Mais
da metade da população não come direito; Bolsonaro se alimenta do caos
No
seu livro "El Hambre",
um tijolo com mais de 600 páginas que mistura ensaio e reportagem, o jornalista
argentino Martín Caparrós argumenta que a fome contemporânea é a mais canalha
da história, pois nem sequer existe a justificativa de que não há comida
suficiente para alimentar todo mundo. Só não o fazemos devido a um sistema de
circulação de bens que concentra a riqueza nas mãos de poucos.
A pandemia decuplicou o problema. Se eu caminho por 15 minutos, da rua onde moro até o largo do Machado, para buscar uma encomenda nos Correios, sou parado de três a quatro vezes com pedidos de dinheiro. "Para comprar comida" —é a explicação de homens ou de mulheres com filhos agarrados às pernas. Quando não tocam o interfone do meu prédio, a qualquer hora, com a mesma solicitação.
Quem
recebe algum tipo de auxílio sonha em ver carne no prato em primeiro lugar e
depois ovo, arroz, feijão. Passar algum tempo, enquanto o dinheiro durar, longe
dos ultraprocessados —macarrão instantâneo, biscoitos, salgadinhos—, que fazem
mal à saúde e têm sido um engana-barriga na adversidade.
Um
ano depois do primeiro caso de Covid, o país passou a discutir um conceito, o
da insegurança
alimentar, antes restrito aos pesquisadores. Os estudos registram
números alarmantes: 59,3% dos brasileiros —125,6 milhões— não comeram em
quantidade e qualidade ideais desde a chegada do vírus. Para 44% das pessoas, a
carne sumiu.
O
governo atual nunca se interessou em combater a desigualdade --nem antes nem
durante a pandemia. E, como também jamais enfrentou a crise sanitária,
tornou-se o principal agente da fome. Um sabotador da vida por cálculo
político.
Não à toa Bolsonaro vive antevendo saques, desordens e convulsões sociais. "O Brasil está no limite. Parece um barril de pólvora", comemora o presidente que se alimenta no bandejão do caos.
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