Se
depender do ex-capitão, os compromissos serão menos palpáveis do que a fumaça
das queimadas
Sob
pressão, o governo mudou o discurso. O mesmo mandatário que, em 2019, afirmou
ser a questão ambiental de interesse exclusivo de "veganos que só comem
vegetais" [sic], escreveu ao homólogo Joe Biden dizendo-se disposto a
eliminar o desmatamento
ilegal até 2030. Colaborou na redação o assim chamado ministro do
Meio Ambiente, Ricardo Salles, unha e carne dos madeireiros que namoram a
ilegalidade, com os quais, por sinal, confraternizou logo depois de terem
organizado violenta manifestação contra o Ibama.
Em
dois anos e tanto de mandato, o negacionista da mudança climática disparou uma
enxurrada de medidas que enfraqueceram os organismos e instrumentos de
monitoramento, controle e penalização de crimes ambientais. Ibama, Inpe,
CNBio, Funai, todos perderam lideranças, quadros e recursos financeiros,
enquanto as multas despencaram vertiginosamente.
Estudos mostram que acordos internacionais —de variada natureza— podem ser instrumentos aptos a induzir governos a fazer a coisa certa: sempre e quando logrem impor condições aos participantes, estabelecer mecanismos que estimulem o seu cumprimento e tornem crível a ameaça de punição aos transgressores. Ou seja, quando são capazes de criar os chamados mecanismos de trancamento (lock in), facilitando o respeito aos compromissos negociados e sua defesa diante dos opositores domésticos.
A
cláusula democrática na União Europeia é sempre citada como poderoso exemplo de
trancamento que ajudou a institucionalizar sistemas livres e competitivos na
Espanha, em Portugal e na Grécia, recém-emersos de longas e sangrentas
ditaduras.
Perversamente,
a adesão a acordos internacionais pode ser uma cortina de fumaça para governos
mal-intencionados, piorando o que era já um horror. Há uma década, os
cientistas políticos americanos Peter Rosendorff e Peter Hollyer mostraram que
as violações de direitos humanos cresciam quando ditadores assinavam pactos
multilaterais contra a tortura.
Se
depender do ex-capitão, as seis páginas enviadas a Biden e as promessas que
fará nesta quinta e sexta serão ainda menos palpáveis do que a fumaça das
queimadas. Não é demais lembrar que o agronegócio mais atrasado, os
desmatadores ilegais e os invasores de terras indígenas são adeptos do
ex-capitão e com ele compartilham as mesmas crenças retrógradas de como lidar
com o patrimônio ambiental do país e os povos da floresta.
Deste
governo só se pode aceitar —e olhe lá!— compromissos definidos, prazos e metas
claras e mensuráveis que possam ser monitoradas pela sociedade e seus
representantes políticos.
*Professora
titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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