Correio Braziliense
O depoimento dos Miranda atiçou
os articuladores do impeachment de Bolsonaro, que sonham com a adesão do
Centrão e dos militares ligados ao vice Mourão
O caso da vacina indiana Covaxin, na CPI do
Senado que investiga a atuação no Ministério da Saúde contra a pandemia de
covid-19, ameaça romper a blindagem constitucional de Jair Bolsonaro, que só
pode ser investigado por crime cometido durante o exercício do mandato, desde
que a Câmara dos Deputados autorize. Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP),
Jorge Kajuru (Podemos-GO) e Fabiano Contarato (Rede- ES), ontem, apresentaram
ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma notícia-crime na qual pediram a
investigação do presidente da República por suposto crime de prevaricação. A
relatora do caso será a ministra Rosa Weber.
Bolsonaro alega que não tem como saber o que passa nos ministérios, mas foi acusado de ter tomado conhecimento do superfaturamento da Covaxin pelos irmãos Luis Miranda (DEM-DF), deputado federal, e Luis Ricardo Miranda, técnico do Ministério da Saúde que se recusou a comprar a vacina, durante depoimento de ambos na CPI da Covid, na sexta-feira passada. Agora, caberá ao Supremo decidir se pede à Procuradoria-Geral da República (PGR) para abrir uma investigação formal sobre o caso. No Código Penal, prevaricar é “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
Bolsonaro não somente foi informado da
compra irregular da vacina, que não chegou a ser efetivada devido à denúncia,
como teria dito aos irmãos que o responsável pelo lobby a favor da vacina seria
o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR),
ex-ministro da Saúde no governo Temer. Entretanto, o presidente não tomou
nenhuma providência, mesmo diante de indícios de irregularidades, entre os
quais um pagamento antecipado de US$ 45 milhões a uma empresa que não constava
no contrato, e que somente não foi efetivado devido à denúncia.
No Palácio do Planalto, a tensão é grande:
a denúncia é considerada “fogo amigo”. Sabe-se que os irmãos foram estimulados
pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), a denunciar o caso
por ter interesse em destituir do cargo o líder do governo. Nos bastidores do
Congresso, circula a versão de que a cabeça de Barros teria sido solicitada a
Bolsonaro por Lira e pela secretária de Governo, deputada Flávia Arruda
(Progressistas-DF), ministra encarregada da articulação política com o
Congresso, com a qual Barros não se entende desde quando ela era presidente da
Comissão Mista de Orçamento. Luis Miranda é aliado de primeira hora de Lira.
O depoimento bomba dos irmãos Miranda na
CPI da Covid também atiçou os articuladores do impeachment de Bolsonaro, que
sonham com a adesão do Centrão e dos militares ligados ao vice-presidente
Hamilton Mourão. O general de quatro estrelas foi completamente escanteado no
governo. As recentes pesquisas eleitorais, que apontam a possibilidade de o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vencer as eleições à Presidência no
primeiro turno, também agitaram alguns líderes do Centrão, que agora estão em
busca de um nome alternativo que possa derrotar o petista. O mais empenhado
nessa estratégia é o presidente do PSD, Gilberto Kassab, que sonha com a
candidatura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Conspiração
Para esses setores, o impeachment de Bolsonaro facilitaria a articulação de um
candidato conservador, porém, comprometido com a democracia, que passaria a ser
opção para todo o eleitorado antipetista. Não faltam motivos para Bolsonaro ser
enquadrado em crime de responsabilidade. Uma parte da esquerda também deseja o
impeachment, por outros motivos, naturalmente. O PT resiste porque não tem
interesse em tumultuar o processo e legitimar os arroubos autoritários de
Bolsonaro. Lula está mais interessado em manter o calendário eleitoral,
garantir o sistema de votação e a própria posse, caso venha a ser vitorioso.
Na verdade, a movimentação do ex-presidente
é cada vez mais cautelosa e realista. Ele procura os velhos aliados, inclusive
do Centrão, e defende que o PT dê prioridade às eleições parlamentares nos
estados, compondo com os candidatos a governador de oposição mais competitivos.
No caso do PT, o apoio ao impeachment de Bolsonaro é meramente retórico. O
partido não tem interesse em entregar o governo para Mourão porque teme que
Bolsonaro possa estimular uma convulsão política, agravar a crise econômica e
levar o país à beira da guerra civil, o que servira de pretexto para uma
tentativa de adiamento das eleições.
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