único a
fazer vista grossa ao desmatamento, mas foi o primeiro a defendê-lo. Só mais
recentemente, diz Ricupero, a necessidade de salvar a imagem do Brasil, do
ministro Ricardo Salles e a sua própria, mudou o discurso sem mexer na prática.
É
com esse cinismo que reclama US$ 1 bilhão para pagar diárias a policiais da
Força Nacional de Segurança. Não apenas despreza o desmonte de órgãos de
fiscalização como o Ibama, como ainda cria um subterfúgio para o fato de que o
Brasil, longe metas de redução de desmatamento, tem acesso vetado aos R$ 2,9
bilhões doados pela Noruega e pela Alemanha adormecidos no Fundo Amazônia no
BNDES.
Como
este binômio da mentira e do cinismo já correu o mundo, o embaixador aposta que
o presidente não vai convencer ninguém. Até porque Estados Unidos, China, Reino
Unido e União Europeia vão anunciar metas mais ambiciosas para amarrar os
compromissos a serem acordados em Glasgow, em novembro, quando acontece a 26ª
Conferência do Clima das Nações Unidas. Se as águas de março não foram
suficientes para evitar que se registrasse o pior desmatamento deste mês dos
últimos dez anos, é de se esperar que depois da seca que está por começar a
coisa só piore.
O
Brasil não é o único a chegar com o zoom embaçado na conferência de hoje. A
Austrália e o Canadá, diz Ricupero, também estão aquém das metas acordadas no
acordo de Paris, de 2015. Nenhum deles, porém, tem um governo que dependa tanto
de uma recauchutagem em sua imagem externa. A repercussão da carta de Bolsonaro
a Biden já mostrou que não vai dar. De Greta Thunberg aos senadores americanos
que alertaram Biden sobre as pretensões bolsonaristas, passando pelo
#ForaSalles que mobilizou as redes sociais no Brasil ao longo do feriado, reina
o ceticismo.
Se
Biden quer lustrar seu mandato, interna e externamente, com um certo ideário de
“liderança moral” em pautas como meio ambiente e democracia, Bolsonaro se vale
do discurso recauchutado para tentar sobreviver. Não abre mão do que Ricupero
chama de agro-lumpen, essa base de madeireiros, grileiros e garimpeiros que, ao
contrário do que diz o governo, não devastam porque são pobres mas porque
querem ficar mais ricos. Estimativa do “Observatório do Clima” indica que o
hectare desmatado pode custar até R$ 2 mil. A devastação brasileira não é uma
soma de pequenas áreas mas o ajuntamento de blocos de 100 hectares para cima.
Mal-sucedido,
Bolsonaro não capitulará. Vai se valer do cerco mundial para reforçar o
discurso de vitimização que ainda ecoa entre seus seguidores. A cartada
ambiental na política externa é uma boia de salvação na qual o presidente tenta
se agarrar para não ser engolfado por uma conjuntura interna cada vez mais
incontrolável. Ao entregar o Orçamento para o Congresso estraçalhar sem ganhar
alívio concreto na Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia, Bolsonaro
mostrou uma cartucheira com pouca munição.
O
levantamento que a CPI fará sobre atos e atitudes que marcaram o desleixo de
seu governo com a vacinação receberá dele a mesma resposta que se anuncia para
os parceiros internacionais que se mantêm incrédulos em relação à sua conversão
verde. Da mesma maneira que buscará convencer seus eleitores de que o Brasil
ocupa a rabeira dos países que menos imunizaram sua população porque o mundo
não vende vacina ao país, ficará tentado a usar a cartada do complô mundial
contra o Brasil.
Tome-se,
por exemplo, a declaração da vice-presidente americana Kamala Harris de que se,
no passado, se fizeram guerras por óleo, as próximas o serão por água. Mas
enquanto a contenda amazônica era com o presidente francês, Emmanuel Macron,
ficava mais fácil para o presidente tentar sensibilizar "seu
Exército". Com os americanos, a brincadeira de forte apache na foz do rio
Amazonas é tiro n'água.
Mais
do que enquadrar o Brasil na nova ordem climática mundial, os Estados Unidos
avançam sobre a maior fonte de divisas externas do país. A China importou 85% a
menos da soja brasileira em relação a março do ano passado. Foi o patamar mais
baixo de venda neste mês em quatro anos. Enquanto isso, os Estados Unidos
tiveram uma alta nas vendas do grão para a China de 320% no mesmo período.
Pode ser apenas o reequilíbrio de uma situação que foi muito favorável ao Brasil ao longo de toda a pandemia, período em que a China descumpriu acordo que prevê aumento nas compras de produtos agrícolas dos EUA. Mas se a uma economia estagnada, com desemprego e inflação em alta, se somar uma perda de divisas do único setor que tem-se mantido incólume à tragédia nacional, o #ForaSalles já não vai mais dar conta de quem tem que sair.
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