O
risco do discurso sem prática
Era
abril de 2020 quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo
Salles, defendeu "passar
a boiada" e mudar regras ambientais enquanto a atenção da
mídia e da população estava voltada para a Covid-19. Manter o descontrole da
pandemia, por esse raciocínio, parecia ser bom negócio para o nosso desgoverno
--no meio da gritaria, ninguém ouve os segredos ditos pelos cantos.
Se, no ano passado, o contexto internacional favorecia os arroubos de Bolsonaro, o mundo mudou. E não mudou só no Brasil, onde a CPI da Covid, ao enfraquecer Bolsonaro, aumenta o preço do centrão: o novo presidente americano, Joe Biden, fez da questão ambiental uma de suas principais plataformas. A preocupação é, em especial, com o Brasil. Poucos países foram citados nos debates presidenciais nos EUA.
O
Brasil e a Amazônia apareceram como motivo de grande inquietação. O Itamaraty,
recentemente livre de Ernesto Araújo, aconselha que a Cúpula do Clima seja uma
virada de discurso e de prática. Nada mais difícil para um governo que se
recusa a melhorar.
A
preocupação, entretanto, não pode ser compreendida no singular. Há
"preocupações" distintas quando se fala em meio ambiente. Há quem
esteja de fato aflito com a preservação. Há, entretanto, aqueles para os quais
a aparência de preservação vale mais do que a preservação em si. Para esses,
uma mudança de discurso sem prática pode já ser suficiente, desde que convença
os gringos.
Essa
distinção entre ser e parecer é o que permite acomodar interesses e manter
intacto o núcleo mais sensível das políticas de governo. A eventual mudança de
tom assim, como em relação à pandemia, pode se dar na teoria para disfarçar a
permanência na prática, desde que a aparência dure até o próximo ciclo
eleitoral.
A aceleração das mudanças climáticas é um assunto multifacetado e de longo prazo, que depende de uma compreensão que leve em conta a realidade, o que não parece ser o caso da gestão Bolsonaro, o nosso exemplo de negacionismo.
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