Por Gabriel
Mascarenhas / Revista Veja
Luiz
Inácio Lula da Silva resiste em admitir publicamente o que é inegável: ele será
o candidato do Partido dos Trabalhadores à Presidência da República em 2022.
Coadjuvantes desse jogo de cena, alguns dos seus principais aliados na sigla já
estão trabalhando ativa e silenciosamente na construção de pontes fundamentais
para pavimentar a candidatura petista. Os esforços vão do Judiciário aos
evangélicos, do mercado financeiro ao setor produtivo. Não há dúvidas de que
Lula está de volta ao jogo, mas a cautela do ex-presidente se justifica numa
máxima temida por dez de cada dez políticos: nada traz tão mau agouro quanto
comemorar uma vitória antes da hora. Lula esperava oficializar a entrada no
páreo depois que o plenário do STF encerrasse a análise da decisão do ministro
Edson Fachin que considerou a Justiça Federal em Curitiba incompetente para
julgar os processos do petista. Na tarde da última quinta, 15, a maioria dos
ministros referendou esse veredito. Ou seja, definitivamente, Lula está
elegível, ou seja, apto a concorrer. Em breve, o ex-presidente vai pôr o pé na
estrada.
O plano começa com a tarefa de viajar Brasil afora para pregar contra o negacionismo de Jair Bolsonaro. Em uma das pesquisas mais recentes, a da XP/Ipespe, Lula surge com 29% das intenções de voto para 2022, tecnicamente empatado com o capitão, que tem 28%. A primeira parada de Lula deve ser no Nordeste, provavelmente com escalas no Maranhão e no Piauí, estados em que sempre teve grande penetração. Nesse périplo, fará a defesa da urgente necessidade de vacinação em massa e empurrará para o colo de Bolsonaro os milhares de mortes diárias causadas pelo coronavírus, assim como o avanço da fome e do desemprego no país.
Antes
de iniciar a peregrinação, Lula tem se dedicado ao que gosta: articulações
políticas. Há dez dias, teve um encontro virtual com o presidente do PSB,
Carlos Siqueira, e o governador de Pernambuco, eleito pelo partido, Paulo
Câmara. Ao fim, as partes apontaram para a enorme possibilidade de caminharem
juntas no ano que vem. Recentemente, Lula também procurou velhos caciques do
MDB — nomes que foram derrotados nas últimas eleições ou que, mesmo eleitos,
perderam espaço com a ascensão bolsonarista. Falou com o senador Renan
Calheiros (AL), o ex-presidente José Sarney e o ex-presidente do Senado Eunício
Oliveira (CE). Acertaram novas conversas para as próximas semanas. Gilberto
Kassab, presidente do PSD, também trocou impressões com o petista. No bate-papo,
disse que, a priori, fará o possível para manter o PSD neutro na disputa
nacional. Em paralelo, Lula passou ainda a defender que o PT priorize alianças
regionais, estado a estado. Nessa toada, já começou a construir seu palanque em
São Paulo. Pretende lançar seu estepe oficial, Fernando Haddad, candidato ao
governo. Apesar de toda a movimentação, evidentemente, a palavra “campanha”
continua proibida no PT. “Lula tem feito reuniões internas e com outros
políticos, analisando cenários, sobretudo nos estados, apenas isso”, minimiza o
presidente da Fundação Perseu Abramo, Aloizio Mercadante.
Fora
da arena política, no Judiciário, a estratégia lulista passa igualmente pela
reconstrução de pontes desativadas, mas também pela pavimentação de caminhos
jamais percorridos. Homens de confiança do ex-presidente têm trabalhado para
refazer a relação do candidato do PT com o ministro Dias Toffoli, de quem Lula
guarda uma profunda mágoa. O deputado Arlindo Chinaglia (SP) e o ex-senador
Jorge Viana (AC), dois dos quadros do partido selecionados por Gleisi Hoffmann
para manter canais abertos com o STF, operam nesse meio de campo. Há cerca de
um mês, Chinaglia avisou à cúpula do PT que Toffoli estava disposto à
reaproximação. Produto do berço petista, Toffoli se distanciou das origens anos
após ser nomeado para o Supremo pelo próprio Lula. O antigo padrinho acusa o
ministro de ter mudado de postura e, por diversas vezes, resistido a pautar
processos de seu interesse quando estava na presidência da Suprema Corte. Além
disso, Toffoli se aproximou de um dos maiores inimigos públicos de Lula e do PT
até outro dia: Gilmar Mendes. Mas, desde que Sergio Moro e a Lava-Jato entraram
na mira de Mendes, a relação do ministro com o partido nunca trafegou em maré
tão amena. Mais do que isso. Integrantes do alto comando petista defendem que,
se eleito, Lula abra as portas do governo à influência de Mendes ou até lhe
ofereça um ministério — ideia que conta com baixíssima adesão na sigla. Ninguém
descarta, porém, uma aproximação efetiva. No PT, defende-se que Lula se reúna
com Mendes após o julgamento no STF. Só dependerá do magistrado.
Enquanto
os tarimbados personagens da cena política permanecem ao alcance da articulação
de Lula e seus aliados, importantes setores da sociedade estão mais distantes,
como a dobradinha indústria-mercado financeiro, os militares e os evangélicos.
Os empresários, embora em grande parte desiludidos com a dificuldade de Paulo
Guedes de entregar a agenda liberal que prometeu, ainda têm pesadelos com Dilma
Rousseff e sua política econômica. Com Lula, ressalte-se, essa resistência é
menor. Recentemente, Fernando Haddad foi procurado para sentar à mesa com
executivos do mercado financeiro. O deputado José Guimarães (PT-CE) também está
buscando canais de diálogo e pedindo reuniões na Faria Lima. Outra esperança do
PT para vencer a resistência dos muros da indústria e do empresariado ganha
força na possível vitória de Josué Gomes da Silva na disputa pela presidência
da Fiesp, a ser decidida em julho deste ano. Ele é filho do ex-vice-presidente
de Lula nos dois mandatos, José Alencar. “Mas não é garantia de nada. Primeiro,
ele não é o pai, segundo, lá atrás, nós apoiamos o Paulo Skaf para a Fiesp e
vimos no que deu”, frisa um ex-ministro do PT, citando o atual mandatário da
entidade, ligadíssimo hoje a Bolsonaro.
Os
militares representam outro campo espinhoso para o PT. Os comandantes da
legenda admitem que, em breve, será fundamental uma tentativa de aproximação.
Não apenas para governar, mas para assumir caso ganhem as eleições. No partido,
existe um medo grande de que Bolsonaro resista em deixar o Palácio do Planalto em
caso de uma vitória apertada de Lula. A relação com os militares ficou
inviabilizada principalmente durante o governo Dilma, após a instalação da
Comissão da Verdade, colegiado formado para revisar crimes cometidos durante a
ditadura. O mais provável é que Lula acione o senador e ex-ministro da Defesa
Jaques Wagner (BA) , que goza de bom trânsito nas Forças Armadas, para aparar
as diferenças.
Um dos maiores desafios, entretanto, passará pelo voto de fé, sobretudo o dos evangélicos. Eles serão 30% da população em 2022, e, desde 2018, os donos das principais igrejas do país — verdadeiros conglomerados, com dezenas de filiais — formam uma espécie de exército fiel bolsonarista. O discurso conservador do capitão e o derretimento da imagem do PT empurraram o eleitor cristão para o espectro liderado pelo presidente. O petismo tentará fisgar ao menos uma fatia desse bolo de eleitores com a promessa de socorro social, visto que muitos deles foram atingidos em cheio pelo desemprego. Em outra frente, tentará catequizar os evangélicos das igrejas independentes, principalmente das periferias. “O Lula já demonstrou grande preocupação com esse assunto em mais de uma de nossas conversas”, conta a teóloga ligada ao PT Lusmarina Garcia. Caso decida oficializar sua candidatura para 2022, além de reconstruir esse e outros canais com setores importantes da sociedade, Lula pretende garimpar votos relembrando dados positivos de seus dois governos e fará de tudo para o eleitorado relativizar ou até mesmo esquecer os escândalos de corrupção e a derrocada econômica que ajudou a enterrar precocemente o segundo mandato de Dilma. Não é pouca coisa a se fazer até 2022.
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