É
dos anos 90 uma das mais bem-sucedidas operações-abafa de um escândalo de
corrupção na história brasileira. Numa quinta-feira de 1993, agentes da Polícia
Federal descobriram no banheiro da casa de um diretor da Odebrecht em Brasília
pilhas de documentos incriminadores. Havia de tudo nas 18 caixas e centenas de
disquetes levadas pelos policiais: relatórios sobre negociações subterrâneas,
contabilidade de doações não declaradas para campanhas eleitorais, listas de
obras com os nomes de políticos, acompanhados de porcentagens e valores, até
pedidos de liberação de verbas com assinaturas de prefeitos e governadores, já
prontos para ser apresentados pelas próprias empresas à Caixa Econômica
Federal.
Vivia-se
o auge da CPI do Orçamento. A papelada deu origem a um relatório bombástico,
lido em plenário pelo senador José Paulo Bisol, do PSB do Rio Grande do Sul.
Bisol, porém, cometeu um erro primário ao propagar que um documento com o
organograma formal da empreiteira era, na verdade, um mapa de organização
criminosa.
Em sua reação, Emílio Odebrecht explorou o deslize ao máximo. Numa entrevista coletiva tão performática quanto a leitura de Bisol, acusou o senador de perseguição, ignorância e má-fé. O argumento colou na imprensa da época e mobilizou mais de 300 deputados e senadores para enterrar a CPI. Conseguiram. A única consequência prática do escândalo foi a popularização da expressão “trezentos picaretas”, cunhada pelo então oposicionista Luiz Inácio Lula da Silva para designar os parlamentares.
Dezesseis
anos e um mensalão depois, em 2009, os alvos da Polícia Federal foram
executivos e dirigentes de outra empreiteira, a Camargo Corrêa. A operação,
batizada Castelo de Areia, pilhou um esquema de pagamento de propinas e desvios
de recursos de obras como a Refinaria Abreu e Lima, da Petrobras. Segundo a
investigação, o dinheiro desviado era remetido ao exterior por doleiros, usando
empresas de fachada e contas offshore em paraísos fiscais. Mas a investigação
acabou anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A corte considerou que
as provas coletadas não eram válidas porque a apuração começara a partir de uma
denúncia anônima.
Em
2014, o esquema voltou à tona. Descobriu-se, de novo, que as empreiteiras
patrocinavam campanhas eleitorais e interesses particulares de políticos de
todos os calibres e partidos com o dinheiro desviado de estatais como
Petrobras, Eletrobras e Transpetro. Batizado petrolão, o escândalo deu impulso
à Operação Lava-Jato.
Dessa
vez, as investigações foram mais longe. Renderam 295 prisões, 140 delações
premiadas, a devolução de R$ 4,3 bilhões aos cofres públicos e impulsionaram um
processo de impeachment. Mas, como nos outros casos, o dia da desforra chegou.
A revelação dos desvios indicados nas mensagens de celular trocadas por
procuradores — e captadas ilegalmente por um hacker — criou um clima favorável
à anulação de condenações e denúncias.
Sob
o argumento de que o foro em que tramitavam não era o correto, foram anuladas
as condenações dos ex-presidentes Lula e Michel Temer e do ex-ministro Moreira
Franco. O mesmo argumento levou à suspensão de ações contra o atual presidente da Câmara, Arthur Lira.
Questões processuais já tinham enviado para a gaveta o processo contra o
senador José Serra.
Todas
essas decisões, comemoradas efusivamente por uns, discretamente por outros, têm
enorme serventia político-eleitoral, ajudam a construir narrativas. Mas, embora
a morte dos processos por inanição seja bastante provável, ainda é cedo para
dizer que a Justiça tenha decretado a inocência de quem quer que seja. Fernando
Collor de Mello, afastado da Presidência da República em 1992, só foi declarado
inocente pelo Supremo — por falta de provas —em 2014.
Por
ora, tais desfechos só provam mesmo duas coisas.
A
primeira é que, no Brasil, quando o assunto é corrupção, a história se repete.
Escândalos abalam a política, as investigações apontam culpados e, mais cedo ou
mais tarde, os processos são sepultados por decisões judiciais que raramente
entram no mérito das acusações.
A
segunda, e mais importante, é que a história não se anula, muito menos a canetadas.
Por mais que se queira esquecê-la ou distorcê-la, de tempos em tempos ela volta
a nos assombrar. Quando isso acontece, acumulam-se os prejuízos, aumenta a
insegurança jurídica e se reforçam narrativas políticas cada vez mais
simplistas e muitas vezes irresponsáveis.
A história cobra um preço alto quando se ignoram suas lições. Quem paga somos todos nós. E não só com dinheiro, mas com um pedaço do nosso futuro.
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