Valor Econômico
Estratégia é concentrar esforços nas
mobilizações
Parafraseando Guimarães Rosa (1908-1967),
que teria completado 113 anos no domingo, podemos afirmar que os portentosos
fatos explodiram a semana passada na política nacional de “chinfrim, afã e
lufa-lufa”. Ou em português claro, foi uma semana de muita confusão,
corre-corre e aflição no governo e na base governista.
Na quinta-feira, em cena de filme de ação,
ou de comédia, o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) tentou pular o muro de sua
casa para escapar da Polícia Federal, mas recuou ao se deparar com um agente
que estava à espreita.
Também na quinta-feira, em uma imagem
dantesca, o presidente Jair Bolsonaro arrancou a máscara de uma criança que
levou ao colo, em mais um dos diversos atos com aglomeração que vem promovendo.
O gesto causou indignação, com o agravante de que o Brasil aparece em segundo lugar no ranking de crianças vítimas da covid-19, atrás apenas do Peru, segundo um levantamento divulgado pelo jornal “O Estado de S. Paulo” no começo do mês. Até meados de maio, 948 crianças de zero a nove anos morreram de covid-19 no país, segundo dados do Sistema de Informação de Vigilância da Gripe (Sivep-Gripe).
Um dia depois, Frederick Wassef, advogado
da família Bolsonaro, foi flagrado perambulando pelo Senado sem máscara. Para
driblar os repórteres, trancou-se no banheiro privativo das senadoras.
Advertido pelos seguranças, teve de sair e enfrentar a imprensa.
Também na sexta-feira, o senador Marcos do
Val (Podemos-ES), em cena deplorável, deu empurrões com o peito no deputado
Luis Miranda (DEM-DF) no plenário da CPI da Covid. As provocações dos senadores
eram mais maduras nos tempos em que Heráclito Fortes escondia os sapatos de
Tasso Jereissati (PSDB-CE), quando o tucano cochilava nas sessões, e
despertava, atordoado, ao se descobrir de meias no plenário. Ou quando o mesmo
Heráclito temperava com laxativos os chocolates de Geddel Vieira Lima, que,
afortunadamente, não os dividia com os amigos.
Na sexta-feira, o clímax da novela se
consumou quando a senadora Simone Tebet (MDB-MS) obteve do depoente, Luis
Miranda, a revelação do nome do deputado que o presidente Bolsonaro teria
mencionado, ao ser advertido do suposto esquema envolvendo a compra dos
imunizantes indianos Covaxin: Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara.
Com isso, as redes sociais indagaram se a
denúncia da eventual compra superfaturada da Covaxin seria a “Fiat Elba do
Bolsonaro”. O carro foi considerado a prova material que faltava ao impeachment
do presidente Fernando Collor, e que o levou à renúncia.
Se a Covaxin será o “Fiat Elba” da vez, é
preciso aguardar os próximos capítulos. A denúncia serviu, entretanto, como um
verdadeiro “plot twist” do enredo: deflagrou a nova linha de investigação da
CPI da Covid, que agora se volta para eventual corrupção no governo; a
convocação de novos atos de rua pela oposição, antecipados para o dia 3; o
protocolo do superpedido de impeachment amanhã, reforçado pela denúncia dos
irmãos Luis Cláudio e Luis Ricardo Miranda; a notícia-crime dos senadores
contra Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo crime de prevaricação.
Essa sucessão de fatos sugere que a
oposição decidiu abandonar a estratégia de deixar Bolsonaro perder fôlego
político para disputar com um presidente fragilizado nas urnas, e somar forças
pelo impeachment aqui e agora. O impasse é como ultrapassar a “muralha” Arthur
Lira (PP-AL), que blinda o presidente.
Para o vice-presidente nacional do PT,
deputado José Guimarães (CE), “o que fará Arthur Lira deferir o pedido de
impeachment é a pressão social”. Segundo o petista, a oposição deve “concentrar
todos os esforços nas mobilizações de ruas, porque não tem essa de deixar
sangrar para facilitar nossa vida em 2022”. Guimarães acredita que Bolsonaro
não se sustentará até o ano que vem num ambiente de instabilidade: “Vamos
apostar todas as fichas no impeachment”.
Apesar do entusiasmo, um experiente
dirigente de sigla do centro político adverte que será preciso muito mais do
que “povo na rua” para afastar Bolsonaro do cargo. Será necessário algo
“marcante, escandaloso”.
É preciso lembrar que o cenário econômico,
apesar da onda de desemprego e inflação em alta, é promissor. Bolsonaro e Lira
entregaram a principal demanda do mercado financeiro para este ano: a
capitalização da Eletrobras. Além disso, o setor demanda, pelo menos,
compromisso com o rigor fiscal, a manutenção do ministro Paulo Guedes, e o
cumprimento da regra de ouro.
Em paralelo, a popularidade de Bolsonaro
está em franca corrosão, mas ainda não atingiu os níveis alarmantes que
contribuíram para defenestrar Fernando Collor e Dilma Rousseff. Segundo a
última pesquisa Ipec, a reprovação do presidente subiu dez pontos percentuais,
de 39% para 49%, e a aprovação caiu de 28% para 24% em quatro meses.
Quatro meses antes de Eduardo Cunha
autorizar a abertura do impeachment, em agosto de 2015, o governo Dilma
amargava 71% de reprovação. A taxa de aprovação estava em 8%, segundo o
Datafolha.
Acrescente-se que há resistência feroz de
deputados e senadores a uma Presidência sob o comando do general da reserva
Hamilton Mourão. Bolsonaro já aparelhou a administração federal com militares
de todas as patentes, mas Mourão simbolizaria o efetivo retorno dos generais ao
poder, desde a redemocratização.
Sobre esse empecilho, Guimarães diz que não
é problema da oposição. “Não queremos conversa com as vozes do além, quem pariu
Mateus que o embale”, diz o dirigente petista.
“Darandina”, que significa lufa-lufa, afã, ou corre-corre, é o título de um conto pouco conhecido de Guimarães Rosa, publicado em uma coluna que ele assinou em “O Globo” em 1961. Trata-se de uma sátira política, em que o protagonista, um secretário de Finanças, desperta de um surto, e atordoado, se vê nu em pelo, no alto de uma palmeira, cercado por uma multidão. Para não dar “spoiler”, posso afirmar que a mensagem de Rosa ao final é que só há escapatória para um político se ele cair nos braços do povo.
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